O menino que um dia foi lançado por Graeme Souness num Benfica-Rio Ave em 1999 já tem 40 anos e é um dos melhores treinadores do futebol nacional. Pepa colocou o seu sensacional Paços de Ferreira no quinto lugar da Liga e destaca-se pelas frases fortes e pela identidade competitiva que confere à equipa.

A esta distância, custa imaginar que Pepa já foi um jovem instável e que aos 27 anos teve de abandonar a carreira de futebolista profissional, devido a constantes lesões e cirurgias. Quando o fez, o saldo bancário estava a zeros, como confessa nesta longa entrevista ao Maisfutebol. Pai de quatro meninas e já avô, Pepa revela-se um homem completamente dedicado ao trabalho e à família. 

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Maisfutebol – Aos 40 anos, o Pepa sente-se preparado para qualquer desafio?
Pepa – Eu tenho tido a sorte de ter oportunidades. Admito a sorte nas oportunidades que tenho. Há muitos treinadores melhores do que eu nas camadas jovens e nos distritais e nunca tiveram oportunidades. Mas comecei mesmo por baixo. Quando tive a oportunidade de trabalhar o Taboeira fiquei todo contente. Subimos de divisão e depois tive a oportunidade de treinar a Sanjoanense. E também subimos de divisão. E depois tive uma sorte tremenda de treinar o Feirense e também subimos de divisão. As oportunidades não vão chegar para todos, mas temos de estar preparados para elas, caso elas surjam. Tive um diretor no Taboeira que me dizia isto: ‘Não precisas de ser tão meticuloso, isto é dar coletes e pô-los a jogar’. E eu dizia-lhe que não era assim e que eu tinha de estar pronto para o próximo desafio. De outra forma, o desafio aparece e eu patino. O processo e a competência têm de estar lá. A personalidade, a verticalidade. Sinto-me preparado? Sinto-me sim senhor.

 

MF – Mesmo sabendo que a pressão mediática é muito mais pesada?
P - Há pressão no Porto, Benfica, Braga, V. Guimarães e Sporting? O meu oxigénio competitivo é essa adrenalina, nem gosto de lhe chamar pressão. É desgastante? Sim, mas gosto tanto disto que não me faz mossa. Eu vim mesmo lá do fundo, já passei por muita coisa. Pressão é o que estamos a passar agora em Portugal. É ver hospitais cheios, médicos a decidirem se ventilam um senhor de 80 anos ou um jovem de 40. Isso é que é uma pressão do caraças. Houve uma altura da minha vida em que ia ao frigorífico e tinha iogurtes sólidos e iogurtes líquidos. Manteiga de flor de sal e manteiga de flor do rio. Uns anos mais tarde abria o frigorífico e já não tinha iogurtes líquidos. E depois nem isso tinha, porque se tivesse não podia ter leite. Isso é que não é fácil. Tive dificuldades quando deixei de jogar, recebia 150 euros para treinar. Nem para o gasóleo dava, mas dava-me para encher o carrinho de compras. Só que tinha de ter cuidado com os preços do que comprava. Via quanto custava o pacote de massa. Pressão é o que coloco em cima de mim para ganhar sempre. E sei que não posso ganhar sempre. Só no Football Manager é que ganhava sempre, porque fazia batota. Desligava quando perdia ou ia ao editor e punha lá os jogadores que escolhia todos quitados.

MF – Acabou de jogar aos 27 anos. Conseguiu juntar dinheiro ou a conta estava a zeros?
P – (risos) Não ficou nada na conta. Ficou lá o bonequinho do Multibanco a dizer adeus. A verdade é que também nunca ganhei muito dinheiro quando era futebolista. Ganhei algum. Falo abertamente sobre isto, sem problema. Comprei um apartamento de 250 mil euros e paguei 100 mil. Tinha condições para ter pago tudo? Tinha. Mas onde é que derreti o resto? É impressionante. Ganhava mil contos nos juniores e chegava ao fim sem dinheiro. Com alojamento e alimentação pagos. Isto não é normal.

MF – Quem olha para o Pepa de hoje tem dificuldade a imaginá-lo nesses tempos.
P – Fiquei muito marcado e mudei. Tive amigos da onça que não acabavam. Não soube lidar com essa gente que se aproximava de mim para ir beber um copo à discoteca. Os treinadores da I e II Liga têm algum mediatismo, mas eu não dou hipótese nenhuma a esses amigos da onça. Nenhuma! Tornei-me muito defensivo, abro o coração aos meus pais, à minha mulher, filhas e pouco mais. Tenho muitos amigos? Não. E assumo isso. Pareço antipático? Talvez seja uma forma de me distanciar. Não dou azo a nada, não permito telefonemas de desconhecidos para esquemas disto e daquilo. Não dou. Afasto essas tentativas com naturalidade.

MF – Nunca tentaram consigo esses esquemas?
P – Uma vez, na Sanjoanense. Ligou-me uma pessoa que, se estivesse ao pé de mim, levava com uma marreta na cabeça. ‘Tenho aqui dois jogadores, nem precisam de jogar, é mil euros para o clube e mil para o treinador’. Mas o que é isto? Não admito, comigo não há hipótese, não permito que ninguém se intrometa nas minhas opções. A minha vida é muito simples: 100 por cento para a família e 100 por cento para o trabalho. Como é que isto é possível? Tenho uma família que sabe que sou viciado no trabalho e tenho um clube que sabe que eu depois do trabalho só quero estar com a minha família.

MF – O Pepa fala muito na família. Já tem algum sucessor no futebol?
P – Sou pai de quatro meninas. E com 40 anos já sou avô. A minha neta tem dois anos e a minha filha, mãe dessa menina, tem 21. Fui pai com 18 e avô aos 38.

MF – Voltando atrás. O Pepa dizia que não admite que ninguém se intrometa no seu trabalho. Nos últimos tempos, os treinadores que saem do Moreirense queixam-se muito disso. Sentiu a mesma coisa quando esteve lá?
P – Não, nada. O presidente Vítor Magalhães tem muito a necessidade de falar com os treinadores. Está no seu direito, é o presidente. Eu sempre que vou a uma reunião para entrar num clube, exijo que fique muito explícito qual a estrutura para o futebol. E a quem darei satisfações. Não estou para dar explicações ao diretor a ou b. Mas se um presidente me perguntar o motivo para ter apostado naquele jogador, não tenho nenhum problema em responder. Sou seguro, sei o que faço. Se estiverem dez treinadores de bancada atrás do banco do Paços, nem os ouço. Eu não vejo fantasmas, nem para a bancada olho. Não tenho tempo para isso. Sobre o Moreirense, o presidente gostava de falar comigo. Mas daí a sugerir-me ou exigir determinadas coisas, nunca aconteceu. Nem o permitiria. Tenho é todo o gosto de falar sobre futebol com o presidente e o diretor desportivo. Sem problemas.