Pedro Rebocho é um dos bons nomes no excelente Paços de Ferreira, versão 2020/21. O lateral esquerdo de 26 anos voltou em janeiro a Portugal, após três anos e meio divididos entre a França e a Turquia, e agarrou naturalmente a titularidade na defesa dos castores. 

Nesta primeira parte da entrevista ao Maisfutebol, Rebocho conta alguma das melhores histórias vividas enquanto emigrante - valem bem a pena - e confessa que teve de «chatear muito a cabeça» ao presidente do Guingamp para poder jogar por empréstimo na Capital do Móvel. 


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Maisfutebol – Em 2017 saiu do Moreirense para a Ligue 1 e para o Guingamp. Como era a vida nessa cidade?

Pedro Rebocho – Fora do futebol posso dizer que era um bocadinho deprimente. Tudo fechava cedo, o clima era muito cinzento. Eles até dizem que há sol duas vezes por dia. Gosto de cidades mais movimentadas e Guingamp era demasiado pacato. Tive de me adaptar e há sítios bonitos para se visitar. Sempre que podia ia a Paris, que fica apenas a duas horas e meia.

MF – Istambul é mais ao seu gosto.

PR – Está no meu top-3 de cidades para viver. Eu vivi no lado asiático e tem muito movimento, muita história, muitos restaurantes. A cidade é enorme, não tive tempo para visitar tudo. Apesar de gostar muito de dormir a sesta, também gosto de passear e conhecer depois do almoço. Tirar fotos, gravar vídeos, fazer um bocado de turismo.

MF – Os adeptos turcos são dos mais fanáticos. Tem, com certeza, boas histórias para contar sobre a Turquia.

PR – Muitas, mas há duas que gosto sempre de contar.

MF – Vamos a isso.

PR – Eu faço anos no dia 23 de janeiro e dois dias depois do meu aniversário fui com a minha namorada, a mãe dela e a irmã a um café em Istambul que tem um rooftop. Eu até estava meio a dormir, íamos pagar e um empregado reconheceu-me. Repararam que eu tinha feito anos dois dias antes e disseram-me que tinham uma surpresa preparada para mim. Olhei para a Joana, a minha namorada, e subimos as escadas para o terraço. Estavam lá empregados com foguetes, bolo, fruta laminada, chá e café. ‘Esta é a surpresa para ti’. Comemos, bebemos, pensámos que era uma oferta deles, porque eu não pedi nada.

MF – Teve de pagar tudo?

PR – Chega a conta, aquilo estava em turco e eu não percebi. Achei o valor demasiado alto. A minha sogra até fez um comentário: ‘às vezes as coisas que são de graça até sabem melhor’ (risos). Estou a contar e a lembrar-me. Começo a traduzir, a ver tudo direitinho e estava tudo na conta: foguetes, bolo, fruta, chá e café. O homem ainda me disse que fizeram desconto nos foguetes (risos). Fiquei chateado, claro. Não pedi nada, fizeram a tal surpresa e depois tive de pagar o que não pedi. Eu até daria uma boa gorjeta, mas assim fiquei chateado, foi um abuso. Ainda há outro episódio bom.

MF – Também em Istambul?

PR – Isso. Há lá muitos cães e gatos abandonados, infelizmente. Sempre que ia para casa do treino tinha de passar pelo túnel que fica submerso no Bósforo, debaixo de água. Há lá um controlo fronteiriço, porque aquilo separa a Europa da Ásia. Nós andávamos sempre com comida de cão e gato no carro porque queríamos ajudar os animais e nesse dia alimentámos um cão que estava muito perto desse controlo da polícia. A polícia deve ter achado estranho, mandou-nos parar, pediu o cartão de residência. Eram vários polícias, perguntaram o que andávamos ali a fazer e eles desconfiaram da nossa desculpa. ‘Fomos alimentar aquele cão’. De repente percebi que estavam a mencionar o meu nome. A partir do momento que lhes disse que eu jogava no Besiktas, mudaram radicalmente a abordagem. Como acabou a história? Convidaram-nos a tomar um chá dentro da tenda deles no controlo fronteiriço.

MF – Foi colega de equipa do Quaresma no Besiktas?

PR – Eu cheguei e ele saiu do clube duas ou três semanas depois. Conheci-o melhor, foi ótimo. É uma referência para mim, cresci-o a vê-lo jogar. Ele era um ‘chefe’ no balneário, foi importante na minha adaptação. Ajudou-me em tudo o que precisei. Aqui em Portugal falámos apenas no Paços-Vitória. O que tínhamos em comum era o clube, não estivemos assim tanto tempo juntos para haver uma afinidade maior.

MF – Na sua cabeça, qual o cenário ideal para a sua carreira na próxima época?

PR – Tento criar poucas expetativas. Digo isto porque o ano passado não aconteceu nada do que eu idealizei. Tinha pensado jogar muito no Besiktas – havia uma cláusula no contrato que implicava a compra do meu passe se eu fizesse 20 jogos – e isso não aconteceu. O clube estava com problemas financeiros e fui mesmo colocado de parte para eu não chegar a esse número de jogos. Mais à frente isso foi alterado no contrato. Depois veio a pandemia e eles até me disseram que não contavam comigo porque eu não ia continuar. Queriam que eu saísse mais cedo, mas fiquei até ao fim da época. Estive seis meses sem jogar, o meu objetivo era voltar à Ligue 1 ou a um dos cinco melhores campeonatos europeus, e nada acabou por acontecer. Eu defendo o meu lado, o clube o deles, houve propostas e o Guingamp não me deixou sair. Fiquei até ao final de 2020, tentei dar o meu melhor, mas quando não estamos totalmente motivados e felizes… é difícil. Os resultados não estavam a ser os que prevíamos e surgiu a possibilidade do Paços. Chateei muito o presidente do Guingamp para me deixar sair e ele percebeu que era o ideal para mim nesta altura.

MF – Tem um percurso muito importante nas seleções jovens, com quase 70 jogos. Já foi pré-convocado para a Seleção A?

PR – Sei que fui pré-convocado uma vez, quando estava no Guingamp. É um objetivo que tenho. Sei o que é estar na seleção, nas camadas jovens. Sei o que é representar o meu país, estive num Mundial de sub20, a três Europeus e só não fui aos Jogos Olímpicos porque o mister Pepa na altura não me deixou (risos). Tenho essa ambição, não escondo isso.

MF – O Nuno Mendes estreou-se agora. Há boas opções para o lugar na seleção, incluindo o Pedro Rebocho, ao contrário do que acontecia antes.

PR – Portugal tem opções fantásticas para todos os lugares. Não é fácil para o selecionador escolher. A Seleção Nacional será sempre um objetivo e sei do que preciso para ser opção: tenho de estar bem e jogar regularmente, esse trabalho é meu. O resto pertence ao selecionador. A porta é tão estreita para lá chegar, não é fácil. Há muitos jogadores que mereciam a oportunidade e nunca lá chegaram. Se estiver bem e num clube bom, é mais fácil lá chegar. Os que lá estão, estão nos melhores clubes do mundo.

MF – A paixão pela música está em «stand by» ou mantém o projeto StiffWrist?

PR – O ano passado não foi fácil para mim no futebol e não senti inspiração para fazer música. Mas o projeto continua a existir. Quando não estou bem no futebol tenho mais dificuldades em escrever. O ano passado ainda lancei uma música em janeiro, depois confesso que não tenho escrito tanto como queria. Não gosto de forçar.

MF – Há poucas músicas boas sobre futebol. Já escreveu alguma coisa sobre a modalidade?

PR – Apenas sobre uma lesão que tive. Chama-se ‘Fíbula’, que é um sinónimo de perónio. Escrevi mais sobre a forma como encarei essa adversidade. Talvez mais uma ou outra passagem, mas não uma música sobre futebol. Quando faço música prefiro não pensar muito sobre futebol.

MF – Quando era pequenino, em Évora, qual era a sua referência como futebolista?

PR – Não tinha pósteres, mas o meu ídolo era o Ronaldinho Gaúcho. Fui a um torneio a Barcelona com o Juventude de Évora, com nove anos, e o meu pai comprou-me a camisola dele. Foi a única camisola que comprei. O meu pai, neste caso. Depois o meu pai pintou-me o quarto e fez o símbolo do Barcelona na parede. Foi sempre o meu ídolo, foi o jogador que mais me impressionou antes de aparecerem o Messi e o Cristiano.