Daniel Ramos tem 50 anos e duas décadas como treinador de futebol. Em outubro celebra, de resto, os 20 anos de carreira. O que poucos sabem, é que o técnico do Santa Clara - um dos melhores do nosso campeonato - foi um avançado muito interessante, formado no Rio Ave e que chegou a jogar na II Liga pelo Beira-Mar. 

Nascido em Árvore, Vila do Conde, Daniel começou a jogar no clube da freguesia e aos 13 anos já alinhava pelos seniores! Esta e outras revelações para ler na grande entrevista ao Maisfutebol. 

PARTE II: «Não me vou enganar, o Morita tem um futuro brilhante»

PARTE III: «Não é por ganhar uns jogos que vamos beber duas cervejas»

PARTE I: «Vivo obcecado por ser melhor treinador de futebol»

Maisfutebol – Nasceu em Vila do Conde e o seu pai teve uma ligação muito forte ao Rio Ave. O futebol esteve sempre em sua casa.
Daniel Ramos – O meu pai foi atleta, dirigente nas camadas jovens, chefe de departamento de futebol e presidente do Rio Ave.

MF – Que memórias tem da sua infância em Vila do Conde?
DR – Muitas e boas. Sou de uma freguesia chamada Árvore. Comecei muito pequeno a jogar nesse clube. Não havia vários escalões e comecei a jogar nos seniores com 13 anos. Ia aos treinos, desafiaram-me e comecei a jogar pelos seniores. Foi nessa altura que me convidaram a fazer captações nos iniciados do Rio Ave. Cheguei com 14 anos ao clube. Levei pitons de alumínio para o pelado, dei cabo dos pés todos (risos). Gostaram de mim e fiquei.

MF – Chegou a jogar nos seniores do Rio Ave?
DR – Sim, ainda fiz duas épocas nos seniores. Subi à II Liga com o mister Mário Reis. Depois, um bocadinho fruto do que era o quadro familiar, decidi sair. O meu pai era dirigente e já sabemos como era. ‘É o filho do sr. Ramos que está a jogar’. Para me defender, achei que era melhor sair. Aos 27 anos tive uma lesão grave e abandonei o futebol. Já não era famoso, com a lesão ainda pior (risos). Ainda joguei na II Liga pelo Beira-Mar. Fui transferido do Senhora da Hora, na III Divisão Nacional, para o Beira-Mar em 1995. Aos 27 voltei aos estudos. Tinha apenas o 12º ano de escolaridade e entrei com 27 anos na universidade. Formei-me em Gestão de Desporto e voltei ao futebol. Primeiro fui diretor-desportivo no Vilanovense, diretor e adjunto.

MF – Diretor-desportivo e adjunto do treinador?
DR – Precisamente. Fazia dois em um. Fui desafiado pelo Nelson Almeida, que era o presidente. Quando entrei na universidade ele convidou-me para ser o diretor-desportivo do Vilanovense. Eu pedi dois dias para pensar e fiz-lhe uma contra-proposta: ‘se não me tirares do campo, faço isso por ti’. Falámos com o treinador Edmundo Duarte e ele aceitou. Passei a ser diretor e um dos adjuntos dele. Não estava preparado para deixar o campo. Passei a ser o segundo adjunto, a minha paixão veio ao de cima. E o mister Edmundo confiava muito em mim, passei a ser importante até na dinâmica do treino. Subimos o Vilanovense à II Divisão B. Uns anos mais tarde, em 2001, passei de adjunto a treinador principal.

MF – Se é de Vila do Conde, certamente tem uma forte ligação ao mar. Tem alguma história forte em relação a isso?
DR – O mar fez sempre parte da minha vida. Aliás, sempre que possível os clubes que escolho têm o mar ali ao lado. Dá-me tranquilidade. Por vezes estamos a mil em casa e preciso de respirar. Para onde vou? Para o mar. É o meu refúgio. O meu apartamento fica mesmo em frente ao mar e o barulho das ondas é único. É um bem-estar incrível. As minhas férias eram passadas nas Caxinas. A família Gamboa, a família do Paulinho Santos, os Maravalhas, apanhei essa malta toda. Mar, praia, bicicleta, jogos de cartas. Muitos verões foram passados assim. Jogávamos um jogo que se chamava ‘bisca dos seis’. São três contra três, falamos muito. Apanhei escaldões à custa disso (risos). Saíamos de lá, bebíamos um fininho na esplanada e saíamos às oito da praia. Eram dias de grande felicidade.

MF – Já nos falou do ringue de boxe em Moreira de Cónegos e da música da Champions na Trofa. Há alguma história que consiga juntar a esta lista?
DR – Há uma boa no Ribeirão. Estávamos a tentar subir à II Liga e o jogo de domingo era contra o Vizela, que tinha uma equipa forte. Ribeirão-Vizela. Fomos treinar a um campo sintético e chovia, chovia, chovia e não parava. Abrigámo-nos num dos bancos de suplentes, a ver se aquilo abrandava. Mas nada. ‘Mister, não treinarmos hoje é o melhor treino’, gritavam os jogadores (risos). Eu lá lhes disse que tínhamos de treinar, que tínhamos de ganhar ao Vizela. Mas chovia mesmo muito. Abrandou um bocado e lá fomos nós. ‘Tem de ser, tem de ser’. No início da corrida, meio a brincar, lá lhes disse: ‘se me garantirem que ganhamos no domingo, vamos todos embora’.

MF – E a reação dos atletas?
DR – Começaram a correr, deram a primeira volta e ficaram com aquilo na cabeça. Eu estava a falar com os meus adjuntos e quando olhámos já não estava ninguém no campo (risos). Já estava tudo dentro do autocarro. ‘Mister, não disse que se ganhássemos no domingo podíamos vir embora? Está feito, mister!’

MF – Como ficou no domingo?
DR – 3-0 para o Ribeirão. Nem tive de dar a palestra.