José Gomes teve esta época a primeira experiência como treinador principal na Liga e a meio da temporada trocou o Rio Ave pelo Reading. Aos 48 anos, o treinador diz-se preparado para assumir qualquer desafio e admite que quer chegar alto: «Tenho ambição de treinar um grande, de ser campeão em Portugal. E de estar num clube que me permita ganhar uma competição europeia.» E acredita que um dia vai acontecer.

Em entrevista ao Maisfutebol, o treinador português fala aqui sobre as suas influências, ele que começou como preparador físico, trabalhou no Benfica e esteve com Jesualdo Ferreira no FC Porto, no Panathinaikos e no Málaga, antes de iniciar uma carreira a solo que passou pelo Videoton, na Hungria, pelo Al-Taawon e pelo Al Ahli Jeddah, na Arábia Saudita, e ainda pelo Baniyas, nos Emirados Árabes Unidos. De António Jesus, o primeiro a abrir-lhe as portas do futebol profissional, a Jesualdo Ferreira, «um mestre». De Toni a José Antonio Camacho, passando por Álvaro Magalhães ou José Mota.

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Não teve uma carreira de primeira linha como jogador, começou a trabalhar no futebol como preparador físico. Sempre soube que queria ser treinador?

Sim. Quero fazer uma homenagem ao primeiro treinador com quem trabalhei no futebol profissional, o falecido António Jesus, que foi guarda-redes do V. Guimarães, do Desp. Chaves e ainda foi à Seleção numa altura em que o Bento era quase sempre titular. Recebeu-me muito bem. No Paços Ferreira, em 1995. Logo na primeira semana perguntou-me se eu queria ser treinador. Eu disse que sim. E ele olhou assim de lado… E eu disse: ‘Quero ser treinador principal mas eu só joguei na Distrital e na III Divisão. Sei que aquilo que se aprende na universidade não é suficiente para poder ser competente, portanto acho que vou ter de andar a aprender dez anos. E não quero passar por cima de ninguém, portanto pode ficar tranquilo…’ Depois criámos uma excelente relação. Ajudou-me muito, tive sempre um grande carinho por ele.

Já falou do Bobby Robson. E quais são de resto as suas referências como treinador, qual é o estilo e as figuras em que se inspira?

Nós somos sempre um produto das influências que vamos recebendo. Claro que há umas mais importantes que outras, mas todos os treinadores com quem trabalhei tiveram um impacto grande para mim. Porque eu fui sempre muito curioso e às vezes eventualmente até chato nas questões que colocava. Queria aprender e queria perceber. Há coisas que agarramos como sendo boas linhas de pensamento e há outras que deixamos de parte porque não é essa a nossa forma de ver. A nível de liderança e relação com os jogadores, o António Jesus foi muito importante. Até o Álvaro Magalhães, no fervor com que vive cada treino, teve também a sua influência. E o José Mota, que tinha sido meu jogador primeiro ainda nesse ano do Paços e que depois mais tarde me convidou para o ajudar na primeira vez que esteve na I Liga, pela seriedade, a honestidade enquanto pessoa. E o Toni do Benfica, pela forma sincera como aborda as questões, sem receio de ser julgado por ter dito alguma coisa contra o clube que representa. E uma visão muito clara de como se poderá melhorar o jogo e a nossa qualidade de jogo. Outra influência, pela liderança e pela relação com os jogadores, foi o José Antonio Camacho. Gostei muito de trabalhar com ele. Até hoje ficou uma relação com ele e com o adjunto de sempre, o Pepe Carcelén. Com o Camacho o que era branco era branco para o jornalista, para o jogador, para o presidente. A seguir não era preto, ou não era cinzento que até dava para os dois lados. Era o que era, para o bem e para o mal. Não é só no futebol que ele é assim, é assim na vida. Essa forma de estar foi também muito marcante para mim. Depois, relativamente àquilo que é o nosso trabalho diário, de ajudar o jogador a crescer e fazer com que esteja mais próximo de interpretar as nossas ideias de jogo, foi decididamente o professor Jesualdo Ferreira. Eu já tinha trabalhado com ele no Benfica. E mais tarde convidou-me para trabalhar com ele no FC Porto e acompanhei-o depois no Málaga e no Panathinaikos. O Jesualdo é um mestre na escolha das melhores propostas para os jogadores para que eles possam perceber melhor o jogo e no dia do jogo possam interpretar as nossas ideias. É um senhor do futebol, é um grande mestre. E depois há influências indiretas, por exemplo do Phil Jackson e das relações que ele conseguia de forma equilibrada no basquetebol, ao mais alto nível lidar com os diferentes egos, com inúmeras estrelas. A forma como ele conseguia tirar o máximo rendimento, colocar essa luz das estrelas ao serviço da equipa. Vamos sempre aprendendo.

Já sente que é um treinador completo e preparado para assumir qualquer desafio?

Nós vamo-nos preparando cada vez mais para podermos aprender mais. Não termina, vamos estar sempre incompletos. Seria uma veleidade se neste momento o Klopp ou o Guardiola ou qualquer treinador das melhores equipas do mundo disser que está completo. Há sempre tanta coisa para aprender.

Mas sente-se preparado para qualquer desafio?

Em Portugal trabalhei em todas as divisões. Como adjunto e como treinador principal, mas trabalhei em todas as divisões. Depois fui para Espanha, Grécia. Sozinho estive na Hungria, na Arábia Saudita e nos Emirados. Culturas diferentes, países diferentes, problemas diferentes. Depois regressei com estas duas entradas em dois clubes. Com características diferentes, mas as duas difíceis. E sinto-me preparado. O que aconteceu este ano é de uma dificuldade enorme. Quando cheguei ao Reading não havia esperança dos adeptos, da imprensa local, não havia esperança dentro do clube. Os jogadores já estavam numa queda brutal de esperança, muitos a quererem sair já em janeiro. E agarrar naquilo tudo, não deixar fugir, reconstruir tudo como uma família, pôr toda a gente no clube a trabalhar, jornalistas a começarem a dizer bem, ao ponto de dobrarmos o número de espectadores no estádio, foi uma coisa dificílima. Não quer dizer que amanhã, a trabalhar da mesma forma, com a mesma paixão, vá dar certo. Mas eu sinto-me preparado, naquilo que são as funções de treinador. Sendo que em Inglaterra é um bocado mais abrangente, aquilo a que chamam manager tem competências mais alargadas. Mas de forma nenhuma digo que não posso aprender mais nada.

A sua ambição é treinar um grande em Portugal, treinar um grande na Europa? Tem um objetivo definido?

Tenho ambição de treinar um grande, sim, de ser campeão em Portugal. E de estar num clube que me permita ganhar uma competição europeia.

Acredita que isso vai acontecer um dia?

Acredito. Acredito, sim.

Em Inglaterra foi noticiado pela Skysports o interesse de um clube da Premier League no José Gomes. Isso tem algum fundamento?

Eu vi, enviaram-me a notícia. Oficialmente não houve nenhuma abordagem. Mas se houvesse teriam de falar com as pessoas do Reading e as pessoas do Reading estarem de acordo. Se não estivessem, independentemente do nome do clube, mesmo sendo da Premier League, não abandonaria o Reading se não fossem eles a dizer: ‘Se for bom para ti vai, porque para nós já chegámos a acordo.’ Da mesma forma que quando houve a abordagem do Reading eu de imediato falei com o presidente do Rio Ave e lhe disse que se me dissesse que não a resposta seria não. Não tem a ver com dinheiro. É assim que eu estou na vida. Seria uma ingratidão da minha parte não reconhecer a oportunidade que me foi dada. Agora estou concentrado na formação do plantel do Reading, que neste momento é complicada devido ao embargo. Espero que resolvam dentro de uma semana, dez dias, para poder construir um plantel que me permita lutar por coisas maiores. É esse o sonho também do dono do Reading, chegar à Premier League.

O dono do Reading será um daqueles 20 que daqui a umas semanas falará em subir?

O dono não sei. Mas se resolverem atempadamente a questão do fair play e as coisas ficarem resolvidas ao ponto de nós podermos preparar o nosso plantel de forma a podermos lutar por esses lugares, até eu próprio o farei. Neste momento não podemos falar nisso porque eu não posso contratar ninguém. Só um jogador livre e que pague para treinar… Não posso ir buscar nenhum, nem por empréstimo. 

Para já não pensa no regresso a Portugal?

No futebol nunca se sabe. Mas a verdade é que estou feliz e sinto que as pessoas reconhecem a nossa competência. Portanto acho que tem tudo para, a continuar, dar certo. Mas no futebol tudo pode acontecer e aparecerem coisas irrecusáveis para o Reading, em primeiro lugar. Porque será essa a condição para acontecer seja o que for.