Do Porto a Lucerna são 1.497 quilómetros de distância e, por estes dias, há um português a cumprir essa rota, com destino à acolhedora comuna suíça. Localizada no cantão alemão daquele país, a simpática cidade helvética serve, desde julho, de casa a uma cara bem conhecida do futebol nacional: Ricardo Costa.

O experiente defesa central, que se juntou no defeso ao Lucerna da Superliga Suíça, aproveitou a paragem natalícia para regressar a casa, mas já prepara as malas para voltar ao trabalho.

Com 17 anos de carreira, 35 de idade e três convocatórias para Campeonatos do Mundo pela seleção, Ricardo Costa falou ao Maisfutebol da escolha pela Suíça, «um mar» pouco navegado por aventureiros lusos, onde os jogadores de futebol «se limitam a jogar futebol».

Bons estádios, salários em dia, clubes com boas condições de trabalho e estruturas profissionais são alguns dos fatores que tornam «muito positivo» o percurso do antigo defesa do FC Porto na Suíça, que conta com oito clubes no historial profissional.

Numa conversa pautada pela boa disposição, o antigo defesa do FC Porto analisou as diferenças entre o futebol português e o futebol suíço e partilhou algumas histórias caricatas.

Ricardo Costa e o FC Porto: «Se não corria bem, ia tudo pelos ares»

MF: Como surgiu a oportunidade de rumar ao Lucerna, depois de meia época ao serviço do Granada?

RC: A ida para o Lucerna surge na sequência de uma mudança de direção no Granada. Na altura, o Presidente, os diretores e os adeptos foram espetaculares e eu ia ficar, ia renovar. Mas surgiu um fundo de investimento chinês e adquiriu o clube. As minhas filosofias não coincidam com o novo projeto, então aceitei um convite que tinha do Lucerna.

MF: Considera o futebol suíço um projeto profissional?

RC: O projeto é, acima de tudo, ambicioso. Aceitei o convite muito por causa do treinador, o Markus Babbel, que tem a filosofia alemã. Estou muito contente pela Liga, foi uma surpresa total. Pela organização profissional, pela qualidade do futebol e dos jogadores, até mesmo pelos estádios. Foi a opção certa, por todas as razões e mais alguma. Valeu a pena pensar nos convites que tinha em cima da mesa.

MF: Em termos de estrutura, como descreve o Lucerna?

RC: O Lucerna tem uma estrutura de topo, com sete administradores, sete presidentes. É um clube muito profissional e com ambições bem definidas.

MF: Quais são essas ambições?

RC: O objetivo passa por chegar o mais perto possível do Basileia. Para já, competir diretamente é difícil. Têm um onze base muito bom, 22 jogadores em que qualquer um é solução. Nota-se pelos resultados muito bons que têm conseguido. Só tinham vitórias, perderam recentemente com o Young Boys. Portanto, o nosso objetivo é chegar o mais perto possível, tentar chegar à Champions. Na próxima época, tentar reduzir mais um bocado e daqui a 2 anos lutar pelo título. Mas a reconstrução é um processo que demora. O Basileia, por exemplo, tem uma estrutura estável há mais de 10 anos. Nós começamos a reestruturação agora. Temos de ir passo a passo.

MF: Como foi a adaptação à Suíça?

RC: A adaptação à Suíça foi fácil. Já falava alemão desde a altura em que joguei no Wolfsburgo e esse até foi um dos fatores pelos quais o treinador me convidou, porque eu teria uma fácil conexão com os outros jogadores e entenderia facilmente as suas ideias. Ele tem ideias muito alemãs.

MF: Em comparação ao futebol português, o futebol suíço é muito diferente?

RC: O futebol é mesmo muito diferente. Pode dizer-se que a Liga Suíça é uma espécie de segunda liga de escola alemã. A primeira, claro, é a Bundesliga. É um jogo físico, que valoriza a luta corpo a copo, os km corridos, os duelos ganhos. Em Portugal valoriza-se muito mais o jogador tecnicista, que ganha no um para um, bem como o futebol de posse. Aqui se for preciso bater direto para procurar ganhar a segunda bola, fazemos isso. É uma intensidade muito diferente. Em Portugal é normal os jogadores acabarem entre os 7 e os 10 km percorridos. Cá o mínimo é 11 e chega às vezes aos 13.

MF: E a Liga, em termos de organização, quais são as diferenças?

RC: A estrutura é muito diferente. Em Portugal existem quatro equipas de top, se pusermos o Braga no meio dos grandes e o Vitória também anda lá perto. Daí para baixo, o nível é diferente, há uma quebra até à II Liga. Na Suíça há onze clubes com muitas capacidades, com bases sólidas, boas instalações, não falta nada. Não há salários em atraso, os jogadores têm seguro de vida em caso de lesão, é uma mentalidade muito parecida à da Bundesliga: muito profissional. Cá os jogadores limitam-se a jogar futebol, não têm de se preocupar com nada porque está tudo assegurado. Não é preciso ajuda dos sindicatos, nada Se um clube não pagar salários, não compete. Mudaram as regras para proteger muito os atletas.

MF: Ainda assim, tem alguma história engraçada da sua etapa no Lucerna?

RC: (risos) História caricata? Uma vez fomos jogar a Sassuolo [Itália] para a Liga Europa. O mais normal era irmos de avião porque ainda era uma distância considerável, é o que a maior parte das equipas fazem. Mas… fomos de comboio (risos). Demoramos oito horas a chegar. 8 horas! Disse ao treinador que os jogadores, em véspera de jogo, não podiam gastar tanto tempo em viagem. Mas ele disse que assim havia mais horas de viagem, logo havia mais horas de convívio, dava tempo para lanchar e conversar. Ainda tivemos de apanhar um autocarro para lá. Foi atípico (risos). É a mentalidade suíça misturada com a escola alemã.

MF: Ao longo da carreira, o Ricardo passou por quatro das principais ligas europeias: Portugal, Espanha, França e Alemanha. A liga portugueses equipara-se a alguma destas?

RC: Portugal não se pode comparar com a liga espanhola ou alemã. São muito diferentes. A Liga Espanhola é o expoente máximo do futebol. É preciso certos requisitos e qualidades que nem todos os jogadores têm. Joga-se a um nível muito alto. E ser português não facilita nada. Tem de se ser melhor que os que lá estão. Isso ajuda a crescer.

MF: E ao nível de carreira, está feliz com o que alcançou?

RC: Não podia estar mais contente com a carreira que tive. Ainda hoje acordo com a mesma vontade que tinha quando tinha 17 anos. Acordo, sorrio, lavo a cara e saio para trabalhar. Nunca pensei chegar onde cheguei, mas se o fiz é por força do meu trabalho e da minha humildade. Sem humildade, a qualidade não vale de nada.

MF: Planeia retirar-se num futuro próximo?

RC: Nunca pensei na idade. Vou até onde aguentar. No dia em que não conseguir acompanhar um jogador no 1 vs 1, em que já não tiver pernas, pouso as botas e tiro formação de treinador.