Esta é a história de um herói improvável, de um herói momentâneo, de um guarda-redes que fez sonhar a equipa não por uma defesa impressionante, mas por ter ousado fazer algo que não lhe competia, isso mesmo, marcar golos.

Chama-se Ivo Gonçalves e lá para os lados de Penafiel não se tem falado de outra coisa nos últimos dias. Dos Açores, os nortenhos trouxeram na bagagem uma derrota, mas também a recordação de um momento raro no futebol.

Ao minuto 55, quando o Penafiel perdia por 1-0, o guarda-redes chutou com força para a frente. A bola percorreu todo o campo e só acabou no fundo das redes adversárias.
 

- Golo de baliza a baliza na Segunda Liga!Ivo Gonçalves marcou um golo de baliza a baliza e lutou para que o FC Penafiel saísse com pontos dos Açores, frente ao Santa Clara.Foi aos 54 minutos que o guarda-redes Penafidelense marcou o golo do 1-1, mas as forças do Santa Clara superiorizaram-se e venceram por 3-2... mas fica mais um tento, depois de João Pinho ter feito pela UD Oliveirense.#MundoDosGuardaRedes #IvoGoncalves #FCPenafiel #SantaClara #SegundaLiga #GuardaRedes #Goleiro #Goalkeeper #Portero #Torwart #Portieri

Publicado por O Mundo dos Guarda-Redes em Segunda-feira, 7 de Dezembro de 2015
 
Um golo que acabou por saber a pouco, no sentido em que os penafidelenses perderam o encontro, mas que Ivo Gonçalves não mais irá esquecer, ainda que não seja a primeira vez que o faz. Na verdade são já oito os golos marcados em toda a carreira, grande parte deles ainda durante a formação no Silves.

Em entrevista ao Maisfutebol, o guardião algarvio revelou a origem da veia goleadora, mas assegura que não tenciona abandonar as redes.


Ivo, marcou um golo invulgar nos Açores, mas já não é o primeiro. De onde vem esse talento para o golo?
«Vem do treino. Em miúdo gostava muito de finalizar. No Silves, em fases mais adiantadas da época, jogava mais à frente, até para dar oportunidades aos outros guarda-redes e marcava golos. Marquei dois de penalti, dois como avançado, e três de baliza a baliza. Quase todos os guarda-redes começaram a avançado. Logo aos cinco anos fui para a baliza e assim fiquei, mas em brincadeiras com amigos e nos treinos gosto de por vezes ir à frente, não é a minha posição mas gosto de o fazer. Talvez venha daí as minhas aptidões para finalizar.»

Costuma treinar esses lances no treino?
«Muito de longe a longe. Esta época, no Penafiel, já treinei mas na brincadeira, não é uma coisa trabalhada que possa sair assim num jogo. Às vezes faço apostas com colegas e pronto chuta-se de baliza à baliza. São coisas que acontecem. O meu colega atrasou-me a bola, um adversário veio pressionar. Chutei na direção do meu ponta de lança, até porque há sempre hipóteses de isto acontecer. O vento ajudou um pouco, a bola bateu primeiro na relva e foi por cima do guarda-redes. Foi o vento e também a infelicidade do outro guarda-redes, está tudo interligado.»

O que sentiu quando marcou aquele golo nos Açores?
«Foi uma alegria, até porque na altura deu um empate. Na altura pensei que pudesse dar moral à equipa, mas não deu para saborear o golo até porque depois eles marcaram. Como perdemos o jogo acabou por não ter aquele efeito de alegria. Foi mais um momento marcante na minha carreira, mas trocava o golo por uma vitória.»

Já procurava fazer isto há mais tempo?
«Já tinha marcado mais golos mas este foi o primeiro enquanto profissional. Os outros, por serem nas camadas jovens, não têm tanto impacto. Este será o mais importante e o mais bonito por ter sido de baliza a baliza. Tinha o sonho de marcar um golo destes como sénior, mas nunca pensei que pudesse acontecer, porque não procurava cegamente.»

Se não fosse guarda-redes, qual a posição que gostava de ocupar em campo?
«Seria a de ponta de lança, porque gosto de tudo o que engloba a área e baliza. Teria de ficar numa posição perto da baliza (risos). Ser guarda-redes é uma coisa que se quer ou não se quer. Depois, se gostarmos, é uma posição que é impossível de largar e não a trocava pela de ponta de lança agora. Amo ser guarda-redes, mas pronto também seria uma posição interessante. Mas já passou o tempo disso.»

Invertendo os papéis. Se tivesse do outro lado o que sentiria?
«Se fosse ao contrário ia sentir-me abatido. Teria de superar isso, porque haveria muito jogo pela frente. Felizmente nunca me aconteceu.»

Foi falar com o guarda-redes adversário no final do jogo? O que lhe disse?

«Procurei reconfortá-lo, porque não é uma situação fácil. Ninguém quer estar nessa situação, mas também não é o fim do mundo. Ainda houve muito jogo depois disso e ele teve de intervir mais vezes e esteve bem.»

Tem alguma referência nas balizas?
«A nível nacional gostei muito do Vítor Baía, é uma referência da minha geração. Internacional gosto muito do Buffon, do Van der Sar e do Casillas, que agora está aqui perto. Todos têm um pouco do que eu gosto, umas habilidades especiais, mas o mais completo é o Neuer.»

Com o «ídolo» Casillas aqui perto, já pensou encontrar-se com ele?
«Já tivemos um jogo amigável com o FC Porto esta época, mas infelizmente ele estava na seleção e não nos cruzámos, mas nunca se sabe. Ainda estamos numa prova com o FC Porto [Taça de Portugal], nunca se sabe se nos iremos cruzar. Se o encontrasse pedia-lhe a camisola e dava-lhe os parabéns pela sua magnífica carreira, como se fosse preciso (risos) pois é um exemplo para todos. Admiro-o por ter sabido ultrapassar os momentos difíceis que passou.»

O Rogério Ceni, por exemplo, retirou-se este domingo. Era muito conhecido pelos golos que marcava em lances de bola parada. Gostava de seguir-lhe as pisadas?
« Vi muitos golos dele. As bolas paradas são trabalhadas no treino. Hoje em dia há muitos bons executantes, e isso não cabe aos guarda-redes. Eu não sou talhado para isso mas se um treinador me pedir não tenho problemas nenhuns. Poderá sempre acontecer num jogo, porque os guarda-redes hoje jogam muito adiantados para dobrar os colegas. As bolas também são mais leves, e por isso todos estamos sujeitos.»

Não está fácil a vida no Penafiel. Estão em lugares de descida e têm uma das defesas mais batidas do campeonato. Calculo que se pudesse tentaria fazer ainda mais golos.
«O principal é tentar sofrer menos golos, porque assim ficaremos mais próximos de ganhar. Todos estamos focados em melhorar a situação e tirar o clube desta situação desconfortável, que não queríamos. Estamos nela e vamos tentar fazer tudo, porque não condiz com o nosso valor. O que importa é obter mais resultados positivos e dar alegria aos adeptos.»

Numa outra entrevista disse que gostaria de jogar na I Liga. Entretanto passou pelo Académico de Viseu e vários colegas seus lá deram o salto. Com mais dois anos de contrato com o Penafiel, ainda tem esse sonho?
«Sim, claro que tenho, e se fosse como jogador do Penafiel melhor. Sinto-me bem aqui e aceitaria de bom grado uma experiência na primeira liga com o Penafiel. Trabalho todos os dias para um dia ingressar na primeira liga. Esse sonho mantém-se e irá manter-se enquanto tiver forças para tal.»