Dave Richards - aliás, sir Dave Richards - é um nome importante do futebol inglês. Foi por exemplo presidente da Premier League durante catorze anos: entre 1999 e 2013.
 
Liderou a liga durante o período de maior transformação, que colocou o futebol inglês no topo do mundo, e em 2006 foi condecorado pela rainha com o título de sir pelos serviços prestados ao futebol.
 
Aproveitando a vinda de sir Dave Richards a Lisboa, para participar no I Congresso The Future of Football, o Maisfutebol conversou com ele sobre a mudança operada no futebol inglês.
 
Leia tudo.
 
Qual é o segredo para transformar a Premier League inglesa na melhor do mundo?
Não há um único segredo. Quer dizer, não há segredos para criar uma liga fantástica, com jogadores fantásticos e estádios fantásticos. Tem tudo a ver com, isso sim, criar condições para o desenvolvimento dos clubes. É bom não esquecer que o futebol inglês, com clubes e competição, existe há 150 anos. Portanto tem tudo a ver com respeitar a herança, e respeitar o jogo que nós próprios criámos e levámos ao mundo.


 
Mas lembro que no início da década de 90 o futebol inglês tinha vários problemas: o hooliganismo, os melhores jogadores a sair para Espanha e Itália...
Sim, isso tudo é verdade. Mas aí tivemos que atacar esses problemas com toda a força. O hooliganismo parou através de uma ação concertada entre a liga inglesa, a federação e o governo. Criámos uma força de stewards especialmente treinada para lidar com os hooligans. Instituímos o dia da família: o dia do futebol é o dia da família.
 
...
Deixe-me só dizer que depois criou-se um movimento que aos poucos foi mudando as mentalidades. Hoje em dia, se um adepto grita um palavrão, há outro logo ao lado que lhe diz «ei, cala-te, estão ali crianças».
 
Mas foi só isso?
Naturalmente que não. Identificámos os hooligans e foram banidos do futebol. Foi um trabalho muito demorado e custoso, mas hoje o fenómeno do hooliganismo está controlado. As claques continuam a existir, mas se querem violência, que o façam em casa. Hoje esses adeptos estão segregados: separados no estádio para não estarem juntos. E o ambiente é completamente pacífico. Qualquer pai pode levar o filho ao futebol tranquilo.
 
E que trabalho foi feito dentro do relvado?
Começámos a trazer os melhores jogadores para Inglaterra. Com isso os jogadores ingleses deixaram de querer sair e a qualidade do jogo melhorou muito.
 
Mas ter essa capacidade de atrair os melhores jogadores não acontece por magia...
Pois não, mas aí tenho de falar do papel da centralização da negociação dos direitos teoevisivos. Fazemos isso há mais de 20 anos e mudou o futebol inglês.
 
É curioso que fale disso porque em Portugal há uma grande resistência a essa centralização.
A centralização da negociação dos direitos televisivos foi a melhor coisa que aconteceu ao futebol inglês. Antes um grande clube recebia uma grande receita e um clube pequeno uma pequena receita. Agora há um nivelamento. Toda a gente beneficia com isso. A competição torna-se mais fluída e todos jogam num campeonato melhor.


 
Um campeonato mais justo?
Mais justo, sim.
 
Mas...
Além disso há outra questão: a centralização da negociação aumentou a receita total de direitos televisivos. Todos juntos recebem mais do que a soma de tudo o que recebiam cada um negociando individualmente.
 
O que eu ia perguntar é como se convence os grandes clubes a dividir as receitas...?
Eles jogam com os pequenos clubes, não jogam? Sem os clubes pequenos, os clubes grandes não têm com quem jogar. As pessoas são realistas. O Manchester United sabe que tem de jogar com o Leicester City, por isso o Leicester City não pode acabar.
 
Mas aí o Leicester City vai ficar mais forte.
Sim, vai. Mas isso é bom para a competição e sendo bom para a competição é bom para o Manchester United. Os grandes clubes vão sempre receber mais dinheiro, ter mais publicidade, vender mais bilhetes que os clubes pequenos. Vão sempre ser mais fortes que o Leicester City. Mas se o Leicester for mais forte, o jogo torna-se mais atrativo, a liga torna-se mais atrativa e há mais dinheiro para todos.
 
Na sua opinião é mau uma grande liga não centralizar a venda dos direitos?
Não sei. Só posso falar do futebol inglês.
 
Até parece que a mudança é uma coisa simples.
Mas não é e sou obrigado a referir novamente da herança que Inglaterra recebeu. Acho que há um respeito pelo jogo que faz os melhores jogadores querer jogar em Inglaterra: querem respirar o ambiente do futebol inglês.
 
Uma espécie de respeito pelo espírito do jogo?
Sim, sem dúvida. Não tenha dúvidas que em Inglaterra há um respeito pelo espírito do jogo que não se encontra em mais lado nenhum. Os ingleses são muito leais e positivos. O espírito do jogo significa realmente muito para nós. Por isso há um desportivismo enorme no futebol inglês, que toda a gente faz questão de preservar.