Da freguesia barcelense Galegos (São Martinho) para o mundo do futebol: Hugo Filipe da Costa Vieira. Aos 31 anos, o avançado português está pela quarta vez no Gil Vicente, coração e âncora de uma carreira que já passou por seis países no estrangeiro e teve mais e melhores memórias na Sérvia e no Japão.

O rótulo de goleador que ganhou à porta de casa, no Santa Maria, onde chegou à equipa sénior aos 15 anos, valeu o salto dos distritais para a II Liga em 2009. Três anos depois, o Benfica. Contudo, da estreia que não teve na Luz até à Sérvia, a fase mais difícil da carreira. O que ninguém devia enfrentar: a perda da namorada Edina, em 2015, devido a um problema oncológico. Meses em que os relvados passaram para segundo plano.

No Estrela Vermelha, Hugo renasceu. Superou-se. Foi campeão. Ficou ídolo dos adeptos - tal como no Japão, onde quer voltar - e conheceu a atual companheira. Dos pelados aos grandes palcos nacionais e voltas ao mundo, três projetos fora dos relvados, vontade de acabar a época em campo, muitas histórias e a vontade de ajudar o outro. «Não sabemos o dia de amanhã».

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Maisfutebol (MF) – Voltou ao Gil Vicente e falou de um novo Hugo Vieira. De quem falamos?
Hugo Vieira (HV) –
Um jogador com outras características, mais experiente. Com uma escola maior.

MF – Como se deu o regresso ao Gil Vicente?
HV –
Na Turquia, lesionei-me no primeiro treino. Assinei às duas da tarde, às três fui treinar e rompi os ligamentos do joelho esquerdo. Vim para cá, operei. Mudou a época, o treinador, muita coisa. Não estava a jogar tanto quanto gostaria e pedi para sair, para voltar ao Gil Vicente. No final da época, vamos ver. O meu objetivo inicial é voltar ao Japão, só que com isto, não sei como vai ficar.

MF – Foi quase um ano a recuperar de lesão na Turquia. A carreira estava a correr bem.
HV –
Foi complicado. Nos últimos anos, só tenho a dizer coisas boas. Na Sérvia e no Japão estava a um nível muito bom. Foi complicado voltar a estar bem. Felizmente sinto-me melhor.

MF – Disse que o objetivo é voltar ao Japão. Ao Yokohama?
HV –
Tenho uma forte relação com o Yokohama. Na altura, pedi para sair. Tive problemas pessoais de doença na família e queria estar mais perto. Mais pelo horário do que outra coisa. No Japão, são mais oito horas. Quando eu acordava, eles iam dormir.

MF – Mas sente que estão atentos no Japão?
HV –
Tanto em agosto, quando estava a recuperar, como em dezembro, tive propostas. Era para sair em dezembro do Sivasspor, para o Japão. Não chegaram a acordo entre clubes e vim para o Gil Vicente.

MF – Como está a ser este regresso? A Liga parou. Não foi como previa…-
HV –
Nada como previa. Vim para jogar, para ajudar o clube. Parou quando eu estava a começar a jogar. Ninguém queria isto, mas primeiro está a saúde. Vamos voltar mais fortes.

MF – Como tem sido o dia-a-dia?
HV –
Vou andar de bicicleta ou correr num monte conhecido em Barcelos, o monte do Facho. Costumo ir por aí fazer quilómetros e manter a forma.

MF – O Gil Vicente volta aos treinos na próxima semana.
HV –
Voltamos no dia 4 [segunda-feira] e estamos todos ansiosos. Sentimos falta da bola, do ambiente de balneário. Na minha ótica, as coisas vão ser diferentes. Vai ser complicado para todos, mas temos de remar para o mesmo lado e acabar da melhor forma.

MF – Acredita que as competições vão ser terminadas em campo?
HV –
Acho que sim. E espero. Pela verdade desportiva. Não era assim que desejávamos, mas é assim que tem de ser. Vou apoiar seja qual for a decisão, mas o ideal era dentro de campo.

MF – Na sua perspetiva, preferia jogar? Ou pelas questões de saúde era terminar já?
HV –
Eu tenho três doentes de risco em casa e é complicado quando nos deparamos com estas situações. A minha avó, pela idade. A minha mãe, doente oncológica. A minha companheira, gravida. Estou disposto a jogar. Temos de ter cuidado, sim. Mas pela verdade desportiva, merece o nosso sacrifício.

MF – Além do futebol, tem outros três projetos. Uma marca de roupa, uma agência imobiliária e uma de viagens. Como surgiram?
HV –
A agência já tem alguns anos, é em Braga e surgiu pela paixão de viajar, pelo conhecimento do mundo. A HV Building é uma empresa de construção, tenho familiares que trabalham há anos nisso. Optei por abrir a minha, porque posso concretizar o sonho de várias pessoas, de ter o seu cantinho. Agora, mais do que nunca, sabemos o quão importante é. Tenho também a marca de roupa, sonho meu de há muitos anos. Está a começar, mas a correr bem também. Vendi muita coisa para o Japão e um dos meus objetivos de voltar lá é por isso. Não me esqueceram e até a minha roupa compram. Pagam quase tanto pela roupa como pelo envio, é caro enviar para o Japão e mesmo assim compram.

MF – É uma preparação para o futuro depois do futebol?
HV –
Não tanto. Claro que também tenho de ver o meu futuro, mas eu sou privilegiado. A um determinado tempo da minha carreira, ganhei acima da média, não escondo. Optei por investir no futuro da família. É o mais importante, eu e os meus estarmos bem. Costumo dizer: o dinheiro é importante, mas não é o mais importante. Importante é sentirmo-nos realizados profissionalmente e espalhar o bem, não sabemos o dia de amanhã. Infelizmente aprendi isso da pior maneira. Tenho amigos que pedem ajuda e orientação e eu tento ajudar.

MF – Tem pessoas a trabalhar consigo e a gestão nesta altura de dificuldade tem de ser feita…
HV –
Tenho colaboradores, cerca de seis na parte da construção e oito a dez na imobiliária. São muitas famílias, é uma responsabilidade grande e é complicado, mas como costumo dizer, em tom de brincadeira, mas é muito sério, é melhor cortarem a nós jogadores, do que eu cortar a essas pessoas. Os salários não são como os dos jogadores de futebol e eles têm de pôr comida na mesa para as famílias.

MF – Como gere esses projetos além da vida desportiva?
HV –
Tenho de delegar. Tenho profissionais excecionais. Os meus pais ajudam-me imenso, as minhas irmãs e o marido e namorado delas também. Sem eles, não seria possível. Está a correr bem. Mais importante que o financeiro, é sentir a felicidade das pessoas, o quão ficam gratas por fazermos as coisas bem. Que continue assim, a correr bem.