O treino acabou e Carlos Mané chega de sorriso aberto à entrevista com o Maisfutebol. Percebe-se rapidamente que está de bem com a vida em Vila do Conde. Uma vida sem dores, recuperado que está de duas lesões gravíssimas. Duas lesões que quase lhe roubaram a carreira. 

Mané, como é tratado por todos nos Arcos, fala desse período negro, mas sem nunca largar o sorriso. É um menino bom, um menino de 25 anos e já chefe de família. Tem duas filhas e a esposa consigo no Norte do país e está apaixonado pelo conforto do lar. 

Nesta conversa dividida em três partes, Carlos Mané fala aqui sobre os dois gravíssimos problemas físicos sofridos na Alemanha, dos ídolos de infância e da forma como chegou ao Sporting, ainda com sete anos. Um extremo de coração cheio.   


PARTE I: «Sofri muito, mas já jogo sem dores e estou feliz no Rio Ave»

PARTE III: «Fui jogar Football Manager e salvei-me de 15 tiros»

Carlos Mané antes de um jogo nos infantis do Sporting


MF – Na época 2017/18 não fez nenhum jogo oficial, por culpa das lesões. Pensou desistir de tudo e abandonar o futebol?

CM – Não, nunca pensei nisso. Só me concentrei na recuperação. Claro que não foi fácil, principalmente com a segunda lesão. Recuperei de um grave problema no joelho e tive depois de parar mais cinco meses com a rotura de um tendão na coxa. Não é fácil recuperar o meu nível depois disso, mas acho que estou a consegui-lo aqui no Rio Ave. Sinto-me cada vez melhor.

MF  - Quando sofreu a lesão no joelho percebeu logo que era grave?

CM – Senti uma dor no joelho, mas nada muito forte. Pensei que seria uma coisa normal, nunca antes tinha passado por algo parecido. Depois fui percebendo que era grave, de facto. Fiquei triste, tive de lutar muito e recuperei.

MF – Como é que um futebolista controla a cabeça e o coração quando está a recuperar de uma lesão grave?

CM – É muito difícil. Temos de ter o apoio da família, isso é fundamental. Quando treinamos e jogamos, se calhar não estamos o tempo suficiente com essas pessoas. Só percebemos o quanto precisamos delas nos momentos menos bons. Eles fazem-nos sentir que o futuro vai ser melhor.

MF – Na infância tinha ídolos?

CM – No Sporting, por exemplo, adorava o Pedro Barbosa e depois o Figo, o Nani, Miguel Veloso, o Yannick Djaló, o Liedson. Mas o ídolo de hoje é o Cristiano Ronaldo.

MF – Como surge o Sporting na vida do Carlos Mané?

CM- Sempre adorei futebol e um tio meu, benfiquista por acaso, quis levar-me a um clube. Eu já gostava do Sporting e pedi-lhe para me levar lá. Levou-me a Pina Manique, o campo do Casa Pia, e só ficaram duas crianças. Eu e mais um colega meu. Foi assim que entrei no Sporting. Foi o meu tio benfiquista que me levou para o Sporting.

Mané esteve 18 anos ligado ao Sporting

MF – Nas camadas jovens do Sporting quem foram os seus melhores amigos?

CM – Tive muitos bons amigos, felizmente. Bruno Mendonça, Rúben Semedo, Bruma, Farley Rosa, Antoninho, Tobias Figueiredo, Filipe Chaby, Rúben Marques, Eric Dier, Nuno Malheiro, muitos, muitos. Desejo a todos eles muita sorte.

MF – Falou do Rúben Semedo, que também esteve aqui no Rio Ave. Falou com ele antes de decidir vir para Vila do Conde?

CM – Falei e o Rúben disse-me muito bem do clube. Foi importante ter falado com ele, para saber mais do Rio Ave e sentir que estava a decidir bem. Tenho confirmado tudo aquilo que o Rúben me contou. O Rio Ave está cada vez maior.

MF – A formação do Sporting tem história e nomes fortes. Sentia que havia pressão para a descoberta de mais Ronaldos e Figos, até por ser extremo?

CM – O Sporting tem uma boa Academia e há sempre bons jogadores. Vai continuar a lançar bons jogadores, mas nunca senti essa pressão sobre mim.

MF – Jardim, Marco Silva, Jesus, Peseiro e Keizer: com quem gostou mais de trabalhar?

CM – Gostei de trabalhar com todos. O primeiro é sempre especial (risos) e o Jardim foi especial para mim. O Marco é um grande treinador, está a demonstrar isso em Inglaterra. O Jorge Jesus também é um técnico fantástico, apesar de não me ter dado muitas oportunidades. Mas aprendi muito com ele. O mister Peseiro começou bem, mas a mudança de direção não foi boa para ele. O mister Keizer ganhou duas taças no Sporting e ainda joguei algumas vezes com ele.

MF – A melhor época foi com o Marco Silva?

CM – Sim, fiz mais de 40 jogos. Foi pena ele ter saído do Sporting no final da época. Quero fazer épocas dessas aqui no Rio Ave, a jogar e a fazer golos e assistências. Na minha posição isso é muito importante.

MF – Ganhou duas Taças de Portugal, uma Supertaça e uma Taça da Liga em Alvalade. Como é possível o Sporting estar há tantos anos sem vencer o campeonato?

CM - O Sporting é um bom clube e esteve muito perto de ser campeão com o Jesus. Nessa época [2015/16] faltou-nos sorte.

MF – Quando é que sentiu que estava a perder espaço no Sporting?

CM – No início da época 2015/16, quando chegou o mister Jesus. Fiz uma boa exibição na fase inicial do campeonato com um golo, uma assistência e um penálti sofrido [em Coimbra, 30 de agosto de 2015] e na jornada seguinte fui outra vez para o banco. Isso marcou-me um bocadinho negativamente.

MF – Começou a sentir que precisava de outro palco?

CM – Sim, no final dessa época pensei em sair para outra equipa. Queria jogar mais e apareceu o Estugarda. Comecei muito bem lá, nunca me tinha sentido tão bem fisicamente, mas depois surgiu a primeira lesão grave.

MF – Gostou de jogar na Alemanha?

CM – Gostei, principalmente no Estugarda. Há mais público no estádio, o clima é diferente, as pessoas também, mas gostei. Dentro do campo é igual em todo o lado. No Estugarda senti-me melhor, os adeptos gostavam de mim, foi bom. No Union Berlim tinha acabado de voltar de lesão e não me senti bem, as coisas não correram como eu queria.

MF – Além dos problemas físicos, que dificuldades encontrou ao viver na Alemanha?

CM – O que mais me custou foi aprender alemão (risos). Tive aulas, tentei aprender e hoje já me desenrasco. Foi bom também por isso, é uma ferramenta importante.

MF – Em 2016 teve o privilégio de estar nos Jogos Olímpicos. Experiência marcante?

CM – Foi um momento único. Estar nas Olimpíadas a representar Portugal foi um sonho.

MF – Desfilou no Maracanã?

CM – Infelizmente não (risos). Chegámos ao Brasil já depois do desfile de abertura.

MF – Na Aldeia Olímpica conheceu outros atletas famosos?

CM – Sim, tirei fotos com o Usain Bolt, por exemplo. Foi fantástico conhecê-lo.