Poucos saberão, mas Pedro Martins já foi treinador do FC Porto. Na época 2004/05, a que se seguiu ao título europeu de Gelsenkirchen, o atual homem do leme do Olympiakos foi adjunto de José Couceiro no Dragão em seis meses duros e de «grande aprendizagem».  

Em entrevista ao Maisfutebol, o técnico de 49 anos analisa as passagens pelo FC Porto, mas também as experiências na Madeira, em Vila do Conde e em Guimarães. Uma conversa com um homem que não gosta de berrar no balneário, mas que não adbica dos mais rígidos códigos de disciplina. 

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MF – Quatro épocas na Madeira, dois em Vila do Conde, dois em Guimarães. Fez tudo o que queria em Portugal?

PM – No Marítimo cheguei ao quarto ano e aí o desgaste normal acabou por chegar. Entendi ser essa a melhor altura para sair. Tive quatro anos de grande prazer, de grande cumplicidade com os plantéis, com a estrutura e o presidente. No Rio Ave tive duas épocas muito positivas também. Chegámos à fase de grupos da Liga Europa, fomos duas vezes às meias-finais da Taça de Portugal, demos visibilidade a vários atletas e fizemos vendas que deram mais-valias ao clube. No Vitória ficámos no quarto lugar, à frente do Sp. Braga, e fomos à final da Taça de Portugal. Perdemos contra o Benfica por 2-1 numa final muito disputada. Penso que o meu percurso em Portugal é positivo. As vendas foram cruciais em todos esses emblemas.

MF – Danilo (Marítimo), Ederson (Rio Ave), Marega e Soares (Vitória)…

PM – O Danilo era jogador da Atalanta e do Parma, numa altura em que ainda era permitida a partilha do passe. Estava emprestado ao Roda, da Holanda, e falei com ele. Estava a jogar a defesa central e disse-lhe que devia rescindir com os italianos e vir para o Marítimo ganhar um salário mais baixo. Sabia que ele ia dar um salto gigantesco e o Danilo percebeu o que era importante. O Danilo teve visão, foi inteligente, percebeu o projeto que eu tinha para ele. Posso falar também do Baba, vendido ao Sevilha, do Soares (FC Porto), do Derley (Benfica), do Ederson (Benfica), do Dyego Sousa (Sp. Braga), do Hassan (Sp. Braga), enfim, muitos jogadores. O João Pedro, em Guimarães, ia ser dispensado, mas depois fez a pré-época comigo e passados seis meses foi vendido por 1,5 milhões de euros para os EUA. No Marítimo o projeto era muito interessante. Eu também era o responsável pela equipa B e na última temporada tínhamos 17 jogadores na equipa A que vinham da formação secundária. Deu-me muito prazer trabalhar no Marítimo por toda esta envolvência.

MF – A única demissão que teve foi em Guimarães. Guarda mágoa em relação a essa saída?

PM – Não guardo mágoa. São coisas normais no futebol. A fasquia estava muito elevada, depois dos resultados da primeira época, e continuou elevada mesmo depois de perdermos sete jogadores. Os treinadores são os primeiros a serem fustigados. Havia medidas financeiras a serem tomadas, percebo. Adoro o Vitória, será sempre um clube especial para mim. Infelizmente, essas separações fazem parte deste mundo.

MF – Começou como adjunto do José Couceiro em 2003. Ser treinador era um desejo antigo ou foi fruto de algum contexto específico?

PM – O José Couceiro foi meu diretor desportivo no Sporting e a nossa amizade nasceu aí. Mais tarde foi meu treinador no Alverca e nessa altura eu já tinha sido conquistado pelo bichinho de ser treinador. Recordo-me que eu já não queria fazer a última época de jogador no Alverca e ele convenceu-me a ficar por ser importante dentro do grupo. A equipa era jovem e eu seria determinante no balneário. Em setembro dessa temporada tive uma lesão muscular grave e parei dois meses. Voltei a falar com o José Couceiro para abandonar e ele demoveu-me novamente. O Luís Filipe Vieira tinha ido para o Benfica, a SAD ia ser vendida a outros investidores e o José Couceiro até queria que eu fosse diretor desportivo. Fomos adiando e fiquei como atleta até ao final da época. Depois, sim, aceitei ser adjunto do Zé, já em Setúbal. Foi uma pessoa muito importante na minha carreira.

MF – Nessa temporada de 2004/05 começam no Bonfim e em janeiro mudam-se para o FC Porto.

PM – O FC Porto tinha sido campeão nacional e europeu. O José Mourinho saiu, saíram muitos jogadores importantes e a exigência manteve-se muito alta. Outros atletas ficaram, mas tinham propostas aliciantes para sair. O Luigi del Neri chegou, esteve um mês e saiu. Entrou o Victor Fernandez. Foi um ano muito difícil para o FC Porto e para nós.

MF – Ainda assim, a equipa chegou à última jornada com possibilidades de ser campeã.

PM – O plantel tinha qualidade. Tenho de dizer, por exemplo, que o Luís Fabiano foi dos melhores avançados que treinei na vida. Tinha um potencial tremendo, mas as pessoas do FC Porto não tiveram paciência com ele. Quiseram que um miúdo de 20 anos, chegado do Brasil, pudesse resolver tudo. Era impossível, ou quase. Mas em clubes como o FC Porto essa exigência é normal. No último jogo empatámos em casa com a Académica e o Benfica empatou no Bessa. Acabámos a três pontos deles.

MF – Foram meses duros para o Pedro Martins, que estava a começar o percurso como treinador?

PM – Muito, foram uma aprendizagem brutal. Guardo recordações boas e outras negativas do FC Porto, mas aprendi muito em relação à gestão emocional dos plantéis. O Diego estava a acabar de chegar, o Bosingwa queria ser médio e não gostava de ser lateral, mas percebeu que seria aí que podia fazer uma carreira interessante. E há mais casos. O Ibson era um bom médio, depois ainda chegou o Cláudio Pitbull. Eram muitos jogadores jovens e não era fácil substituir Paulo Ferreira, Ricardo Carvalho, Deco e outros. Esse plantel precisava de tempo, mas no futebol português não há paciência. O Diego, por exemplo, fez mais tarde anos fantásticos na Alemanha. O futebol não é uma ciência exata.

MF – O Pedro foi um médio disciplinado e correto. Como treinador tem alguma paciência para gente indisciplinada ou mimada?

PM – Zero. Tudo o que adultere aquilo que eu preconize para uma equipa de futebol, não aceito. Não sou um treinador de berros, mas incuto disciplina forte e não tenho problemas em tomar decisões difíceis em prol do grupo. A base do nosso sucesso é o trabalho diário e preciso de atletas disponíveis em todos os momentos. Não só para o treino físico, mas também mental. Quem treinar mal não joga nas minhas equipas.