Nuno Assis já era bom de bola em criança, mas achavam que tinha um problema: era baixinho. Esse handicap custou-lhe um regresso ao Lousanense, clube da terra natal, depois de um ano a representar a Académica. Custou-lhe também a entrada no Benfica aos 15 anos. «Quando me viram e olharam para a minha altura, inventaram uma desculpa para eu voltar mais tarde», recorda numa longa conversa com o Maisfutebol.

Fechou-se uma porta, abriu-se outra. A do Sporting, pela mão de Aurélio Pereira, que tropeçou nele por engano num jogo do Lousanense contra o Farense. Convidado para fazer testes em Alvalade, jogou que se fartou e acabou por ficar lá.

Esteve na formação com nomes como Simão Sabrosa, Boa Morte e Caneira, e ficou ligado aos leões durante oito temporadas. Ainda fez três pré-épocas com a equipa principal, mas foi no Alverca que se estreou na Liga. No clube ribatejano teve Luís Filipe Vieira como presidente e viu Mantorras começar a explodir. «Se não lhe tivesse acontecido o que aconteceu, provavelmente teria sido dos melhores jogadores do mundo.»

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Ligo-lhe numa altura em que está a assistir ao um treino do seu filho. Acha que ele vai seguir as pisadas do pai?

[Risos] Ele tem dez anos, ainda é cedo. Se noto semelhanças dele comigo? Para já, ele é esquerdino e aí já está uma diferença. Mas ainda é muito cedo para estar a falar. Até lá, muita coisa ainda vai rolar.

E o Nuno. Se não tivesse sido futebolista, o que teria seguido?

Recordo-me pouco da minha infância, mas nessa altura não pensava muito no futuro. Sei que queria entrar em Educação Física e provavelmente teria continuado ligado ao desporto.

Quais são as suas memórias mais antigas que metem uma bola de futebol pelo meio?

Na rua [risos]. Na rua, no alcatrão, era em todo o lado. Onde houvesse um espacinho era onde eu estava a jogar à bola. E depois foi na equipa da minha terra, o Lousanense, onde eu comecei.

Já se destacava dos outros miúdos?

Por acaso já tinha bastante destaque. Depois acabei por sair, talvez com 12 ou 13 anos, para a Académica, onde estive um ano. Ia sozinho de comboio, chegava a casa às 11 da noite e depois levantava-me cedo para ir para a escola. Hoje em dia, a maior parte dos clubes e dos miúdos já têm outro tipo de condições. Antes era muito mais complicado.

Era cansativo?

Não custava muito. Como se costuma dizer, quem corre por gosto não cansa. Mas hoje em dia as facilidades são muito maiores.

Disse que só ficou um ano na Académica. E depois? Voltou ao Lousanense?

Foi. Eu sou pequeno e, na altura, ainda era mais pequeno [risos]. Apesar de ter feito os jogos todos – campeonato nacional de iniciados, fases finais e de ter sido, se não estou em erro, vice-campeão – acabei por sair.

Porque era pequeno?

Não foi essa a desculpa que deram, mas foi por isso, sim. Se foi fácil voltar? Na altura, com aquela idade, o que queremos é jogar, independentemente do sítio. Não tive qualquer problema em regressar às origens.

E como é que chega depois à formação do Sporting?

Estive oito anos ligado ao Sporting com contrato, foi muito tempo. Fui para lá com 15, 16 anos. Até tenho uma história curiosa na altura…

Conte…

Um mês antes fui convidado pelo Benfica para ir lá. Não me foi dada depois uma explicação mas, pelo que percebi, quando me viram e olharam para a minha altura, inventaram uma desculpa para eu voltar mais tarde. Passado uma semana ou duas, numa altura em que eu já jogava nos seniores do Lousanense, participei num jogo com o Farense em que estava o senhor Aurélio Pereira. Ele não estava lá para me ver a mim, estava interessado num jogador do Farense. Eu entrei a cerca de 15 minutos do fim, fiz um ou dois golos e já não levaram o outro jogador: convidaram-me para ir uma semana ao Sporting. Fiz um jogo de treino, as coisas correram bem e acabei por ficar. Assinei por quatro anos e depois ainda assinei por mais quatro. Fiz três pré-épocas com a equipa principal. As coisas corriam bem, mas na altura não se apostava muito e acabei por ser emprestado ao Lourinhanense, o clube satélite do Sporting naquela altura.

Pelo menos no Sporting acabou aquele estigma da altura, certo?

Sim, acabou [risos]. Tanto que a minha equipa era constituída por jogadores baixinhos. Era o Simão, o [Miguel] Vargas… jogadores ao mesmo nível.

Voltando um pouco atrás, como foi mudar-se para Lisboa? Foi sozinho?

Fui sozinho, mas tive sorte porque tinha uns primos a viver em Lisboa e acabei por ficar em casa deles. A adaptação foi muito mais fácil.

Ainda estudava?

No ano a seguir deixei. Comecei a jogar nos juniores e era tudo diferente naqueles tempos. Hoje em dia é uma exigência estudar. Claro que os meus pais exigiam que eu estudasse, mas era bastante difícil conciliar as duas coisas. Na altura ainda pensei em voltar no ano seguinte, mas as coisas foram ficando cada vez mais incompatíveis.

Falou em Simão e Vargas. Quem mais fazia parte dessa casta?

O Caneira, o Patacas, o Nuno Santos, que era guarda-redes, o Alhandra, o Boa Morte...

Estreou-se na Liga pelo Alverca, em 1999. Que lembranças tem desses tempos?

Tínhamos uma boa equipa, com jogadores e um treinador experiente, o José Romão. Não foi fácil porque não joguei muito. Entrei alguns jogos mas foi bom. Aprendi muito.

O Mantorras já andava por lá?

Já. O Mantorras era júnior. Lembro-me como se fosse hoje e fiquei surpreendido com as capacidades dele. Fez um o outro jogo por nós e treinava de vez em quando connosco. Já era fora do normal, era impressionante. Ainda ontem falei sobre ele com alguém e comentei que, se não lhe tivesse acontecido o que aconteceu, provavelmente teria sido dos melhores jogadores do mundo.

Luís Filipe Vieira chegou a dizer mais tarde que ele só sairia do Benfica por 18 milhões de contos [90 milhões de euros]. Poderia ter valido tudo isso?

Tenho a certeza que sim. A certeza que sim!

Vieira que curiosamente teve como presidente no Alverca. Como era ele nessa época? Diferente do presidente que encontrou no Benfica?

Era como é hoje. Não mudou nada. Tenho uma grande admiração por ele. Foi uma pessoa que sempre me ajudou no Alverca e mais ainda no Benfica.

Jogou em vários clubes, mas há uma camisola que vestiu mais do que qualquer outra: a do V. Guimarães. É o clube que mais lhe deu durante a carreira?

Não é fácil estar sete anos num clube como o Vitória e ganhar o respeito e carinho de toda a gente num clube que, não sendo um Benfica, é um clube grande. Há lá uma paixão que não existe em mais nenhum lugar em Portugal. É um clube completamente diferente dos outros, não é um clube qualquer. Foram sete anos que eu adorei e por alguma razão voltei duas vezes.

O que é que torna afinal o V. Guimarães num clube diferente de todos os outros?

No Vitória nunca existiu aquela tendência de as pessoas apoiarem o clube da terra e depois um grande ou o contrário. As pessoas sempre foram do Vitória e nem tinham outra opção. É isso que torna o Vitória diferente. Comparo muito ao que acontece nas equipas em Inglaterra onde, por exemplo, os adeptos do West Ham são só do West Ham e não do Arsenal.

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