António Folha está longe do banco de suplentes há um ano. Saiu do Portimonense a 18 de janeiro de 2020 e sente «saudade da adrenalina». O treinador completa 50 anos em maio e espera estar de volta ao ativo muito antes disso.

O antigo internacional português, campeão do mundo de sub20 em 1989 e seis vezes campeão nacional no FC Porto, desenhou em Portimão uma equipa com marca registada, um desenho de autor. Em 2018/19 fez um campeonato excelente, cheio de golos e exibições vistosas, mas as muitas entradas e saídas não lhe permitiram manter o nível no ano seguinte. 

Na primeira grande entrevista após a saída de Portimão, António Folha dá uma verdadeira lição de «pensar o futebol» no Maisfutebol. Para ler, reter e esperar que o técnico possa voltar a colocar em prática estas ideias. Atraentes, muito atraentes.

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Maisfutebol – Saiu do Portimonense a 18 de janeiro de 2020, há um ano. O que tem feito nestes últimos 12 meses?
António Folha – Tenho visto o máximo de futebol possível, é essa a minha vida. Infelizmente não podemos ir aos estádios, mas procuro absorver muita informação através da televisão. Esta é a forma possível de trabalhar. Quero ter essa informação e transformá-la em conhecimento. Nesta altura não é possível fazer mais. Beber muita informação e estar preparado para quando um convite bom aparecer.

MF – Tem saudades da adrenalina do banco de suplentes?
AF – Claro, muitas saudades. Sou apaixonado pela minha profissão e há saudades. Mas também estou tranquilo, porque mais importante do que o telefone tocar é estar preparado para quando ele tocar. Essa é a minha filosofia. Todos os dias leio e vejo futebol, invisto na minha evolução e idealizo momentos que cabem na minha forma de pensar e jogar. Estou sereno, o regresso ao futebol acontecerá naturalmente.

MF – O seu Portimonense tinha uma marca registada muito forte, era uma equipa de autor. Mantém essas ideias ou alterou a forma de olhar o futebol nos últimos meses?
AF – Mantenho-as. Se olharem para as minhas equipas na formação do FC Porto e para o meu Portimonense, acho que percebem que há ali conteúdo. Identidade, filosofia. Eu quero isso para as minhas equipas. Quanto mais qualidade houver, mais se acentua essa filosofia. As minhas equipas terão sempre essa filosofia de base.

MF – O Portimonense do António Folha era uma equipa descomplexada. Quais foram os jogos em que esteve mais perto da perfeição?
AF – Fizemos grandes exibições. Mostrámos que era possível jogar e mandar no jogo em qualquer lado, mesmo não ganhando sempre. Na Luz fizemos uma grande exibição [5-1, com o Benfica a marcar três golos perto do fim], tivemos muita bola, vários remates e no final não levámos pontos. O importante é trabalhar de uma forma que nos permita jogar em qualquer campo, contra qualquer adversário. Quando uma equipa treina para jogar e ganhar, mesmo não ganhando sempre, estará mais perto do sucesso. Não faz sentido treinar sem ser para jogar e ganhar em qualquer campo. Podemos não ganhar, por diversas razões, e até por termos menos qualidade, mas a filosofia que defendo potencia equipas e atletas. Até no aspeto tático, técnico e psicológico. Acredito muito nisto. Esse jogo da Luz foi bom, mas o mais rico que tive no Portimonense foi num 1-1 contra o Sp. Braga, no Algarve [10 de janeiro de 2019]. Foi terrível a forma como os treinadores tentaram mudar durante o jogo (risos). O Abel a mudar e a criar-me problemas, eu a mudar para tentar surpreendê-lo, foi um jogo desgastante. Era em nossa casa, queríamos muito ganhar e o Abel tinha uma equipa excelente. Fizemos também bons jogos contra os outros grandes.

MF – Não acredita no baixar do bloco e sair em transições rápidas?
AF – Não. Pode dar resultado? Pode. Mas os grandes – ou uma equipa superior – sentem-se muito confortáveis a jogar contra equipas assim. E a qualquer momento estão perto da nossa baliza e fazem a diferença na qualidade. É por isso que defendo a filosofia de tentar sempre ter bola, para que eles sintam desconforto. Quero que eles pressionem e sintam que não o estão a fazer bem, para que a minha equipa também tenha qualidade e saia desses momentos de pressão. É isso que coloca o adversário mais em sentido, mais desconfiado. A desconfiança pode criar um grande ponto a nosso favor. Em Portimão, na minha primeira época, tivemos grandes resultados em casa contra as melhores equipas [vitórias sobre Sporting e Benfica, empate contra o Sp. Braga], precisamente por termos jogado sempre olhos nos olhos. Quis que os nossos jogadores mostrassem a qualidade que têm. Se a nossa filosofia de treino é ter bola, não faz qualquer sentido alterá-la para dois ou três jogos e fazer alguma coisa que não tem nada a ver connosco.

MF – A filosofia é mais importante do que o 4x4x2 ou o 3x4x3?
AF – Claramente. O sistema existe, mas para mim o que conta é a dinâmica e a ideia. As dinâmicas vão garantir-nos o sucesso e têm de ser muito bem trabalhadas. Como treinador, valorizo muito os movimentos. Perceber onde podemos criar espaço e ferir o adversário, seja em saída a três ou em dois mais dois. Ou a projetar o lateral. Os meus treinos são montados nesse sentido: dar possibilidade de decisão a quem tem bola e liberdade a quem faz o movimento.

MF – Para isso é importante ter um guarda-redes e defesas tecnicamente habilitados?
AF – Sim, mas há alternativas. Podemos construir de outras formas. Se os centrais não têm esse conforto com bola, os médios podem assumir a primeira fase. Mais por dentro ou mais por fora. A minha obrigação é analisar as características dos meus jogadores e perceber se conseguem fazer determinada ação.

MF – O que mudou no seu Portimonense de um ano para o outro, sabendo que os resultados pioraram?
AF – Quando cheguei no verão de 2018 havia muita qualidade no plantel, apesar das saídas do Ewerton, do Paulinho e do Fabrício. O Nakajima estava lá, por exemplo, havia matéria-prima para jogar bem. Começámos a jogar com uma linha de três atrás porque sentimos algum défice no nosso meio-campo. Umas semanas depois, com os regressos do Paulinho e do Ewerton, tivemos de mudar e voltar a ter mais gente no meio-campo. Não havia necessidade de manter os três atrás. Tínhamos excelentes executantes e o primeiro ano foi magnífico. O que mudou no segundo? Perdemos muita gente importante e tivemos mais dificuldades. Mesmo o Jackson Martinez, mantendo aquele espírito extraordinário, baixou bastante. No segundo ano ele melhorava um dia, piorava a seguir. O sacrifício dele era comovente. Tentámos reforçar bem o plantel, veio gente com nível, mas que precisava de tempo para se adaptar e essa adaptação não foi tão rápida. Aliado a isso, o calendário não ajudou. Apanhámos logo os grandes no início em casa. Isso tornou mais difícil conquistar pontos em Portimão. Sentíamos que na segunda volta isso jogaria a nosso favor, mas saímos antes disso. A equipa não estava com a qualidade do ano anterior, é verdade.

MF – Parte do projeto passava também por projetar e vender atletas. Já mencionou Paulinho, Nakajima e Ewerton, mas depois também Manafá, Tormena e Tabata.
AF – Eu tinha consciência disso. Dizia várias vezes que havia dentro de mim um conflito muito grande. A evolução da equipa e os bons resultados permitiram fazer excelentes negócios, mas o treinador gosta de ganhar e chegar mais longe. Em dezembro estávamos perto da Europa, a equipa jogava tranquila e desinibida, sem se preocupar muito com o que poderia acontecer, mas perdemos logo ali muita gente. E ficou difícil. Mesmo assim fizemos 39 pontos [11º lugar], vendemos atletas e o primeiro ano foi excelente. Não foi assim no segundo.

MF – O que projeta o António Folha para a sua carreira em 2021? Dá preferência a Portugal?
AF – Tive um ou outro convite de fora, mas achei que não era o momento. Acho que o meu futuro passa por aqui, por mostrar aquilo que tenho mostrado em Portugal. Essa é a minha ideia. O tempo vai passando, não podemos fechar portas. Tenho de dar continuidade ao meu trabalho, seja aqui ou lá fora. Gosto muito do que faço. Já passou um ano desde a saída do Portimonense. Recusei algumas abordagens porque achei que não era nem o momento, nem o projeto para mim.

MF – É verdade que não gosta de dar entrevistas?
AF – Não gosto muito, prefiro estar mais no meu canto e que falem mais de mim por aquilo que faço. Mas entendo que faz parte do meu trabalho. Sei que é importante comunicar bem. Quem não fala, acaba por ser esquecido. É assim, é o que acontece. Quando falo, procuro fazê-lo de forma transparente, sem inibições. ‘As pessoas só vêem aquilo que sabem’, digo isso muitas vezes. Os olhos só conseguem ver o que compreendem. Genuíno? Tento ser. Preparo-me, mas não tenho um caderno para ver o que devo dizer. Faço-o com muita naturalidade, gosto pouco de encenações.