Aos 37 anos, José Fonte é capitão do Lille, a equipa mais portuguesa da Liga francesa, prova que lidera à entrada para a 29.ª jornada. Presença habitual nas escolhas de Fernando Santos, o central também aguarda a convocatória para a jornada tripla de apuramento para o Mundial2022, na antecâmara do Campeonato da Europa.

À entrada para a fase final da temporada, o central dá uma entrevista ao Maisfutebol, na qual aborda a campanha de sucesso do Lille na Ligue 1, os próximos desafios da Seleção Nacional, e ainda as contas da Liga portuguesa.

 

Neste excerto o internacional português do Lille analisa a Liga portuguesa, com especial incidência na liderança do Sporting, clube no qual foi formado, e também no Sporting de Braga, onde joga o irmão Rui.

Tem acompanhado a Liga portuguesa? Está surpreendido com a campanha do Sporting?

Tenho acompanhado. Normalmente vejo os jogos do Sp. Braga, por causa do Rui (ndr. Fonte, o irmão). Vejo os do Sporting, porque sigo com interesse, e às vezes do FC Porto e do Benfica também. Falando tanto quanto falo com o meu irmão, e tendo em conta a relação que ele teve com o Ruben Amorim, quando foi treinado por ele, não fico surpreendido com este sucesso que está a ter no Sporting.

O que é que o Rui transmitiu dessa experiência com o Amorim?

É um treinador com ideias. Que acredita muito na ideia dele, na filosofia dele, e trabalha em função dele. Tudo o que faz é em função dessa ideia, dessa filosofia. E quando assim é, os resultados aparecem. Já no Braga os resultados foram espetaculares, e agora igual. Especialmente pelas oportunidades que dá aos jovens. Não tem qualquer medo de meter na fogueira. Isso é de louvar, de aplaudir, pois mostra confiança em todos. Quem merece, joga. Não me surpreende o sucesso que está a ter.

O título está entregue, ou há quem tenha ainda uma palavra a dizer? Nesse sentido, o Sp. Braga, do Rui, também está na luta?

No futebol tudo é possível. A verdade é que o Sporting está numa posição muito boa. Benfica e FC Porto têm algum trabalho pela frente, mas o Sporting e que pode perder este título. É tão simples quanto isso. Mas se continuar a fazer tudo como até aqui… quem tem esta atitude, este espírito de luta que a equipa do Sporting tem mostrado, vai longe no futebol. Mesmo não jogando bem, estás mais próximo de ganhar. Se o Sporting mantiver isso, em condições normais vai ser campeão, e com mérito.

O José estreou-se na Seleção poucas semanas antes do 31.º aniversário. O Rui tem sofrido algumas lesões graves, e neste momento recupera ainda da última, mas pode ter o percurso idêntico? A maturidade pode distingui-lo nos próximos anos, ao jeito do irmão, e o melhor estar ainda por chegar?

Tenho a certeza que, se há jogador que seria capaz, é o Rui. Pela mentalidade, pela força interior que já mostrou várias vezes. Se alguém consegue, é ele. Não é fácil voltar das lesões que ele teve e atingir o nível que ele apresentou no Sp. Braga antes de ir para o Fulham, por exemplo. Foi incrível. Depois estivemos juntos no Lille, e foi dos melhores períodos da minha carreira. Juntos, ajudámos o Lille a chegar à Liga dos Campeões. Foi espetacular. Ele já tinha sido meu colega no Crystal Palace, mas tinha então 18 anos, e eu estava sempre preocupado com ele. Às vezes até me desconcentrava do meu jogo. No Lille foi o oposto. Correu tudo bem, já tínhamos uma experiência grande, e aproveitámos mais o momento, e vivemos de forma positiva a circunstância de sermos colegas. O Rui vai voltar, e se há alguém que pode conseguir, mais uma vez, atingir algo que pouca gente espera, é ele. A qualidade já sabemos que ele tem. É só recuperar a forma física e a confiança total, que vai voltar a brilhar no Sp. Braga. Não tenho dúvida nenhuma.

Ainda pensa voltar a jogar com ele uma terceira vez? No Sp. Braga, por exemplo?

No futebol não há impossíveis, quem sabe... Mas de momento o foco é total no Lille, é no carinho que sinto pelo Lille e pelos seus adeptos. Tenho muito respeito por toda a gente aqui e sinto reciprocidade. Talvez o Rui volte a Lille, quem sabe, ou se proporcione noutro clube...o futebol é imprevisível nesse aspeto. Estou focado no meu trabalho até final da época, e depois, com a família, vou analisar. Já estou há dois anos e meio longe da família.

Nessa perspetiva o regresso a Portugal pode ser mais difícil?

Relativamente a Portugal talvez não seja, pois, se calhar, a minha esposa e os meus filhos iam também. Mas todas as decisões que tomar, terão de encaixar com a família.

Podemos comprar os projetos do Sp. Braga e do Sporting com o Lille? Isto tendo em conta a mistura entre juventude e jogadores mais experientes, e também por tentarem desafiar a hegemonia de outros clubes (o PSG, no caso do Lille, e o FC Porto e o Benfica, na realidade portuguesa). Estava até aqui a pensar que o Sporting tem um Gonçalo Inácio e depois o Coates, ou o Luís Neto. O Sp. Braga tem o Rolando e depois o David Carmo ou o Bruno Rodrigues. Faz sentido comparar?

Qualquer equipa beneficia ao juntar jogadores experientes, que já passaram por quase tudo no futebol, e depois a irreverência da juventude. Essa é a mescla perfeita, tem de existir, forçosamente.

Já falámos da condição física que apresenta aos 37 anos, e que faz com que esteja a caminho dos 40 jogos esta época. O José já falou várias vezes do valor do profissionalismo, mesmo fora do campo. Também achei curiosa uma declaração em que, apesar do lamento de estar longe da família, naturalmente, ter reconhecido que isso permite ter alguns cuidados com o corpo que, noutras circunstâncias, não seriam possíveis. Fale um bocado desses cuidados que tem…

É verdade que, não ter a minha família aqui em França, permite-me chegar a casa às 15h30 ou 16h, por exemplo. Chego à academia às 8h30, tomo o pequeno-almoço tranquilamente, sou dos primeiros a chegar ao posto médico para fazer a mobilização com o fisioterapeuta, para fazer aquilo que o meu corpo precisa naquele dia. Pode ser uma massagem, mobilização, ou trabalhar com o osteopata. Gosto de ir ao ginásio preparar-me para o treino, para depois não ser um choque a entrada no campo. Dou outro exemplo: quando temos uma semana completa de treinos, só com jogos ao fim de semana, gosto de fazer um treino de força, de potência, à terça-feira. Isso faz-me sentir melhor. Depois também vem um bocado do conhecimento que ganhas do corpo. Começas a perceber o que precisas. Depois do treino também gosto de descomprimir, de alongar, uma massagem, banho quente e frio. Isso permite- manter este nível. Não é fácil. É preciso muita dedicação, o sacrifício do lado familiar. Mas também sei que a minha esposa entende a importância disso. Claro que, se tens os miúdos em casa, e queres descansar, colocar as pernas ao alto, isso não vai acontecer. Nesse sentido é claro que é bom estar sozinho aqui em França, mas é muito difícil estar muito tempo sem a família. Isso também não é fácil do ponto de vista emocional e mental.

Esse profissionalismo que sempre mostrou também vem da influência do pai, Artur, que jogou no principal escalão do futebol português (ndr. Penafiel, Vitória de Setúbal e Belenenses)?

O meu pai fez 300 jogos na primeira divisão, fez uma carreira longa, e tive a sorte de contar com os conselhos dele. Mas também da minha mãe, que também jogou futebol e sempre me aconselhou muito. Tive a sorte de ter esse acompanhamento. Faziam quilómetros e quilómetros para estar comigo, mostraram sempre disponibilidade para dar aquela palavra que eu precisasse. Muito do meu sucesso vem dos meus pais, assim como da minha avó materna, Cecília, que a dada altura até me pagava a gasolina para eu ir treinar, quando vivia com ela. E depois chegou a ir viver comigo em Inglaterra, cozinhava para mim. Tive a sorte de ter uma família muito próxima, e isso foi fundamental.

 

 

Já disse que não tem nenhuma meta estabelecida para encerrar a carreira, que analisará ano a ano, mas assumir o papel de treinador é algo que já está nos planos para depois?

Não vou negar que é algo que já pensei. Gosto de passar a mensagem, de ver os jogadores a crescer, gosto do treino. Ser treinador passa sempre um pouco pela minha cabeça, mas não vou dizer que é a única coisa que me vejo fazer. Há outras coisas que aprecio, dentro do futebol..

Tais como?

Várias. Já recebi propostas de Inglaterra para ser “pundit”, comentador, analista. É algo que vejo com bons olhos também. Também aprendi muito ao lado do mister Luís Campos. É um trabalho difícil (ndr. diretor desportivo), muito desgastante, mas gostei de ver, gostei do conhecimento que ele me passou. Há várias coisas que me vejo a fazer, mas ainda estou focado no papel de jogador. Não vou negar que já estou a pensar no que vem a seguir, mas ainda tenho um ou dois anos pela frente, no mínimo, e é nisso que estou focado. Adoro jogar, e tenho muitos ex-jogadores que me dizem para aguentar até conseguir, pois eles sentem muitas saudades. Também gosto de aprender, e depois, com naturalidade, vou escolher aquilo que me fizer mais feliz.

Nos últimos tempos também tem utilizado as redes sociais para deixar algumas mensagens, sobretudo destinadas aos mais jovens. Não só no sentido de lutarem pelos sonhos, de trabalharem, mas também para investirem na formação, no conhecimento. Essa preocupação tem sido reforçada pela idade, ou por sentir que tem agora outra visibilidade, e que por isso essa mensagem terá outro efeito?

É a experiência que acumulas ao longo da vida. Acho importante, com a visibilidade que eu tenho, só faz sentido influenciar positivamente quem me segue, e sobretudo os mais jovens. A seguirem caminhos que fazem mais sentido do que outros. É isso que tenho tentado, e aproveito essa possibilidade de chegar a mais pessoas. Ainda hoje recebi uma mensagem de Inglaterra, pois houve mais um jogador abusado nas redes sociais. Tem de existir maior responsabilização por parte das empresas das redes sociais. Quando uma pessoa abre uma conta dessas, deve apresentar a identificação para ser responsabilizado. É inadmissível ver o abuso nas redes sociais, e não é só com jogadores de futebol, naturalmente. É inacreditável. Isto acontece em todo o mundo, acho eu. As pessoas escondem-se atrás dos perfis, de uma maneira que não deveria ser permitida. As autoridades deviam forçar as empresas das redes sociais a criar outras condições de segurança e de responsabilização. As pessoas não podem ficar impunes.

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