Falou-se português, e bem alto, no dérbi de Belgrado. Hugo Vieira foi a figura maior do encontro entre o seu Estrela Vermelha e o velho rival Partizan. Venceu 2-1. Marcou os dois golos. E que golos…

Dois golaços e estatuto de herói para uma das caras novas da equipa. Vieira chegou este ano à Sérvia, depois de uma experiencia na Rússia, ao serviço do Torpedo Moscovo. Já é herói por aqueles lados. «Não dá para sair à rua», desabafa.

Para trás fica uma história de vida marcante, pela batalha que abraçou ao lado da namorada. Uma batalha que perdeu e, pelo caminho, quase lhe levou também o futebol. «A Edina não me deixou parar de jogar», conta.

Aos 27 anos, assume: «Resta-me o futebol». E, a avaliar pela amostra do último sábado, está a encarar o desafio de forças renovadas.

No Estrela [Vermelha] e, quem sabe, guiado por outra.





Passaram 24 horas desde a exibição de sonho no dérbi de Belgrado. Já dá para ter uma noção exata da dimensão daquilo que conseguiu fazer?

Mais ou menos. Eu já tinha visto e lido muitas notícias sobre este jogo, já tinha ouvido muita gente falar. Dizem que é o maior dérbi do mundo. Eu sabia disso. Agora eu via e ouvia o que diziam, mas nunca pensei que era mesmo assim. A ouvir falar, por muito bem que falem, nunca vão conseguir dar uma dimensão exata do que é este jogo. É incrível. E então depois do que aconteceu…

Fala dos dois golos que marcou, não é?


Precisamente. Adorei os dois. Foi, sem dúvida, o jogo mais marcante da minha carreira. E, possivelmente, o melhor golo também.

Qual deles?

(Risos). O segundo, o segundo…Saíram notícias aqui que foi o melhor golo de sempre do dérbi. Vieram dizer-me isso. Olha que estão a dizer que o teu golo é o melhor da história dos dérbis. E eu perguntei: qual deles? (risos) Eu sabia. O primeiro é um gesto técnico muito bom, uma finalização com classe. Mas o segundo…o segundo é uma bomba.

O segundo golo de Hugo Vieira no dérbi:



Saiu à rua este domingo? Como foi a reação das pessoas?

Está muito difícil sair à rua…As pessoas aqui vivem o futebol de uma forma incrível. Saí 25 minutos e tive de voltar. O Red Star é o maior clube cá, fui logo abordado por muita gente, abraçado, as pessoas querem fotos. É uma loucura. Talvez daqui a uns dias…Olhe, eu estive no Benfica, que é um clube muito grande e com muitos adeptos, mas não dá para comparar. Aqui são completamente fanáticos pelo clube. No Benfica senti muito carinho, talvez por ser dos poucos portugueses na altura. Mas aqui é incrível.

Deve render histórias engraçadas…

Pois. Olhe, ainda recentemente a minha família veio cá. Veio ver o nosso último jogo em casa. As pessoas faziam fila para tirar fotos com os meus pais e as minhas irmãs! Eles estavam radiantes. Os meus pais babados com a forma como esta gente me acarinha.

Na temporada passada esteve na Rússia, no Torpedo Moscovo. O Estrela Vermelha é um clube e um ambiente muito diferente?

Também fui muito bem tratado na Rússia. Até nem é normal os estrangeiros lá serem muito bem tratados, mas eu fui. Talvez pela minha história de vida, que se tornou pública, não sei. Mas aqui eu fui ‘a’ contratação. É diferente. Não vim para ser mais um, vim para ser ‘o’ jogador. O treinador ajudou-me muito, fez muita, muita força para que eu viesse. Até com compromisso pessoal.

Ainda não disse foi, afinal, qual dos dois golos gostou mais…Tem preferido ou não?

É muito difícil. Gostei muito do primeiro, mas, como disse, o segundo é uma bomba. Não sei se viram o início da jogada, mas a receção também é muito boa. Depois domino, faço que vou dominar outra vez e remato. Provavelmente é o melhor golo da minha carreira.

O primeiro golo de Hugo Vieira no dérbi:



E são golos com dedicatória especial?

Sim. É uma mistura de sentimentos muito complicada. O que eu sei é que foi isto que eu prometi à Edina. Era isto que ela queria. Ela ficava sempre radiante quando eu marcava golos e não consigo deixar de pensar como ela iria adorar ver estes dois. Ainda para mais num dérbi. (Longa pausa) Custa muito ela não estar cá para ver, mas, como já disse outras vezes, tudo que faço agora é para ela. As pessoas aqui também valorizam muito a minha história, que saiu em todo o lado quando vim para cá. Dizem-me que é das histórias de amor mais bonitas que já conheceram. Para mim é a história de amor mais bonita de todas. Não tenho dúvidas.

Tenta transformar o drama pessoal que viveu em força para o resto da carreira?

É difícil. Muito difícil. (Pausa) As pessoas não percebem muitas vezes o meu percurso, acusam-me de não ter conseguido singrar no momento certo. Mas eu só posso responder de uma forma: no único ano que fiz na Liga, sem problemas, fui a revelação do Gil Vicente, fizemos um grande campeonato, fomos à final da Taça da Liga, fui o melhor marcador da Taça da Liga e, no final, assinei pelo Benfica. Depois lá não tive oportunidades. Ou melhor, não aproveitei. Ou não tive oportunidades. Não sei…Sei é que pouco depois o futebol acabou para mim.

Foi o período mais complicado…

É muito difícil, aliás, é impossível jogar futebol tendo de lidar com uma situação como eu tive. É impossível ter cabeça para treinar e jogar sabendo que a pessoa que mais amo está a sofrer, está numa cama de hospital a passar por tratamentos dolorosos. Cheguei a pensar deixar o futebol, não queria mais. A Edina não deixou. Fez sempre força para continuar, mesmo quando as coisas não me saíam bem. É difícil estar a viver uma situação destas e ainda ser julgado. Não dá. A vontade dela que eu continuasse fez a diferença. É por isso que sei que, esteja ela onde estiver, ninguém estará hoje mais feliz.

Passado este tempo acha que o Benfica foi a melhor escolha para a sua carreira naquela altura?

O Benfica… (Pausa) Sinceramente não sei se foi ou não a escolha certa. Foi a que fiz. Já tinha de ser assim. Depois, também, com tudo o que aconteceu, estivesse no Benfica ou noutro lado era igual. Olhe, concretizei o sonho da minha família, dos meus tios. Valeu a pena por isso. É passado. Agora só penso no Red Star. Estou concentrado, tenho condições que nunca tive antes. Resta-me trabalhar. É o que tenho, agora. Resta-me o futebol.

Perdeu a esperança de ter uma oportunidade num clube português?

Todos os anos recebo propostas de Portugal. O problema não é falta de atenção. O futebol…é futebol. Tem muitas coisas. Nesta altura, sem dúvida, Portugal não é o mais importante para mim. Tenho sempre clubes portugueses interessados mas não conseguem competir com outros. Repare, os portugueses vêm buscar jogadores à Sérvia e pagam bem por isso. Os sérvios vão buscar jogadores a Portugal. Não me perguntem por que é assim. Se calhar é melhor negócio apostarem nos sérvios. Eu sei é que sinto-me muito bem aqui. Isto é fantástico.

Uma ligeira provocação para terminar: acha que Fernando Santos viu os golos que marcou?

(Risos) De certeza que ele vê. Mas existem tantos portugueses…O que é que posso dizer? Isso não depende de mim. O que depende é jogar marcar, jogar bem. Não é só os golos. Eu sei que aí é difícil conseguirem ver os jogos, mas estou a falar das exibições também. Estou muito bem. Mas ele [Fernando Santos] está numa posição difícil. Chame quem chamar será sempre criticado. É uma posição injusta. E para mim também é complicado, tudo o que eu disser pode ser mal interpretado. Neste momento, a seleção não é uma prioridade.