Aos 47 anos e com duas temporadas de muito bom nível no Santa Clara, João Henriques é um dos treinadores do momento em Portugal. Nascido em Tomar, o técnico esteve mais de 20 anos à espera de uma oportunidade no principal escalão português. Agora, confessa em entrevista ao Maisfutebol, sente-se «preparado» para tudo o que a carreira lhe der, incluindo um trabalho num dos maiores emblemas do futebol nacional.

Há mais de um mês com o Santa Clara na Cidade do Futebol, João Henriques reflete sobre o percurso que o levou até ao Leixões e, mais tarde, ao Paços de Ferreira e a Ponta Delgada. Bom comunicador, muito seguro do que pensa e diz, João Henriques recorda ainda a passagem de dois anos pelo Médio Oriente e o que essa experiência mudou em si. 

PARTE II: «Fomos à Luz como se estivéssemos a jogar em casa»

PARTE III: «Vou comer um peixinho e decidir o meu futuro»

PARTE IV: «O médico tirou-me o melhor jogador por ele ser baixo»


Maisfutebol - Chegou à I Liga em 2017, mas nessa altura já tinha mais de 20 anos de carreira.
João Henriques - Foi um percurso longo e às vezes aparecia aquela bandeira que simboliza o desistir. Senti muitas vezes estar a lutar contra moinhos de vento. Não há o nome de ser ex-futebolista, era mais um no mundo do futebol a lutar para ter sucesso. Por muito que vencesse campeonatos distritais ou fizesse bons trabalhos na III Divisão, havia ali uma barreira que não me deixava saltar para o futebol profissional. Nunca tive ajuda de agentes. Tive de ir inserido num projeto do Sporting para o estrangeiro [2012, Arábia Saudita] para ter uma oportunidade no futebol profissional. Depois dei um passo atrás ao aceitar assumir o Fátima numa liga distrital, para depois voltar aos Nacionais, subimos de divisão – só com dois empates e o resto vitórias. E só tive a oportunidade de entrar na II Liga quando o Daniel Kenedy me pediu ajuda e me deu a mão para eu entrar no Leixões. Isto na época 2017/18. Na primeira abordagem disse que isso era impossível, já não me via como adjunto, mas acabei por aceitar. Infelizmente, por um problema pessoal, o Kenedy saiu e eu fiquei. Não queria confusões, não queria que pensassem que era uma facada, mas o Kenedy obrigou-me a ficar e o presidente do Leixões deu-me a oportunidade que nunca tivera nos 18 anos anteriores. A partir daí as coisas foram correndo bem, apesar daqueles quatro meses no Paços, porque nunca tinha descido de divisão, nunca tinha convivido com o insucesso. A equipa melhorou, fez bons jogos, mas o resultado final é o que interessa. Foi um percurso difícil.

O João Henriques e o Leixões foram muito elogiados depois de um empate no Dragão.
Essa é a parte mais mediática do trabalho. Foi esse jogo que me ajudou a chegar à Liga. A equipa estava no segundo lugar da II Liga quando saí, tínhamos um percurso bom, qualidade de jogo, mas só nesse jogo é que isso foi visto. Mesmo com a descida do Paços, os dirigentes do Santa Clara conseguiram ver o conteúdo. Curiosamente, nesse ano desceram o Ivo Vieira [Estoril] e João Henriques [Paços], treinadores que no ano a seguir são os treinadores-sensação na Liga, com o Moreirense a fazer um ano extraordinário e o Santa Clara a passar de patinho feio a equipa forte. Isso levou-me a acreditar mais no futebol. Há muitos treinadores de qualidade no Campeonato de Portugal. O treinador não é só aquilo que se vê ao final de semana. É a sua capacidade de comunicação, a sua capacidade de gestão, a capacidade de potenciar jogadores, tudo isso faz parte do que é um treinador. O meu percurso foi demorado, a pulso, e agora está a ser mais visível. Estou preparado para mostrar o que estou a mostrar neste momento.

É um treinador de convicções e ideias fortes ou um treinador que gosta de se adaptar ao plantel que tem?
Um misto, até porque me fui transformando um bocadinho, como homem e treinador. Quando era mais novo era muito impulsivo. Não era equilibrado como sou agora. A inteligência emocional foi trabalhada. No início era mais emoção do que razão e aquilo espoletava em grandes confusões (risos). A emoção tolda-nos a razão e o discernimento, sim. Passo a imagem de um homem calmo, mas não é assim e quem lida comigo sabe isso. Está sempre aqui um vulcão em erupção e a lava de vez em quando sai. Poucas vezes, porque me controlo. Temos de passar tranquilidade ao grupo de trabalho, gosto de fazer isso até para eles sentirem que sabemos o que estamos a fazer. Mas os jogadores já me viram virado do outro lado. Agora, isso não acontece todos os dias. O futebol tem de ter emoção, eu tenho convicções fortes sobre o que deve ser um jogo de futebol, mas também sei adaptar-me e isso acontece pelo que passei na Arábia Saudita.

Foi um desafio difícil?
No início não me consegui adaptar, mas moldei-me ao que via diariamente. Situações completamente fora do que imaginava. Já vimos muitos treinadores nessas zonas do planeta a ter confusões porque foram pouco maleáveis. Eu percebi que as coisas lá não podiam ser como eu queria. Isso foi uma lição que me permite aceitar que treinar o Sp. Braga não é a mesma coisa do que treinar o Vitória ou o Sporting e que treinar o FC Porto não é igual a treinar o Benfica. Os contextos são diferentes, apesar de mantermos as nossas convicções.

Está preparado para lidar com a pressão de ser treinador de um dos três grandes?
A pressão é o que me alimenta. Vim-me embora dos EAU porque não há pressão. Perder ou ganhar é igual. Dos sítios onde mais gostei de trabalhar foi no Leixões porque os adeptos são muito exigentes. Essa pressão é o que me alimenta. Não posso dizer que estou preparadíssimo e que vou chegar lá e ser o melhor do mundo, mas sinto que lido muito bem com a pressão. É por isso que estou cada vez mais focado. A pressão é fundamental nos grandes ou nas equipas que lutam pela Europa. E eu sinto-me como peixe na água nisso.

Nem sempre é fácil falar à comunicação social. Principalmente depois de um mau resultado.
Sempre tive alguma facilidade em comunicar, até por ter sido professor, ter dado formações e ter sido presidente de um clube. Fui aprendendo a lidar com os jornalistas. Às vezes temos de nos controlar um bocadinho. ‘Ei, que pergunta mais estúpida’ (risos). Tento dar a volta ao texto, às vezes com menos paciência. Temos de ser equilibrados e não permitir que emoção ultrapasse a razão. Tenho de melhorar todos os dias, mas sinto-me à vontade nessa parte da comunicação.