A opção surpreendeu os fãs do futebol de Fábio Martins. Aos 27 anos, no auge da carreira e depois de uma temporada de grandíssimo nível no Famalicão, Fábio mudou de ares e foi jogar para a Arábia Saudita. Não havia lugar para o seu estilo-filigrana nos maiores emblemas portugueses ou numa liga europeia categorizada?

A partir de Riade, Fábio Martins responde a todas estas questões do Maisfutebol e, sem tabus nem discursos redondos, assume que a vertente financeira foi decisão para aceitar o desafio lançado pelo treinador Pedro Caixinha. 

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Maisfutebol – A opção pela Arábia está a corresponder às suas expetativas?
Fábio Martins – Sim, sim. Sinto-me feliz, adaptado. Pensei que ia ser mais difícil a adaptação, mas recebi desde o início a ajuda da equipa técnica, que é toda portuguesa. Por isso, sim, estes primeiros meses na Arábia estão dentro das minhas expetativas.

Teve uma pequena lesão. Já está recuperado?
Sim, tive uma pequena pubalgia. Já tinha passado por isso há uns anos, mas foram só três semanas de paragem e no último jogo já entrei. Na sexta-feira [11 de dezembro] já estarei pronto para ajudar.

O futebol na Arábia é rápido, muito direto, talvez o oposto daquilo que o Fábio oferece. É uma análise justa?
É uma análise justíssima. No início estranhei, claro. Eu gosto de ter a bola no pé, olhar, pensar, e aqui é tudo feito sob pressão, muita correria e muito físico. Senti algumas dificuldades nos primeiros jogos, dificuldades normais. Tenho percebido mais este tipo de futebol e nesta altura sinto-me confortável.

O treinador Vítor Pereira dizia-nos há uns anos que o jogador árabe não tinha um bom entendimento do jogo. É assim?
Concordo com o mister. Há qualidade no futebolista árabe, há recursos técnicos, mas são limitados no pensamento do jogo, na inteligência tática. Isso tem de ser trabalhado na formação, porque há jogadores com muito nível e condições para evoluir o futebol do país. Falta-lhes esse lado sobre o entendimento do jogo, falta-lhes pensar mais em campo. Isso faz com o que o futebol seja feito mais em transições e que haja erros que na Europa não seriam admissíveis. Faz parte deste campeonato.

Para perceber melhor o nível da liga árabe: o Fábio indicaria jogadores sauditas ou de outras nacionalidades a clubes da I Liga portuguesa?
Sim, sim, tenho jogadores na minha equipa – e noutras – para jogar na I Liga portuguesa. Basta lembrar que o Mehdi Taremi estava numa liga similar (Qatar), chegou ao Rio Ave e foi para o FC Porto. Há jogadores de grande qualidade. É complicado tirá-los daqui por culpa da vertente financeira. Recebem bem, estão na zona de conforto dele e preferem não arriscar a mudança para uma liga como a portuguesa. Iriam certamente receber menos dinheiro. Fazem aqui a carreira e para eles isso basta.

Foi essa vertente financeira, aliada ao convite do mister Pedro Caixinha, que o convenceu a ir para a Arábia Saudita?
Foram os dois motivos mais fortes. Precisava de um estímulo diferente, eram já muitos anos a jogar em Portugal, estava na minha zona de conforto e precisava de um entusiasmo novo. Precisava de sair, de conhecer um país e uma cultura diferentes. Não escondo que financeiramente o contrato é muito bom, fez-me pensar a sério e sabia que com o Pedro Caixinha cá a adaptação seria sempre mais fácil. Tudo junto, sim, decidi vir para cá.

Este contrato garante-lhe uma vida confortável no futuro.
Admito que sim, foi essa a ideia ao vir para cá. Para já fico um ano, porque vim emprestado pelo Sp. Braga e desconheço o futuro, mas neste ano ganharei o mesmo que ganharia em nove ou dez anos em Portugal. Era impossível dizer que não. Tenho 27 anos, fiz épocas a um bom nível e senti que merecia ser recompensado também a nível financeiro.

Estando na Arábia Saudita, assume que fica mais longe de chegar à Seleção Nacional? Foi um risco assumido e durante nove meses não vai pensar nisso?
Senti que ficaria arredado da seleção, sim. Estou num campeonato de segunda linha, com pouca visibilidade e percebo isso. Pensei nessa situação antes de escolher. Colocando tudo na balança, sinto que abdiquei de algo importante na carreira para pensar primeiro em mim. A seleção é um objetivo e um sonho. Passei pelas seleções jovens e continuarei a lutar por esse sonho.

Na Arábia tem jogado mais em zonas interiores ou na linha?
Os extremos têm liberdade, podem ir fora e dentro, mas tenho jogado mais em zonas interiores do que jogava em Famalicão. Em Famalicão era um extremo aberto e declarado, quando jogava nessa posição, e também cheguei a jogar na posição-10. Aqui jogo mais entrelinhas, entre os médios e defesas adversários, a tentar combinações. Na minha equipa está o Éver Banega, que tem essa qualidade. Sinto-me perfeitamente bem a jogar assim. O ano passado fiz alguns jogos como ‘dez’ e estive bem, até contra equipas grandes.

Quais são ideias-base do Pedro Caixinha nesta fase da carreira de treinador?
Gosta de ter bola. Tentamos ter bola, um jogo positivo. Aliás, tenho tido a felicidade de trabalhar com jogadores que perfilham esta ideia. É por isso que me vão buscar, pois não me sentiria bem numa equipa que não tivesse bola e não gostasse de jogar. Aqui queremos ter bola, criar oportunidades e defender bem. Ultimamente temos sofrido alguns golos e temos de melhorar isso, é importante. As ideias-chave são essas: ter bola, fazer muitos golos, ter um jogo positivo.

O Famalicão foi muito assim no ano passado, mas depois do jogo contra o Sporting (2-2) o mister João Pedro Sousa assumiu ter sentido necessidade de colocar a equipa num bloco mais baixo. Referiu que na época passada o Famalicão não soube defender várias vantagens.É preciso encontrar um ponto de equilíbrio. Valorizámo-nos muito com esse futebol de maior risco, mas também perdemos vantagens impossíveis de perder em alta competição. Lembro-me facilmente de quatro ou cinco jogos em que estávamos a ganhar 2-0 e que acabámos por perder ou empatar. Não pode ser. Percebo a ideia do mister em querer jogar com esse equilíbrio. O ano passado havia inexperiência, faltava ratice. Faltou-nos em muitos momentos. Não digo queimar tempo, nem jogadores no chão, mas gerir o jogo com bola. Faltou-nos muito isso. O João Pedro Sousa está a evoluir, é uma excelente pessoa, é um excelente treinador. É importante tentar outras coisas para melhorar a equipa.

Já mencionou o Éver Banega. Estamos a falar de um jogador 65 vezes internacional pela Argentina. Como tem sido a experiência de jogar ao lado dele?
Já criei uma boa amizade com ele, pois há facilidade de comunicação. Também estão cá o Lichnovski e o Sebá, que passaram pelo FC Porto, convivemos muito fora do futebol. Nunca pensei que o Banega fosse uma pessoa tão aberta, tão dada como é. É uma excelente pessoa e um grande jogador. Tem ajudado muito a equipa.

Onde estará o Fábio Martins a jogar daqui a seis meses, no verão?
Boa pergunta. Sinto-me valorizado aqui na Arábia Saudita. Estou a gostar de cá estar, o ambiente. Um jogador não é só valorizado com aplausos, palavras nas redes sociais, elogios nos jornais, é mais do que isso. A nossa carreira é curta, muito rápida e temos de nos sentir valorizados também do ponto de vista financeiro. Aqui sinto tudo isso. Sou valorizado pelos meus colegas, pela estrutura do clube, pelos adeptos e na perspetiva financeira. Não sei. Espero fazer uma grande época e no final temos de ver se o Al-Shabab me quer comprar, se outro clube me quer comprar ou se o Sp. Braga conta comigo ou não. A ideia do clube era vender-me, não conseguiu, agora terei de ver se mantêm a mesma ideia.

Quando acaba o contrato com o Sp. Braga?
Ao vir para a Arábia tive de renovar, por isso tenho mais dois anos de contrato depois desta época acabar [até junho de 2023].