Raul Gudiño viajou já este mês de fevereiro para a Madeira, para representar o União, tendo-se estreado na semana passada. Ora aproveitando o primeiro jogo do mexicano na Liga, o Maisfutebol conversou com ele sobre o passado, o presente e o futuro.

Encontrou um jovem com as ideias completamente no sítio: um discurso ponderado, mas escorreito, que lhe permite dizer onde quer chegar. E Raul Gudiño quer chegar longe, seguindo passo a passo: por isso neste momento só pensa no União da Madeira.

Pelo caminho o jovem que o FC Porto contratou em 2014 por empréstimo, que contratou em definitivo em 2015 e com o qual renovou em 2016 (até 2020) fala da FC Porto, da ambientação a Portugal e da amizade que espera manter com Casillas.

Valeu a pena sair de casa tão cedo para vir para Portugal?

Sim, sim, sem dúvida. Tudo valeu a pena. A verdade é que o sacrifício não foi só meu, foi também da minha mulher, da minha família, de muita gente, mas era uma situação que exigia uma decisão rápida e tomámos a decisão certa. Sinto-me abençoado por ter recebido uma oportunidade para vir para a Europa.

A sua esposa viajou consigo, certo?

Sim, veio comigo. Estamos juntos em Portugal.

Não teve receio de uma mudança tão grande quando se tem apenas 18 anos?

Não. Uma mudança tão grande, como disse, nunca é fácil, mas não pode dizer-se que tenha tido receio. Vim para fazer uma coisa que eu adoro, que é jogar futebol.

Foi nisso que pensou?

A verdade é que sempre olhei em frente, sempre olhei para as metas que tinha, para os objetivos que perseguia. Jogar na Europa era um sonho, como é o sonho de tantas crianças mexicanas que querem ser jogadores de futebol. Por isso senti que estava a concretizar um sonho e graças a Deus continuo cá, a seguir o meu caminho, passo a passo.

Tenho ideia que o Gudiño é o segundo guarda-redes mexicano a jogar na Europa...

Sim, sim, é verdade.

... A minha pergunta é: quando surgiu o interesse do FC Porto, sentiu que estava a caminho de atingir um patamar elevado no futebol?

Antes de mais foi uma honra ser o segundo guarda-redes mexicano na Europa. Depois sinto que não consegui nada, tenho que fazer mais: não estou a representar-me a mim, estou a representar a minha família, o meu país, muita gente que está atrás de mim, que me apoia e que não deixa que nada me falte. Tenho de conseguir mais também por eles.

Qual foi o primeiro impacto quando chegou ao FC Porto?

A primeira impressão é que é uma equipa grande, muito grande, com jogadores famosos em todo o mundo, com uma direção excelente, um clube muito organizado e ao qual vou estar sempre agradecido, aconteça o que acontecer. Quando cheguei senti que estava a concretizar um sonho, mas acima de tudo agora sinto que o FC Porto me ajudou a crescer como futebolista e como pessoa. Isso nunca vou esquecer.

A adaptação foi fácil, não só ao FC Porto mas também a Portugal?

Não, não foi fácil. Nunca é fácil. Mas tive a ajuda dos companheiros, sobretudo dos mexicanos. Primeiro encontrei Herrera e Diego Reyes, agora tinha também o Miguel Layún e o Corona, e fizemos uma família, entende? Uma família mexicana no Porto.

Passava muito tempo com eles?

Andávamos sempre juntos. Convivemos quase todos os dias e assim matávamos as saudades do México. Quando estávamos juntos, estávamos em casa.

Chegou ao FC Porto por empréstimo: percebeu logo que queria ficar em definitivo?

Desde o primeiro dia. Cheguei logo com a intenção de que vinha para ficar. Não sabia como o ia fazer, mas sabia que na minha cabeça estava só uma ideia: ficar, ficar, ficar. Trabalhei para isso e graças a Deus que o FC Porto comprou o meu passe.

O que sente que melhorou desde que chegou a Portugal?

Tudo. Tive experiências que nunca pensei ter na minha vida. Ainda agora não acredito em algumas coisas que vivi no FC Porto. Mas a verdade é que aconteceram, as imagens estão aí e isso dá-me força para seguir em frente, continuando a ser uma grande pessoa, que para mim é um ponto de honra da minha personalidade.

Que experiências foram essas?

Acima de tudo estar com pessoas que só conhecia da televisão, que via jogar na Liga dos Campeões e que eram ídolos. De repente podia treinar com eles e, sobretudo, podia conviver com eles. Eram meus amigos, grandes pessoas, que me ajudavam muito. Isso mudou a minha perspetiva do futebol. Percebi que qualquer sonho que tenhas na vida é possível de acontecer. É um grande estímulo para o futuro.

Está a falar de Iker Casillas?

Sim, uma dessas pessoas é o Iker. Estou muito grato pela amizade que tenho com ele e espero que dure muitos anos.

O que sentiu a primeira vez que esteve ao lado dele?

Foi uma experiência que não vou esquecer, por muitos anos que viva. Na altura não acreditava que estava ao lado dele. Não acreditava. Pouco tempo antes admirava os jogos dele na Liga dos Campeões, tentava aprender com ele pela televisão, e agora era meu colega no balneário...

Ele é tão simples e acessível como parece?

Sim, é uma pessoa muito boa. Estou-lhe muito agradecido, sem dúvida.

O que aprendeu com ele?

Tanta coisa... Como futebolista e como pessoa, acho que todos aprendemos com ele. Aproveitava tudo e qualquer coisa que o via fazer, que ele me dizia, que partilhava com ele para aprender e para guardar para o meu futuro. É um privilégio estar ao lado dele.

Já agora esteve ao lado de outro grande guarda-redes, que é o Helton. Faço-lhe a mesma pergunta, o que aprendeu com o Helton?

O Helton marcou a história do FC Porto e é diferente do Casillas. Não posso dizer que aprendi as mesmas coisas com eles, porque são guarda-redes diferentes. Mas há uma coisa em que são iguais: ambos me trataram como um deles. Nunca me senti o terceiro guarda-redes, excluído do grupo ou num nível mais baixo da hierarquia. Era um deles, e isso é fantástico.

Virando agora a conversa para o União da Madeira: como encarou o empréstimo?

Com muita vontade, muitas ganas de construir algo bom aqui no clube. A minha carreira no União ainda agora começou e ainda não está feito. Fui titular no último jogo, mas falta muito por fazer, tenho de dar muitos passos nesta minha nova aventura.

A adaptação a um clube pequeno, depois de ter representado o FC Porto e o Chivas, foi fácil para si?

Sim, foi muito boa. É uma equipa pequena, mas tem o mesmo pensamento do FC Porto: fazer o melhor possível. Claro que neste clube os objetivos são ficar na Liga, mas a forma como encara a luta é muito boa também. Estou cá para ajudar e quero defender até à morte o escudo do União da Madeira que trago ao peito.

Espera estar nos Jogos Olímpicos pelo México?

É um sonho que tenho, claro. Mas não estou a pensar nisso. Estou a pensar em ajudar o União e em dar tudo por este clube. Quero somar o maior número de jogos possível e quero estar em boa forma. Claro que quero os Jogos Olímpicos, quero muito, mas na minha cabeça há uma prioridade que é fazer bem o meu trabalho no União.

Mas a seleção mexe consigo...

Claro que sim. Ninguém imagina o orgulho que sinto em trazer o escudo da seleção do México ao peito. Mas sou muito de pensar no dia-a-dia, fazer as coisas passo a passo. Agora estou aqui, no União, por isso não vou pensar em coisas que nem sei se vão acontecer. Tenho de me focar nos meus objetivos imediatos e trabalhar para eles.

O Miguel Herrera, quando era selecionador, chegou a dizer que o observou para a seleção principal. Por outro lado tem milhares de seguidos no twitter e no instagram. Sente que é uma figura no México?

Sinto uma alegria muito grande por ter tantas pessoas a apoiar-me e a acarinhar-me. Sou quem sou também por causa deles, fazem tudo por mim, estão sempre atentos a tudo o que me acontece, enfim. Estou-lhes muito grato. É muito bom saber que tenho gente a acompanhar-me neste sonho.

Mas uma figura não se sente, portanto... 

Nnão posso dizer que sou uma figura. Sou um como eles. Para além disso sinto a responsabilidade de os ajudar, de lhes passar uma boa influência, para que eles sejam também boas pessoas, como eu sinto obrigação de ser.

Onde chegam os seus sonhos, onde gostava de estar dentro de cinco ou seis anos?

A verdade é que não penso muito nisso, como disse penso sobretudo no momento atual e no que tenho de fazer para ser melhor. O que vai acontecer amanhã, não sabemos. Mas uma coisa que tenho na cabeça sempre, um objetivo que nunca deixo morrer, é um dia ser o melhor guarda-redes do mundo. Cada dia em que acordo tenho esse pensamento na minha cabeça. E agora é trabalhar, trabalhar, trabalhar para isso. Não vou descansar enquanto não o conseguir atingir.

Então tem confiança de que vai ser o futuro guarda-redes do FC Porto...

Pois, isso não sei, não posso dizer o que vai acontecer. Gostava que acontecesse, mas agora estou aqui e penso apenas no União. Só quero jogar futebol e divertir-me.

Sabe que é um dos melhores guarda-redes do FIFA 16?

(risos) Peço desculpa, isso faz-me rir. Sim, sei, e a verdade é que uma grande satisfação. É uma coisa que está aí, que toda a gente pode confirmar, mas tenho de continuar a trabalhar para que o meu nível no jogo aumente também.

Quando joga FIFA costuma contratar-se a si próprio para as suas equipas?

Claro, mas como eu penso que todos os jogadores. Bem, não sei se todos, mas muitos. Escolho-me até para ver como me porto no jogo e que movimentos faço (risos).