O Vitória Sport Club, de Guimarães, chega à 15ª jornada do campeonato com uma marca defensiva impressionante: apenas 13 golos sofridos. Um dos principais responsáveis pelo registo é Jorge Fernandes, o defesa mais utilizado por João Henriques e a referência do quarteto mais recuado. 

Jorge esteve ligado ao FC Porto dos dez aos 21 anos e guarda memórias fortes de dragão ao peito. Mas, acima de tudo, guarda bons amigos. O central destaca três deles: Rúben Neves, Diogo Dalot e João 'Andorinha' Costa. António Folha, treinador nos sub19, é outro nome muito elogiado nesta grande entrevista de Jorge Fernandes ao Maisfutebol.


PARTE I: «Fui um dos putos que corriam atrás do Quaresma no Olival»

PARTE III: «Com 15 anos o Rúben Dias já jogava ligado à corrente»



Maisfutebol – O Jorge nasceu em Braga. Ainda vive na cidade?
Jorge Fernandes – Nasci em Famalicão e vivo em Braga, sim. Nenhum dos meus pais tinha ligação ao futebol. O meu padrinho jogava futsal, acho que chegou à segunda nacional. Tenho um irmão que não dá uma para a caixa a jogar à bola. Quanto tinha oito anos comecei a chatear o meu pai para me inscrever na Escola de Futebol Fernando Pires. Fui inscrito como prenda de aniversário (risos), o meu pai fez-me isso. Fiquei lá um ano e no final da temporada fui fazer testes ao FC Porto e consegui ficar. Joguei dos dez aos 21 anos no Porto.

MF – O que fazem os seus pais e o seu irmão?
JF – O meu pai está a trabalhar na Suíça, na construção civil. A minha mãe está desempregada e o meu irmão tirou Ciências Farmacêuticas em Coimbra e trabalha numa farmácia em Braga.

MF – Tinha dez anos quando assinou pelo FC Porto. Teve de sair de casa dos seus pais em Braga?
JF – No início foi difícil. Eu estudava em Braga e arranjámos um sistema. O FC Porto tinha três jogadores de Braga e o que fizemos foi simples. Cada um dos pais desses futebolistas se responsabilizava pelas boleias em determinada semana e iam alternando. Acabávamos a escola, íamos com um dos pais e voltávamos à noite. Foi um esforço grande, porque havia muitos gastos associados. Só posso agradecer aos meus pais este sacrifício deles, em nome do meu amor pelo futebol. Sempre fizeram tudo por mim. Os meus pais e outros familiares. Foi assim que nos organizámos até uma altura em que o FC Porto disponibilizou carrinhas para nos irem buscar e levar a Braga. Isso foi ali por volta dos meus 11 anos. No sétimo ano tive de mudar-me para uma escola no Porto, a António Nobre. Andei lá até ao 12º ano. Havia um protocolo com o FC Porto e a minha turma era formada quase em exclusivo por jogadores do clube. Mas vivi sempre em Braga, em casa dos meus pais, nunca me mudei para a Casa do Dragão. Os psicólogos achavam importante ter a família comigo, apesar dos quilómetros que fazia diariamente. Foi assim até tirar a carta de condução.

MF – Quais as memórias mais fortes que tem da formação do FC Porto?
JF – O prazer de jogar, diversão pura. E adorava ir aos torneios fora do país, o andar de avião, o estar num hotel, tudo isso me fascinava. Sentíamo-nos especiais. Os torneios de Páscoa e de final de época eram maravilhosos. A partir dos sub15, com os campeonatos nacionais, comecei a sentir grande responsabilidade. Vivi momentos inesquecíveis.

MF – Quem eram os seus melhores amigos no FC Porto?
JF – O Rúben Neves. Tinha ligação espetacular com ele, agora temos falado menos vezes. Mas é um grande amigo e sei que posso contar com ele, mesmo sem falar tanto. Ajudou-me bastante. Nós fomos emprestados ao Padroense, que era um clube que tinha um protocolo com o FC Porto, e a dada altura o Rúben foi chamado de volta aos sub17 do Porto. Quando saiu, ele veio falar comigo e disse-me que ia sair e que o mister estava a pensar subir um dos centrais para o lugar dele. ‘Quero-te dizer isto porque vais entrar na equipa, tens de estar pronto, é a tua oportunidade’. Teve essa preocupação e tenho de lhe agradecer. Há coisas que não se esquecem. Além do Rúben, o João «Andorinha» Costa. Era um dos que vinha comigo nas carrinhas. Abusava um bocado de mim (risos), mas ele diz que abusava porque gostava de mim. Tinha uma postura autoritária, mas era gente muito boa. Está agora em Espanha [Granada] a lutar pelos sonhos dele. Também passou por altos e baixos no FC Porto. E tenho de incluir o Diogo Dalot, outro dos que viajava comigo de Braga. Mais tarde até comecei a dar-lhe boleias diárias, quando eu já tinha carta. São os meus três melhores amigos do futebol.

MF – O Rúben foi o colega mais talentoso que conheceu no FC Porto?
JF – O Rúben Neves foi um deles, claro, mas eu também treinei com os seniores muitas vezes. E o Brahimi era uma coisa incrível, ao ponto de parar e dizer: ‘Se este é assim, imagina o Messi’. O Brahimi passava por quatro como se nada fosse e eu começava a pensar como seria jogar contra o Messi. O Rúben, enfim, é engraçado porque sempre teve aquelas características. A essência é a mesma. Cresceu nos aspetos físicos, agressividade, mas a essência é a mesma: com a bola nos pés e passe longo é sobrenatural. Depois também destacaria a capacidade física desde muito cedo do Diogo Dalot, além da qualidade. Rúben, Brahimi e Diogo.

MF – Chegou a fazer pré-temporadas com a equipa A?
JF – Sim, em 2017 fui com a equipa para o México, na pré-época. Saí quando entrou o Diego Reyes, já no final da pré-época. Já foi com o mister Sérgio Conceição. Aliás, fiz com o Sérgio o meu único jogo na equipa A do FC Porto [Lusitano de Évora, na taça, 13 de outubro de 2017]. Depois estive também no banco de suplentes contra o Moreirense [30 de janeiro de 2018] e passados dois dias saí para o Tondela. O Yordan Osório veio para o Porto e eu fui para o Tondela.

MF – Como encarou esses minutos contra o Lusitano? Um prémio?
JF – Estávamos a ganhar já por 3-0 e o mister Conceição meteu em campo um defesa central. Até seria mais normal meter um avançado jovem. Senti que foi uma recompensa pelo meu trabalho e um enorme orgulho. Trabalhei anos a fio para esse momento, encarei essa presença como uma mensagem de crença por parte do clube. Estive sempre muito perto de fazer parte do plantel, mas acabou por nunca acontecer. Pode vir a acontecer no futuro? Pode, talvez. Só posso agradecer tudo o que o FC Porto fez por mim e desejar-lhe a melhor sorte, menos contra mim. Aliás, essa foi uma das coisas que aprendi lá: seja contra o pai ou contra o irmão, é sempre para jogar na raça e ganhar. Seguimos caminhos diferentes, mas nada tenho a apontar a ninguém.

MF – No FC Porto identificou-se de forma especial com algum treinador?
JF – Normalmente só elogiamos quem nos coloca a jogar, não é? Mas adorei o Luís Castro, fez-me crescer bastante na equipa B, e nem joguei assim muito com ele. Mas, a destacar alguém, destacaria o mister António Folha. Acho que foi o treinador com quem trabalhei mais tempo e foi com ele que conquistei o bicampeonato de juniores. Acreditou sempre muito em mim, vivemos momentos fortíssimos. Era um treinador que tinha a preocupação de passar uma mensagem também para o crescimento pessoal. Foi um ‘pai’ pela capacidade de nos transmitir os seus sentimentos mais básicos enquanto homem. Destacarei sempre o mister Folha por estas coisas todas.

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