Euclides Gomes Vaz fez de ‘Bebé’ um nome incontornável do futsal português e das conquistas recentes da seleção que no domingo juntou o título Mundial ao Europeu.

O guarda-redes que vai para a quinta época ao serviço dos Leões de Porto Salvo é um dos quatro portugueses que ganhou tudo o que havia para ganhar na modalidade.

Juntou aos vários títulos internos que foi somando ao longo de uma carreira que já leva 18 anos ao mais alto nível em Portugal, à Liga dos Campeões conquistada ao serviço do Benfica em 2010, e aos dois títulos pela seleção, que coloca no topo de todos.

Numa longa e descontraída entrevista ao Maisfutebol, Bebe assume que a mudança para os Leões de Porto Salvo ao fim de 11 anos no Benfica foi muito dura. Mas antes disso, Bebé já tinha vivido uma outra mudança de clube que deu muito que falar: trocou o Sporting pelo Benfica, em 2006.

Na conversa com o nosso jornal, o guarda-redes falou sem rodeios dessa mudança. Das razões e das dificuldades que passou devido a ela.

E garante: foi a decisão mais acertada que tomou na carreira… apesar de não a ter desejado.

MF: No início da carreira, depois de três épocas no Sporting, mudaste para o Benfica. Como foi essa mudança?

Bebé: Foi difícil. Quando saí do Sporting não tinha uma projeção muito grande. O guarda-redes titular era o João Benedito, e é engraçado porque saímos os dois no mesmo ano. O Sporting queria que eu ficasse como o guarda-redes principal, mas a real razão para eu não ter ficado no Sporting foi porque eles não foram sérios comigo. Como eu sempre fui sério e transparente e joguei limpo com eles, não gostei do que me fizeram e saí. Eu estou à vontade para falar disso porque na altura, o meu maior desejo era continuar no Sporting.

MF: Havia uma ligação forte…

Bebé: Eu tinha lá o Zezito [antigo jogador], que era o meu espelho de desportista. Era e é. Se eu tiver de escolher as pessoas mais importantes da minha vida, que sempre me deram bons conselhos, o Zezito é um deles. Se por algum motivo eu tivesse de sair dos Leões de Porto Salvo, eu ligaria ao Zezito a pedir-lhe a opinião dele.

MF: Mas depois a adaptação ao Benfica foi fácil?

Bebé: Não foi fácil porque as pessoas olham para ti como vindo de um rival. Nós [Bebé e Gonçalo Alves] tínhamos acabado de ser campeões pelo Sporting, no último segundo. Por isso, os primeiros cinco ou seis meses foram difíceis. Houve alturas cruciais, porque ganhei a Supertaça pelo Benfica, fui decisivo ao defender os penáltis e isso ajudou um pouco.

MF: Mas o que dificultou mais a mudança?

Bebé: Eram rotinas diferentes. A própria cultura dos clubes é diferente. Eu sou daquelas pessoas que se estiver bem não muda. Não interessa de outro lado me dão mais dinheiro, ou condições. Se eu sou feliz, não quero mudar. E essa foi uma das razões para ter ficado 11 anos no Benfica. A rivalidade entre o Sporting e o Benfica dificultou a adaptação.

MF: Sentes que foi a opção certa?

Bebé: Não tenho qualquer dúvida em afirmar que a melhor decisão desportiva que tomei na minha vida foi mudar-me para o Benfica. Foram os anos mais felizes da minha vida como guarda-redes de futsal. E não o digo só porque ganhei muito mais do que perdi. Mesmo nas derrotas, eu também fui feliz no Benfica. Foi uma mudança acertada para um clube com o qual tenho uma gratidão eterna. Tenho a perfeita noção de que aquilo que sou como guarda-redes e as coisas que eu tenho na vida me foram proporcionadas pelo Benfica.

MF: Conquistaste sete títulos nacionais, uma Liga dos Campeões, o Europeu e o Mundial, mais seis Taças e oito Supertaças. Não é um currículo mau.

Bebé: (risos) Eu digo sempre que nunca pensei conseguir isto. Comecei a jogar por brincadeira… e ganhei tudo o que havia para ganhar. Ontem [segunda-feira] estive a ler e eu, o Pany, o Ricardinho e o João Matos somos os quatro que ganharam tudo no futsal. Se me dissessem uma coisa dessas quando comecei, eu diria que as pessoas estavam maluquinhas. Sinto-me completamente realizado com a minha carreira. Mas repito: valorizo as medalhas, mas valorizo muito mais o legado de ser uma influência positiva para os mais novos.

MF: Como tu tiveste as tuas.

Bebé: É por isso que digo que o Zezito e o Pedro Costa foram pessoas muito importantes na minha vida como desportista. Eles foram aquilo que eu queria ser quando tivesse a idade deles. O Zezito ganhou muita coisa, mas não ganhou nada em termos internacionais pela seleção nem pelo Sporting. Mas mesmo assim, eu queria ser como ele. E é isso que eu quero que os miúdos, sobretudo os do Porto Salvo, vejam que mais do que ser bom desportista, temos de ser bons seres humanos. Isso é muito mais importante. Porque daqui a dois anos vou deixar de ser jogador de futsal, mas o Euclides Vaz, o Bebé, vai continuar a ser o mesmo.

MF: Tendo em conta o currículo e a pessoa que és, sentes-te preparado para ser lembrado como uma lenda do futsal?

Bebé: Estou… Eu não diria como uma lenda, mas como mais um que ajudou a modalidade a atingir patamares nunca antes alcançados. Eu disse-o quando fomos Campeões Europeus e antes da final do Mundial, e volto a dizer, agora como campeão: esta medalha [agarra a medalha de ouro que tem ao peito] não é só dos 17 que estiveram no Mundial. É de toda a família do futsal. De todos os jogadores que passaram pela modalidade. Porque foram essas pessoas que deram condições para eu usufruir das condições que tenho.

MF: Foi um trabalho longo…

Bebé: Não podem ser esquecidos jogadores como o João Marçal, Ivan Dias, André Lima, Zé Maria, Pedro Costa, Zezito, Arnaldo, Gonçalo Alves, Naná, José Carlos… Eu disse dez, mas poderia dar centenas. Foram muitos, muitos, muitos jogadores que contribuíram para que nó conseguíssemos esta medalha.

MF: O final da carreira já se aproxima. O que vais fazer depois? Vais querer continuar ligado ao futsal?

Bebé: Não sei. Muito honestamente, não sei (risos). Não sei se vou continuar ligado ao futsal. Sei que vou ter um restaurante para gerir. Eu continuo a jogar futsal, graças à minha mãe, que me facilita. É ela que permite que eu não vá para o restaurante ao sábado, e fica a segurar as pontas todas. Mas ela já me fez um ultimato: ‘Bebé, em 2022 eu vou terminar. A partir daí, tu é que vais ficar a gerir isto na totalidade’. Por isso, eu sei que vou continuar a jogar até 2022. Depois disso, já não sei o que vai acontecer e não sei se vou continuar ligado à modalidade.

MF: Mas gostarias de continuar?

Bebé: Claro que gostava. Mas não sei se vão estar reunidas as condições para que isso aconteça. Mas gostava muito.

MF: No restaurante, estás preparado para assumir os tachos?

Bebé: Estou! Estou muito preparado. Eu gosto.

MF: Sabes cozinhar?

Bebé: Não. Nada. Eu cozinho zero (risos). Digo sempre que a minha mãe é o Ronaldo daquele restaurante. Ela é o elemento mais importante dali. Ela é que faz aquilo andar. Eu sou só mais um para ajudar a colocar os pratos, levar as travessas para as mesas, limpar e ajudar a que os clientes passem um bom momento. Estou preparado para isso e confesso que durante o Mundial até disse a alguns clientes que já estava com saudades de servir à mesa. Mas amanhã [quarta-feira] já estou de volta e sei que eles vão estar lá à minha espera.

MF: Tiraste um curso de pintor de automóveis. Se não fosses futsalista serias pintor?

Bebé: Não, não. Eu fiz um curso profissional na Casa Pia que era de pintor de automóveis. Terminei o curso com 16 anos e recusava-me a começar a trabalhar com aquela idade. Queria pelo menos terminar o 12.º ano. Se não fosse jogador de futsal, seria professor de educação física. Entretanto, consegui tirar o curso de Educação Física e Desporto na Universidade Lusófona, na vertente de desporto escolar.