A época extraordinária do Paços de Ferreira coloca os «castores» no quinto lugar da Liga. Na passada jornada, a equipa recebeu e venceu o Sp. Braga com uma autoridade rara e voltou a surpreender o país desportivo. Ao leme deste barco está um treinador cada vez mais competente, que se destaca pelas ideias claras e desassombradas, um homem sem preconceitos e sem tabus. 

Pepa, o treinador do melhor Paços dos últimos anos, em entrevista exclusiva ao Maisfutebol. Nesta parte, o técnico viaja até Torres Novas, às memórias de infância e ao dia em que, com 13 anos, foi contratado pelo Benfica. 

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Maisfutebol – Que memórias tem da infância em Torres Novas?
Pepa – Nunca passei fome, nem dificuldades. Era filho único e os meus pais separaram-se quando eu tinha três anos, mas nunca me faltou amor. Os meus pais tiveram depois outros relacionamentos e tenho uma meia-irmã de cada um deles. Não tenho a memória de viver com os meus pais na mesma casa, mas por outro lado foi giro. Os meus pais viveram depois em bairros diferentes e eu andava metidos nos jogos todos, nos dois bairros. O meu pai jogou futebol, o meu padrasto também.

 

MF – Conseguiu levar a escola até que idade?
P – Por incrível que pareça sempre fui bom aluno, aluno de quatros e cincos. Depois acabei por me desleixar um bocado, quando o futebol entrou na minha vida mais a sério. Facilitei. Então em Lisboa… um miúdo que se muda de Torres Novas para a capital aos 13 anos, está a imaginar, não é? Aquilo é uma selva. Eu gostava tanto de Lisboa que preferia faltar às aulas para andar de Metro a conhecer a cidade. Tinha o passe e saía quase nas estações todas. Saía, dava uma volta nessa zona, voltava a entrar no Metro e fazia o mesmo na estação seguinte. Durante dois anos conheci Lisboa muito bem. Adorei viver lá, mas facilitei na escola e não há desculpa. Mas mais tarde acabei o 12º ano e tenho um orgulho enorme de ter entrado na universidade. O problema foi o valor das propinas.

MF – Em que faculdade entrou?
P – No Instituto Piaget, ali em Arcozelo [Vila Nova de Gaia]. Entrei com média superior a 16, fiquei cheio de orgulho e queria mostrar o certificado aos meus pais, à minha mulher, às minhas filhas. Mas, lá está, na altura já tinha filhas para sustentar. Tive de optar. Ou vou atrás do sonho da licenciatura ou vou sustentar a família. Acabou por não ser opção, a resposta era simples. Mas ter chegado lá já me deixa vaidoso.

MF – Tinha 13 anos quando se mudou de Torres Novas para Lisboa. Como é que geriu isso com os seus pais?
P – Não foi nada fácil. Ligava à minha mãe com umas moedas, para o meu pai com outras moedas, mas quando desligava o telefone caíam-me umas lágrimas. O Benfica deu-me sempre um apoio fantástico, desportivo e social. Ajudou-me a ser homem.

MF – Onde é que vivia quando jogava na formação do Benfica?
P – No centro de estágio, por baixo do antigo Terceiro Anel. Vivia mesmo no estádio, ao lado do pavilhão. Ia ver jogos de basquetebol e de hóquei em patins. A equipa do Mike Plowden, do Jean Jacques, do Carlos Lisboa. E a do hóquei era a do Rui Lopes, do Paulo Almeida, do Vítor Fortunato, acompanhei essa malta toda. Era um puto com sorte, estava rodeado de desporto.

MF – Nas redes sociais os seus amigos dizem que era muito carismático na escola. Era assim?
P – Tinha muita lata (risos). Os meus colegas tinham vergonha de falar com as meninas, mas eu não. Pela simpatia ou pela persistência, ou pelo cansaço, alguma coisa tinha de sair dali.

MF – Quem eram os seus melhores amigos na formação do Benfica?
P – O Carlos Mota e o Rui Baião. O Mota está ligado ao Quarteirense, da terra dele. O Rui está na Autoeuropa. Eles podiam ter atingido outro nível no futebol, como eu.

MF – Quais foram os treinadores que mais o marcaram?
P – Muitos, vários. Eu era um miúdo engraçado, trabalhador, malandreco é verdade. Fiz algumas asneiras, mas tinha um coração enorme. Reconhecia o erro e pedia desculpa. O Rui Oliveira acreditou muito em mim, o Chalana, o Bastos Lopes e o Nené. Nos seniores tive a sorte de apanhar bons treinadores. O meu último treinador foi o Paulo Sérgio, no Olhanense. Gostei muito dele, muito frontal.

MF – Começou a ser treinador no Sacavenense, aos 27 anos. Como é que tudo começou para si, já tinha esse bichinho?
P – Foi engraçado e é simples de explicar. Eu morava num condomínio mesmo ao lado do estádio, até dava para ir a pé. Como não havia dinheiro para andar de carro de um lado para o outro, é mesmo assim, optei pelo clube mais perto de casa. Não conhecia ninguém e fui lá bater à porta. Bati na porta do departamento de futebol e foi o Nelo, o atual presidente, que me abriu a porta.

MF – O que lhe perguntou?
P – Disse-lhe que era um homem do futebol e que queria iniciar a minha carreira de treinador. Morava ao lado do campo e tal. E ele reconheceu-me. ‘És o Pepa, não és?’ Disse-me que havia uma equipa de meninos, mas que não jogavam ao fim-de-semana. Tinha meninos, meninas, magros, gordos. ‘É a mais baixa de todas? Então é essa mesmo, vamos embora’. Eu queria era começar por algum lado e assim foi.

MF – E como é que chega ao Taboeira, na região de Aveiro?
P – A minha esposa é de lá, de Aveiro. E as minhas duas filhas do meu primeiro casamento vivem em Coimbra. Fui pai da minha terceira filha e não tínhamos nenhuma família perto de mim em Sacavém. Percebemos que fazia todo o sentido ir para o norte. Vendemos o apartamento e em boa hora fomos viver para Aveiro.