Nasceu em Vieira de Leiria, começou no pequeno Vieirense e aos 13 anos mudou-se para o Sporting e para a Academia de Alcochete. Chorou, chegou a ter as malas feitas, mas Pedro Ferreira aguentou e ficou oito anos ligado aos leões. Foi quase sempre titular, duas vezes campeão nacional, só que a transição para sénior correu mal e nem um jogo fez pela equipa B. 

Agora no Aalborg e eleito para a equipa ideal da liga dinamarquesa, Pedro Ferreira abre o coração ao Maisfutebol e fala sobre a longa ligação ao Sporting, acabada de forma frustrante e condicionada, também, por duas lesões graves. Ficam as boas memórias das noites em que fugia para o jacuzzi, das guerras com balões de água e das boas amizades com Max, Daniel Bragança e Jovane, todos integrados na equipa principal dos leões.
 

PARTE I: «Nenhum clube em Portugal pagaria por mim o que o Aalborg pagou»

Maisfutebol – Quais são as memórias mais fortes da infância em Vieira de Leiria?
Pedro Ferreira – Andava muitas vezes à porrada com o meu irmão (risos). Vivia numa rua sem saída e jogávamos à bola à vontade. Não havia carros e a baliza era o portão. Estávamos a três quilómetros da praia e lembro-me de ir de bicicleta para lá, no verão. O meu irmão Bruno jogou futebol no Vieirense também, mas teve uma lesão grave no joelho e decidiu parar. O meu pai chama-se José Carlos e trabalha numa fábrica de moldes, a minha mãe é a Isilda e é farmacêutica. A minha mãe agora até vibra mais com o futebol do que o meu pai (risos).

MF – Como é que reagiram os senhores José Carlos e Isilda quando o filho de 13 anos recebeu um convite para jogar no Sporting?
PF – A minha mãe nunca me gostou de ter longe. Ainda agora quando vim para a Dinamarca foi a mesma coisa. Nos meus primeiros seis meses eu mandava mensagens diárias aos meus pais, a dizer que queria vir embora. Tive as malas feitas muitas vezes. Depois no Natal tive uma conversa séria com a minha mãe. Ela disse-me que não queria um dia ouvir que eu não tinha dado futebolista por causa dela. Por ela me querer em casa. E decidi voltar a Alcochete. Fiquei contente por assinar pelo Sporting, mas o início foi duro. Ia na viagem para lá e já estava a colocar tudo em causa. Consegui dar a volta.

MF – Quem foram os seus melhores amigos no Sporting?
PF – Tive vários colegas de quarto. O Luís Vaz, de Castelo Branco, o Hélder Almeida, de Viseu. E o meu último colega de quarto foi o Diogo Sousa, guarda-redes dos sub23 agora. Sempre me dei bem toda a gente, nunca tive problemas com ninguém. Mantenho contacto com o Daniel Bragança, com o Max, com o Diogo Sousa, com o Jovane. Falo com eles todos os meses. Com o Bruno Paz também.

MF – O Max, o Bragança e o Jovane estão nos seniores. Fale-nos um pouco sobre eles.
PF – O Max sempre foi um guarda-redes acima da média e um rapaz super calmo, muito boa pessoa. O Bragança tem uma qualidade fenomenal no pé esquerdo, muito tranquilo e excelente miúdo. O Jovane era o rapaz mais engraçado do grupo, um bom amigo e um avançado rápido e poderoso.

Jovane continua a ser um dos amigos próximos de Pedro Ferreira

MF – O Pedro fazia parte dos mais calminhos ou dos mais extrovertidos?
PF – Sempre fui calminho, sempre gostei de estar no meu canto e de fazer as coisas pela calada.

MF – Quais são as histórias mais engraçadas que guarda desses dias?
PF – O melhor era mesmo ir à meia-noite para a piscina ou para o jacuzzi. O responsável passava pelos quartos, pensava que estávamos a dormir e nós íamos para lá. E também tenho saudades das famosas guerras de balões com água, dentro dos quartos ou de varanda para varanda (risos).

MF – Até onde conseguiu levar os estudos, conseguiu conciliar?
PF – Levei até ao décimo ano, mas depois foi impossível. Comecei a ir muitas vezes à seleção e passava lá duas semanas. Treinava também de manhã com os juniores e cometi o erro de começar a desprezar a escola. Descansava de tarde em vez de ir para a escola. Arrependo-me, por exemplo, de não ter aprendido o inglês como devia. Fez-me muita falta quando cheguei à Dinamarca. No Varzim aprendi um bocado porque me dava bem com um colega inglês [Levi Lumeka] e na Dinamarca tenho melhorado com a prática.

MF – Qual foi o treinador que mais o marcou no Sporting?
PF – O Tiago Fernandes. Trabalhei com ele três anos, foi ele.

MF – O Pedro tem 37 internacionalizações nas seleções jovens. Falta a seleção A.
PF – É o ponto alto para qualquer futebolista. Escutar o hino nacional antes dos jogos é arrepiante.

MF – Apesar de ter vários jogos nas seleções e de ter sido muito utilizado no Sporting, não fez um único jogo pela equipa B. Não deixa de ser estranho. Há alguma explicação?
PF – É verdade, é estranho. No meu último ano de júnior fui operado às duas tíbias. Das duas pernas, ao mesmo tempo. Creio que teve a ver com o elevado número de treinos que fiz em sintéticos. Andei um ano a jogar com dores, a tomar comprimidos antes dos jogos. Parei quatro/cinco meses, mas ainda fiz os últimos jogos da época 2016/17. Subi à equipa B na temporada 2017/18 e tinha dois jogos de suspensão para cumprir, porque tinha sido expulso no último jogo do ano anterior. Fiquei esses dois jogos de fora, continuei a treinar e nunca fui convocado. Fui falar com o treinador [Luís Martins] para perguntar o que se passava e ele disse-me que não se passava nada. Para trabalhar. Até janeiro não fui convocado para um único jogo. Em janeiro parti o quinto metatarso num treino e não joguei uma só vez. Nesse ano só fiz cinco jogos na UEFA Youth League pelos sub19. Curiosamente, no meu último jogo pelo Sporting fiz golo ao Olympiakos. Acho que merecia oportunidades, mas a vida é assim.

Pedro quando recuperava da dupla operação às tíbias

MF – O que lhe faltou para singrar no Sporting?
PF – Tive falta de oportunidades. Tinha mais do que condições para jogar naquela equipa. Tive duas leões graves em duas épocas seguidas e isso também me prejudicou. Se não fosse isso, acredito que teria ficado a jogar no Sporting.

MF – O empréstimo ao Mafra foi decisão do Sporting?
PF – Sim, não contavam comigo para a equipa de sub23 e emprestaram-me para a II Liga. No final desse ano em Mafra ainda tinha mais um ano de ligação, mas rescindimos. Senti que o Sporting já não acreditava em mim e que tinha de me desligar do clube para dar um passo atrás. E depois dois em frente, claro.

MF – O Sporting ficou com alguma opção sobre si?
PF – Sim, ficou, mas depois da minha boa época no Varzim não a quis exercer. Nunca demonstraram vontade de me voltar a ter. Não houve interesse. Tive um ano muito bom na Póvoa, num clube cheio de raça. Fez-me bem jogar no Varzim. Fui muito constante, a equipa fez uma boa época, fomos até aos quartos-de-final da Taça de Portugal e jogámos contra o FC Porto. Senti que podia dar o salto. Não o dei dentro de Portugal, dei para a Dinamarca.