Moreira de Cónegos é uma vila do concelho de Guimarães que só possui este estatuto há pouco mais de 20 anos. Tem cerca de cinco mil habitantes e uma área que não ultrapassa os cinco km quadrados. Nas palavras de Manuel Machado «nem tem um centro urbano visível», tornando possível que alguém entre e saia sem se aperceber que por lá passou. 

Como pode, então, um local assim ter, já há tantos anos, um clube entre os maiores do futebol português? Para o treinador, difícil foi chegar lá, porque depois o futebol moderno, onde a base social não tem o impacto de outrora, faz a diferença. Como clube terá pouco por onde crescer, mas como SAD pode ser enorme. 

Nesta entrevista ao Maisfutebol, Manuel Machado faz o balanço de um início de época dentro do pretendido e, de certa forma, aquém do possível, rejeitando ainda qualquer responsabilidade na Taça da Liga, prova que o clube venceu na época passada, mas que, devido aos moldes peculiares, que contesta, estará sempre mais fora do que perto do ponto de mira dos Cónegos.

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Este início de época do Moreirense, com seis pontos em oito jornadas, está dentro do perspetivado ou esperava mais?

Está dentro do perspetivado, mas é evidente que esperamos sempre mais. De forma muito clara, aquilo que temos em termos pontuais não é aquilo que eu gostaria de ter, mas é o que é possível ter neste momento. O calendário também não foi simpático, jogámos com o FC Porto e com o Sporting e jogámos cinco vezes fora e só três em casa, sendo que uma delas foi com um desses adversários que joga para o título. Os seis pontos que temos neste momento estão um bocadinho aquém daquilo que gostaríamos de ter. É um quadro interessante de início de época, na medida em que temos um lote de 26/27 jogadores e há lesões de longa duração.

E muitos deles são reforços.

São 22 jogadores novos e isso tem uma fatura adicional. O início de época está dentro do perspetivado mesmo ao nível da construção da equipa. Direi que temos o grosso feito, aquilo que é o alicerce do prédio que estamos a construir. Tudo que é trabalho de detalhe, e é por aí que temos pago a fatura do menor sucesso, tem a ver com pichelaria, vidraria, eletricista (Risos)...Isso ainda está por fazer. Consoante os jogos vão decorrendo, esse tipo de dificuldade vai emergindo e vamos trabalhando no sentido de corrigir. Neste momento, a equipa tem um fio de jogo, uma ideia de jogo, está no campo de forma não perdida e acho que não materializou em termos pontuais tudo aquilo que fez.

Pode dar exemplos?

No jogo aqui com o Feirense estivemos claramente por cima, este jogo do Paços é um bocado o mesmo e aqui com o Sporting fizemos um bom jogo; aceito o empate, mas digo que, a não haver uma ou duas decisões menos desadequadas por parte da equipa de arbitragem, se calhar, ninguém me garante que o jogador isolado ia marcar, nem ninguém me garante que o Sporting não fizesse o golo noutro momento sem ser no canto irregular, mas se calhar, insisto, podíamos ter ganho. Com uma pontinha de felicidade podíamos ter algo mais.

A nível técnico dá-lhe prazer pegar numa equipa praticamente nova e construí-la do zero com tantas caras novas, ou a pressão do resultado e da competição atenua isso?

Há sempre a pressão dos resultados. Qualquer colega que esteja no futebol e que em algum momento, em algum clube seja ele qual for, com o maior currículo, pense que o resultado não será determinante na sua carreira, do meu ponto de vista, está enganado. Temos já exemplos disso no futebol profissional. Já começa a haver alguma frustração por não aparecerem resultados e aquilo que é normal fazer-se é trocar a liderança e, por isso, estamos todos sujeitos a isso. Mas, é evidente que se trata de um desafio muito interessante. Estou aqui não porque não tivesse alternativas quer no quadro interno quer a nível internacional, mas foi o clube no qual comecei a trabalhar, na II Divisão B, em que ganhámos o campeonato e subimos, ganhámos a II Liga e subimos e depois tivemos dois anos na I Liga, o primeiro com dificuldades, o segundo que podia ter dado a Europa se o clube tivesse feito a inscrição prévia. No último jogo estávamos a ganhar 2-0 ao intervalo e faríamos a Europa ganhando, mas como o clube não tinha feito a inscrição e tinha uns miúdos que ainda não tinham jogado, acabámos por empatar 2-2. Estou num desafio aliciante que ,de alguma maneira, tem algum suporte na gratidão que tenho para com esta casa, com as pessoas da administração e pela massa associativa, que não sendo grande, têm um carinho grande. Aceitei este que é um desafio de dificuldade, inclusive pode pôr em risco vinte ou trinta anos de um bom currículo, mas é um desafio que enfrento com otimismo e grande motivação.

Tem um passado que fala por si, mas vem de uma época que não lhe correu particularmente bem. Até por isso esta época é importante?

Também de alguma maneira, do meu ponto de vista, é autoavaliativa. Mas a época passada não correu tão mal como as pessoas tendem a crer. Isto tem registo, saí do Nacional com catorze ou quinze jornadas e, embora tangencialmente, estava fora da linha de água. O presidente já veio a público dizer que o pior dos erros foi prescindir dos meus serviços e nem foi pelos resultados, foi por questões que tinham a ver com o planeamento de janeiro para a frente, em que não chegámos a um entendimento e eu achei por bem, e ele também, ser outra pessoa. Veio um segundo, veio um terceiro e a coisa foi sempre a cair. Não sinto qualquer tipo de responsabilidades pelo desfecho que aconteceu no Nacional. Passei por essa situação há dois anos, há três anos, nestes cinco anos que lá estive, e sempre se resolveu da primeira para a segunda volta com muito sucesso fazendo alguns ajustes.

E no Arouca?

Muito menos! Cheguei a Arouca e apanhei com este calendário: FC Porto em casa, Marítimo fora, Chaves fora, Braga fora, três equipas que estavam a jogar no quadro europeu. De facto, não conseguimos ganhar, noutro jogo, com o Belenenses em casa. Estávamos a ganhar e em dois minutos, em dois cantos perdemos esse jogo. Se alguma coisa tenho que me penalizar é dessa perda, contra a lógica. Ainda assim, quando saí do Arouca, o clube tinha dez pontos sobre a linha de água a faltar oito jornadas para o fim. Não me vão responsabilizar pelo que infelizmente acabou por acontecer ao clube.

Sente que se tivesse havido mais paciência a história podia ter sido diferente?

Relativamente ao Arouca penso que [a descida] é um caso de estudo, não é normal. Ponto. Já aconteceu para trás, mas não é normal. Não permito que colem o meu nome a esse tipo de situações. Nunca tinha saído de clube nenhum assim. Saí duas vezes, uma da Académica e outra do V. Guimarães, à primeira jornada por motivos que nada têm a ver com a prestação desportiva. Em Guimarães, com um contrato de dois anos, saí do primeiro para o segundo ano devido a problemas de formatação de grupo. De resto, nunca tive este tipo de problemas. Tenho quinze anos de Liga, seis apuramentos para a UEFA, mais três anos em que fico a poucos pontos desse objetivo. Excetuando um ano em Coimbra e outro no Nacional fiquei sempre na primeira metade a tabela. Por isso, o que aconteceu não é normal.

Esta época o Moreirense não tem emprestados dos grandes, contrariamente ao que aconteceu nas últimas épocas. Não se proporcionou ou foi estratégia do clube?

Não foi opção. Fizemos abordagens quer ao Benfica, quer ao Porto, quer ao Sporting relativamente a alguns jogadores. Esses clubes disponibilizaram nomes alternativos que não eram do nosso interesse e, por isso, não foi possível trazer aqueles que nos interessavam e os jogadores oferecidos não tinham o perfil que procurávamos. Acabou por não acontecer.

O próximo jogo é com a Oliveirense, a contar para a Taça da Liga. Há mais motivação depois da prestação da época passada, em que o Moreirense venceu a competição?

Voltamos a uma velha questão, que é estruturante. Estas taças, até a Taça de Portugal com a meia-final a duas mãos, servem para fazer uma triagem e, de alguma maneira, beneficiar quem já naturalmente é mais forte.  Vou pôr uma questão: no ano passado chegaram à Final 4 o Benfica, o Sp. Braga, o V. Setúbal e o Moreirense. O Moreirense teve a felicidade e a competência de ter ganho. Parabéns. Porque é que os quatro cabeças de série deste ano para essa prova são Benfica, FC Porto, Sporting e Vitória de Guimarães, os quatro primeiros classificados da Liga. Porque é que não se vão buscar os quatro da Final 4? Ou seja, isto está formatado para os mesmos. Pontualmente, porque o futebol felizmente é a modalidade que mais surpresas e imponderáveis tem, isso não acontece. Não há responsabilidade maior para o Moreirense por ter ganho, na medida que a prova tem o desenho que tem.

Como se explica o aparecimento do Moreirense entre os grandes, uma vila pequena, com uma média a rondar os mil espectadores, sem patrocinadores?

É possível. Hoje o futebol tem muito pouco a ver com a base social. Claro que um Benfica, um Manchester ou um FC Porto têm uma base social assinalável, mas hoje o futebol não vive daquele associativismo tradicional em que a bilheteira e a quotização eram os grandes suportes dos clubes. Hoje não é assim, o difícil é chegar cá. Depois, vocês sabem de onde vem o dinheiro, que basicamente é das televisões e, por isso, aqui chegando, a questão da base social é interessante, mas não como suporte financeiro. Não é daí que vem a receita. Dizem que o futebol é o negócio do século XXI dados os montantes que circulam nesta atividade. Moreira é uma vilazinha que nem sequer tem o núcleo urbano visível. Tem a junta de freguesia num lado, a igreja ali, os polos industriais e a população com o seu minifúndio que ajuda. Vocês se vierem distraídos e não virem a placa saem do outro lado sem dar por ela. Em termos de clube nunca será um grande clube, porque essa base social, geográfica e humana é muito reduzida.

Mas hoje em dia os clubes já não são apenas clubes...

Precisamente. E como SAD pode ter a dimensão que as pessoas quiserem. Hoje assiste-se a um fenómeno que é a entrada de capitais particulares, quer nacionais quer estrangeiros, em muitos clubes. Hoje, amanhã ou nunca, se a administração do Moreirense decidir, se o seu presidente quiser fazer um upgrade, isto pode ganhar uma dimensão diferente. Difícil foi cá chegar, já lá vão quinze anos, foi um trabalho muito interessante feito com base num grupo de jogadores do Vitória de Guimarães, que trabalharam comigo nos juniores, depois em Fafe durante dois anos e depois transitaram para aqui como um núcleo duro de miúdos que trabalharam juntos praticamente desde os infantis e que permitiram ser o suporte para fazer uma II Divisão B muito boa, com o título, uma II Liga muito boa, com o título e, depois, dois anos de manutenção. Alguns deles chegaram depois a patamares interessantes, caso do Flávio Meireles ou do Alex, que fizeram boas carreiras.