Xavi Hernandez. O maestro do maravilhoso Barcelona de Pep Guardiola e da seleção de Espanha está no Qatar, em final de carreira. Aos 36 anos, o catalão é colega de equipa de Pedro Correia, defesa português que encontrou no Médio Oriente um excelente caminho para elevar a dimensão da carreira.

Em entrevista ao Maisfutebol, Pedro Ró-Ró fala da relação especial com Xavi e da ligação forte a Jesualdo Ferreira, compatriota e treinador deste Al Sadd.

A conversa é cheia de curiosidades e chega ao ponto de Pedro recordar as refeições que fez sem colher nem garfo. Sim, no Qatar é perfeitamente normal comer com as mãos. Um hábito salutar, enraizado na cultura do país que receberá o Campeonato do Mundo de 2022.

Ró-Ró, 26 anos, começou a jogar nas escolinhas do Mem Martins SC, treinado por Luís Miguel Loureiro. Avançado de origem, inspirou-se na dupla ROnaldo-ROmário para criar e eternizar a alcunha.

Uma carreira rara e bonita, até Doha.

Mem Martins SC: Ró-Ró é o 3º em baixo a contar da esquerda
(foto enviada por Luís M. Loureiro, o 1º da esquerda, em cima)

PARTE I: do Benfica à seleção do Qatar em dez anos

MF – No Al Sadd há um colega famoso. O que tem aprendido com o Xavi?
PC – O Xavi é o Xavi (risos). É um privilégio estar com ele todos os dias. No meu primeiro dia no Al Sadd, ao entrar no balneário, o primeiro abraço que recebi foi do Xavi. Levantou-se e veio ter comigo, a desejar-me boa sorte e que podia contar com ele. Como é que um jogador que já ganhou tudo consegue ter esta humildade? É um monstro sagrado do futebol.

MF – O Xavi já tem 36 anos. Ainda é competitivo em campo?
PC – É um profissional irrepreensível. Corre com bola e sem bola, adora comunicar e ajudar todos os colegas no posicionamento. Jogar com ele no mesmo clube é uma lição diária de futebol. A forma como ele passa a bola… é a perfeição dentro de um relvado. Falamos muito no balneário sobre o Real Madrid e o Barcelona (risos).

MF – O Pedro é adepto do Real Madrid?
PC – Eu só sou adepto do meu Benfica, mas simpatizo com o Real Madrid. Por isso estamos sempre a brincar e em picardias. O Xavi a defender o Barcelona e eu o Real.

MF – O professor Jesualdo junta-se a essas brincadeiras?
PC – A estas não, mas é um homem que gosta de brincar. Aprendi imenso com ele no último ano. Evoluí muito em todos os aspetos: posicionamento, concentração, abordagem aos lances. O professor investe muito tempo nos treinos a corrigir esses detalhes.

MF – Há tempo para estarem juntos fora dos treinos e jogos?
PC – Eu sou uma pessoa reservada e passo os meus tempos livres mais em casa, com a família. Nas raras vezes que saio é para jantar fora. Normalmente em restaurantes de hotéis. Também já fui ao Dubai e a Abu Dhabi passear, é uma zona com uma extraordinária oferta.

Pedro 'Ró-Ró' atrás do capitão Xavi numa foto do Al Sadd

MF – Integrou-se facilmente no país? A maioria dos habitantes é muçulmana.
PC – Há coisas muito diferentes, mas dou o exemplo da minha namorada. Anda completamente à vontade comigo, não usa burka nem anda tapada. O ambiente é pacato, de grande respeito. O mais estranho é ter de comer com as mãos em alguns jantares (risos). Eles não usam garfo, nem colher. Uma vez fui jantar fora e tive de comer carneiro e arroz com as mãos. Também não é possível beber bebidas alcoólicas, a não ser dentro dos hotéis internacionais.

MF – E já consegue falar Árabe?
PC – Comunico essencialmente em Inglês, mas já consigo dizer várias palavras em Árabe. Aliás, sou amigo de vários qataris e estou bem integrado socialmente. O meu contrato vai até 2020 e não me passa pela cabeça sair daqui nesta altura. Tenho saudades de Portugal, mas estive um mês e meio em casa no verão e voltarei no Natal.

MF – Como se descreve enquanto atleta? Em Portugal poucos o conhecem.
PC – Sim, eu sei, ainda não tinha dado entrevistas sequer. Sou um jogador humilde, lutador, capaz de jogar como defesa central ou lateral direito.

Um golo extraordinário de Pedro Ró-Ró na liga do Qatar:


MF – Tem o Xavi como colega de equipa. Com ele é fácil ganhar jogos na liga do Qatar?
PC – O ano passado fomos terceiros, por isso não (risos). A liga tem um nível muito razoável e excelentes estádios. É verdade que as bancadas só enchem nos jogos grandes, mas o povo está também a aprender a relacionar-se com o futebol. Esta época temos duas vitórias em dois jogos. Vamos atrás do título.

MF – Jogou cinco anos no Benfica. Em que circunstâncias saiu do clube?
PC – Fui do Mem Martins para lá e fiquei cinco anos. Saí porque era muito pequeno. Foi isso que me disseram quando decidiram emprestar-me. Primeiro ao Estrela da Amadora e depois ao Estoril. Diziam que eu não tinha corpo para ser defesa. Eu peço desculpa pela imodéstia, mas sempre fui um dos melhores da equipa nos anos em que lá estive.

MF – Ao sair do Benfica sentiu que o sonho de ser profissional ficava mais longe?
PC – Sim, mas eu gosto de desafios e aventuras. Aos 16 anos decidi sair de casa. Um colega meu falou-me da possibilidade de jogar nos juniores do Sp. Farense, no Algarve. Foi no Farense que me estreei no futebol sénior. De lá saí para o Aljustrelense, no Campeonato de Portugal, e de lá para o Qatar.