Respirar fundo. Escolher o caminho certo e ser feliz. Pedro Pereira teve de se afastar do Estádio da Luz, e do plantel do Benfica, para voltar a sentir-se confortável num relvado de futebol. 

Em entrevista ao Maisfutebol, o lateral direito de 22 anos comunica com uma maturidade rara e aborda sem qualquer tipo de preconceito os dias de exigência insuportável de águia ao peito.

Pedro recorda os dias de amizade com Bruno Fernandes no balneário da Sampdoria, fala das maluqueiras de Antonio Cassano e das boleias dos colegas de equipa para os treinos da Samp. Sim, Pedro só tirou a carta de condução anos mais tarde - e com um instrutor muito especial.  

Uma entrevista de emoções fortes, um futebolista de enorme consciência.

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Maisfutebol – Aos 17 anos passou dos juvenis do Benfica para a Sampdoria na Serie A. Consegue explicar essa transferência, no mínimo, surpreendente?

Pedro Pereira – O ano acabou e chegou-me essa oportunidade. Confesso que hesitei, porque o meu segundo ano de juvenil foi muito bom e o Benfica queria integrar-me na equipa B. Estava satisfeito no clube, mas a Sampdoria garantiu-me que faria a pré-época com a equipa principal e que se o treinador gostasse de mim poderia ser integrado no plantel.


MF – E o treinador, Walter Zenga, gostou de si.

PP – Sim (risos). A pré-época foi ótima, adaptei-me depressa e em setembro, à terceira jornada, estreei-me na Serie A. O Walter Zenga é uma pessoa pura e com um coração enorme. Estou-lhe muito grato, acreditou em mim desde o primeiro dia. Pediu-me para eu jogar sem medo, sem receio. Deu-me sempre conforto emocional. Não é fácil ter um treinador a apostar num miúdo de 17 anos.


MF – Percebeu que as pessoas em Portugal começariam a olhar com atenção para si?

PP – Sim, percebi logo. Mesmo os meus colegas do Benfica ligavam para mim e queriam perceber como era possível eu estar a jogar na Sampdoria. Ainda há meses estava com eles e nos juvenis… Eles também sentiram que não era preciso ter 22/23 anos para ter uma oportunidade.


MF – Houve algum deslumbramento da sua parte? Com 17 anos seria difícil não tê-lo.

PP – Tive a sorte de ter a companhia do meu pai. A rotina era a mesma que tinha no Seixal. A dimensão era distinta, claro. Chegar a casa, ligar a televisão, ver a minha cara e as pessoas a falarem do ‘puto de 17 anos’, bem, claro que mexeu connosco. Nessa época [2015/16], eu e o Donnarumma, o guarda-redes do Milan, fomos os melhores jovens da liga italiana. Tentei nunca perder o foco.


MF – Já era titular da Sampdoria e nem idade tinha para tirar a carta de condução.

PP – Não, não podia ainda. Era o meu pai que me levava aos treinos ou então apanhava boleia de algum colega de equipa. Pensando nisso agora, de facto, é uma história engraçada. Só tirei a carta quando voltei ao Benfica, em 2017. O meu instrutor de condução, curiosamente, foi o irmão do Ricardo Pereira [Leicester]. Comecei a ser titular da Sampdoria e nem carta de condução tinha.


MF – Gostou de viver em Génova?

PP – É uma cidade muito bonita, junto ao mar. O campo de treinos tinha vista para o mar, a minha casa também. Foram tempos muito bons e joguei no mítico Estádio Luigi Ferraris.


MF – E teve o Bruno Fernandes como colega de equipa.

PP – É verdade. Antes de as pessoas em Portugal saberem que ele era bom, já eu sabia. Sempre admirei a insatisfação permanente do Bruno. Ele no início não jogava sempre e ficava super chateado. Queria sempre mais, para ele nunca era suficiente o que fazia. Notava-se que queria patamar maiores, criámos uma boa amizade. Ele está em Inglaterra e continuamos a falar muito. Somos bons amigos.


MF – Falaram antes de o Bruno assinar pelo United?

PP – Falámos muito sobre o campeonato. Ele dizia-me já há algum tempo que queria vir para Inglaterra, havia muita gente que duvidava da capacidade dele, mas já provou a todos os ingleses que está mais do que pronto para liderar o United.


MF – Como é que os ingleses olham para o futebol português?

PP – Têm muito respeito pelos clubes grandes e sabem que há futebolistas com muito talento. Apesar disso, sentem que a liga tem menos nível e desvalorizam-na um bocado. Dizem sempre que é uma liga de quatro/cinco clubes. Em Inglaterra é diferente. Um Manchester City-Bournemouth é sempre mais imprevisível.


MF – Acreditava que o Bruno teria capacidade para se tornar num jogador desta dimensão?

PP – Não estava à espera de ver o Bruno a fazer uma época como a que fez o ano passado no Sporting. Sabia que era um jogador enorme, mas ele surpreendeu toda a gente, até a ele próprio. Acho que passou a ter a noção exata do que é capaz de fazer e isso ajudou-o muito.


MF – Na Sampdoria teve outra grande personagem como colega de equipa: Antonio Cassano.

PP – (risos) O Cassano. Divertido, maluco, 100 por cento diferente. Estava sempre bem disposto, sempre a brincar, leva o futebol com diversão. Passava os dias a contar-nos histórias dos tempos da Roma, do Real Madrid, um tipo muito engraçado. Metia-se muito comigo, mesmo por eu não ter carta de condução. Senti que ele tinha um carinho especial por mim, por eu ter só 17 anos. Sempre me apoiou e defendeu, apesar de ser um grande maluco. Muito bom jogador.