Duas vitórias consecutivas, manutenção matematicamente assegurada. Vasco Seabra levou a bom porto a nau pacense, homem do leme de apenas 33 anos, o mais jovem treinador da Liga.

Comunicador de excelência, apaixonado por futebol, bom contador de histórias. Vasco abre a porta ao Maisfutebol e a conversa exclusiva prolonga-se por duas horas.

Tudo começa ali ao lado, no centro da cidade de Paços de Ferreira e na loja de desporto dos seus pais. Um estabelecimento histórico e que também está de parabéns.

Vasco, uma das novas figuras do campeonato nacional, em discurso direto.  


Parte 2: «Paulo Fonseca é a minha maior referência»

Parte 3: «Há dinheiro e impaciência, despedir treinadores é fácil»

Maisfutebol - O futebol sempre esteve presente na sua vida?
Vasco Seabra - «Os meus pais têm uma loja de desporto aqui em Paços de Ferreira. Uma loja que faz 40 anos este ano, é mais velha do que eu (risos). O meu pai tem uma deficiência física, provocada por uma poliomielite logo aos três anos, e encontrou esta forma de estar ligado ao desporto. Cresci atrás do balcão dessa loja.»

MF - Convive desde bebé com o futebol, portanto.
VS - «Curiosamente, o meu pai diz que até aos seis/sete anos eu só pensava em animais e carros (risos). ‘Eh pá, não me digam que este gajo não vai gostar de futebol’. Até aos seis anos andei na natação e na música, adorava. Até que, certo dia, o meu pai me levou aos treinos das escolinhas do Paços de Ferreira. Ele pensou que eu ia desistir rapidamente, mas fiquei viciado. Viciadíssimo. No treinar, no jogar, nos amigos, no balneário, coisas incríveis no desporto coletivo. O jogo dura 90 minutos, mas à volta há muita coisa. E lá fiquei nas camadas jovens do Paços, até aos 18 anos.»

MF - Acabou por não jogar nos seniores. Por falta de vontade ou de qualidade?
VS - «Cheguei a certo ponto e percebi que os treinadores não podiam estar todos errados (risos). Senti que não tinha o que era necessário para singrar como futebolista.»

MF - E como era o Vasco Seabra futebolista?
VS - «Comecei como ponta-de-lança. Era muito alto. Depois também fui médio-centro. Andava pelas zonas centrais. Curiosamente, e apesar da altura, nunca fui forte a jogar de cabeça (risos). Sempre fui mais adepto do jogo curto, de ter bola.»

MF - Quando opta, então, pela função de treinador?
VS - «No final da formação, a ideia já era essa. Queria perceber de que forma podia ficar ligado ao futebol. Se não fosse como futebolista… no décimo ano de escolaridade fui para a opção-Desporto, em Lousada, e anos depois entrei no ISMAI também em Desporto. No segundo ano de faculdade conheci o professor Rui Quinta, que era coordenador do futebol jovem no Paços, e perguntei-lhe se era possível fazer um estágio no clube, para começar a entrar no meio. E o Rui teve uma abertura notável. Hoje é um dos meus melhores amigos. Fui trabalhar para os infantis e juvenis.»

MF - Foi duro deixar de jogar ou não custou nada?
VS - «Custou, custou muito. Primeiro, engordei logo. Deixei de correr e continuei a comer o mesmo. Quando regressei ao Paços, senti aquela chama de volta e projetei toda a minha paixão no treino. Nunca mais parei. Pouco depois fui com o Rui Quinta para o Paredes, onde fiz observação de jogos para os seniores, e treinei juniores e escolas. Ainda fui para o Leça como adjunto do Filipe Ribeiro – que agora é meu adjunto – e a seguir para o Lixa, como adjunto do Álvaro Pacheco, atual adjunto do Miguel Leal no Boavista. Isto é um mundo pequeno (risos). Passei ainda no Rebordosa e novamente no Lixa, onde me estreei como treinador principal. Tinha 29 anos.»

MF - E não continuou no Lixa porquê? Foi campeão distrital.
VS - «Não senti entusiasmo e paixão por parte de quem me fez o convite para continuar. Por isso também perdi esse entusiasmo e paixão. Fiquei desempregado. Passados dez dias, o coordenador do Paços de Ferreira ligou-me e desafiou-me a voltar. Para treinar os juniores do Paços. Era mesmo aquilo que eu queria. Estivemos no campeonato nacional de juniores, jogámos contra os melhores do escalão e o desafio foi fantástico.»

MF - Que objetivos levou para essa equipa?
VS - «Estabilizar no Nacional de Sub19 e colocar três atletas na equipa de seniores do Paços.»

MF - Conseguiu atingir ambos?
VS - «Sim. A nossa equipa jogava muito bem, criou uma marca registada. Não fomos à fase final porque perdemos em Braga no penúltimo jogo, num jogo marcante. Na fase de manutenção ficámos no primeiro lugar. As pessoas de Paços de Ferreira começaram a falar dos juniores.»

MF - Dessa equipa, quais foram os atletas a chegar aos seniores do Paços?
VS - «O Diogo Jota foi o caso mais mediático. Também subiram o André Leal (Andrezinho), o Barnes Osei e o guarda-redes, o Marco, que está agora cedido ao Gondomar.»

MF - Então até foram quatro.
VS - «Sim, mas a história do Andrezinho é diferente. Ele ficou sem contrato e não foi convidado a renovar. Nos juniores foi o único a fazer os 36 jogos oficiais. Insisti muito com o presidente Rui Seabra para integrá-lo na pré-época com o Paulo Fonseca, mas o grupo estava fechado. O André ficou sem clube e ia perdê-lo.»

MF - Mas hoje até é um dos melhores jogadores do clube.
VS - «Sim, as coisas mudaram. Recebi na altura um telefonema do presidente, a dizer-me que o Andrezinho podia treinar uma semana à experiência nos seniores, depois do estágio. Uns dias depois, o Paulo Fonseca liga-me e diz que precisa de três miúdos para o estágio. Dois defesas e um médio. Sugeri logo o Andrezinho e o Paulo aceitou. Quando voltam do estágio, o Paulo veio ter comigo e diz logo, ‘Vasco, gostei muito do miúdo’. E lá conseguimos fazer um contrato ao André (risos).»

MF - No jogo de estreia do Vasco como treinador principal, o Andrezinho é, de resto, a maior novidade. Com o Carlos Pinto ele pouco jogou.
VS - «É verdade. Mas, mesmo comigo, o André teve um período de menor utilização. E a culpa não é dele. Tem mais a ver com o perfil da equipa. Sinto que um jogador destes, criativo, precisa de bola. E quando a equipa não tem volume de jogo ofensivo, como nós não tínhamos, este tipo de atleta desvanece-se. É penalizador para ele. Só trabalha, só corre e não tem bola. Matamos o jogador e a equipa.»

MF - Ultimamente, o André tem sido titular.
VS - «Sim. Senti que nos últimos cinco/seis jogos demos um passo em frente, desenvolvemos o processo ofensivo e o André já é mais útil e visível. Com a equipa assim, já faz sentido introduzir o André.»

MF - Foi importante vencer os últimos jogos sem o Pedrinho e Welthon, os nomes mais mediáticos da equipa?
VS - «Gosto que as individualidades sobressaiam. Quero valorizar todos, mas a ideia global do jogo é passada ao plantel completo. As características dos jogadores permitem a essa ideia não ser estanque. O Welthon fez muitos golos, o Pedrinho cresceu, mas sei que mesmo sem eles a equipa pode vencer. Sei que a dinâmica é diferente, mas a ideia é a mesma.»

MF - Há nomes que mereçam ser destacados pelo treinador do Paços de Ferreira?
VS - «Há atletas que deram um salto muito grande. Isso é evidente no Marco Baixinho. No Gegé também, um jogador que veio em janeiro. O Filipe Ferreira e o Vasco Rocha também têm estado muito bem. O Vasco tem coragem para assumir, não tem medo, e isso dá um bom ponto de saída à equipa. É um atleta inteligente. Foi meu jogador em Paredes há dez anos, era um dos avançados (risos). O Ivo Rodrigues está a começar a perceber melhor aquilo que é.»

MF - Os jogadores que chegaram em janeiro melhoraram a equipa?
VS - «Recebemos críticas ferozes pelas opções tomadas (risos). Trouxemos o Gegé, o Filipe Melo que estava parado há muito tempo, o Medeiros lutava para não descer na II Liga, o Luiz Phellype estava sem competir e vinha de Angola. E o Tony Taylor, um jogador que nos traria características diferentes para as alas. Tem demonstrado em treino que pode ter minutos de jogo. O mercado ajudou-nos a estabilizar, ficou mais competitiva internamente.»

MF - Voltando um pouco atrás. De que forma viveu a passagem de adjunto a interino e de interino a treinador principal?
VS - «Bem, tenho de confessar que nunca me passou pela cabeça chegar aqui tão cedo. E o Ricardo Matos, agora adjunto do Vítor Pereira no 1860 Munique, pode testemunhar. Vivemos os dois isso tudo de forma intensa. O Carlos Pinto sempre me tratou bem e respeitou. Cumpri o meu papel como adjunto, de ajudar o treinador principal. Quando ele saiu, liguei-lhe para enviar um abraço. A direção pediu-me para ficar e preparar os treinos. A minha preocupação foi só saber se era para planear dois dias ou o jogo com o Boavista.»

MF - E chegou até aqui, cinco meses depois.
VS - «Tivemos de fazer tanta coisa. Só eu, o Matos e o Mauro [Silva], que estava nos juniores. Vimos vários jogos do Boavista, fomos nós a editar o vídeo do adversário, foram horas e horas fechados. Vencemos o Boavista, toda a gente ficou eufórica e acabámos a noite a perguntar: ‘e agora?’. Suponho que a direção estava a conversar com outros treinadores, mas pediram-me para preparar a visita a Braga.»

MF - Perderam em Braga, mas o Vasco ficou.
VS - «Perdemos 3-0 e fizemos um jogo engraçado. A direção disse-me logo que queria falar comigo na segunda-feira seguinte. Perguntaram-me se eu estava preparado para assumir a equipa. Nem pensei duas vezes e disse que sim. Senti os atletas comprometidos comigo, com o clube. E cá estamos.»

MF - E vai continuar a estar na próxima temporada?
VS - «Tenho contrato por mais uma época. O clube vai ter eleições em maio. O meu foco tem estado centrado na nossa ideia de jogo, atletas e resultados. Já identificámos coisas para a próxima época, a direção tem essas informações. Não estou obcecado com o que vai acontecer. Vamos dar o máximo até ao dia 21 de maio e preparar a próxima temporada, como se fossemos nós os treinadores. Depois, têm de ser as pessoas do clube, desta direção ou de outra, a tomar decisões.»