Pela primeira vez na carreira, e aos 27 anos, Fábio Martins está a jogar fora de Portugal. Na Arábia Saudita, onde joga no Al Shabab, não faltam experiências novas e aventuras inesperadas. Nesta parte da longa entrevista ao Maisfutebol, Fábio relata algumas das peripécias nos últimos meses. Um excelente contador de histórias.

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Maisfutebol - Como são as rotinas diárias do Fábio na Arábia?
Fábio Martins
- Treinamos sempre por volta das 18 horas. Acordo às 10/10h30, fico um bocadinho em casa com a minha mulher, almoçamos e depois aproveitamos o início da tarde para fazer compras ou outra coisa que precisemos. Às 16h30 saio para o treino. Antes faço ginásio, treino específico, e depois há o treino normal. A seguir ao treino é obrigatório fazer a refeição em grupo e depois chego a casa já tarde. Aqui vive-se muito mais de noite, há muito trânsito, confusão nas ruas, aqui eles conduzem horrivelmente mal (risos). É um perigo conduzir aqui. Quando tenho uma abertazinha ou uma folga tento ir conhecer a cidade [Riade], ir a alguns restaurantes, está a ser assim.

A sociedade árabe já permite alguma liberdade e direitos à mulher? À sua mulher, neste caso.
Pelo que nos dizem, isto está bem melhor do que era. No passado não podiam conduzir, não podiam ir ao futebol e nesse aspeto as coisas estão melhores. Nós vivemos num ‘compound’ [condomínio] e aí podemos andar à vontade, com liberdade, à maneira ocidental. Aqui andamos tranquilos, mas na rua a minha mulher evita ter partes do corpo à mostra. Eles não gostam, já nos mandaram parar na rua, não aceitam e temos de ter esse cuidado. Até a mim já mandaram parar. Uma vez fui barrado no Ikea por ir de calções. É a mentalidade deles, temos de respeitar. O que impõe mais respeito nem é o que dizem, é mais a forma como olham para nós, sentimo-nos diferentes. Tentamos ser o mais discretos possível.

O que lhe disseram nessa situação dos calções? Pediram-lhe para vestir umas calças?
Dizem só que é proibido entrar naquelas instalações assim. O problema, no meu caso, foi ter os calções acima dos joelhos. Se eu tivesse umas calças no carro podia ir trocar de roupa e entrar. É a mentalidade árabe.

A religião é vivida de forma intensa. Já foi confrontado com situações delicadas ou, pelo menos, estranhas?
Sim, já. Na primeira vez até comentei com a minha mulher aqui em casa. No clube não disse nada, claro. Bem, existe no Al-Shabab uma sala própria para as rezas e os meus colegas árabes vão para lá. Num jogo-treino fomos jogar fora, logo nos meus primeiros dias, e no balneário havia um tapete. Estava a equipar-me e comecei a ver os meus colegas de equipa a fazer fila e a rezarem, um a um, naquele tapete. Isto a cinco minutos de começar o aquecimento. Foi estranho, mas habituei-me e só tento não fazer barulho para respeitar. Mas há mais histórias.

Também no clube?
Sim. Na pré-época, alguns jogos coincidiam com a hora de uma das rezas. O árbitro parava o jogo e o jogo era interrompido alguns minutos. Aliás, o som das mesquitas nesses momentos das rezas é marcante. Temo-nos habituado.