* Enviado-especial do Maisfutebol aos Jogos Olímpicos
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Não é uma criação de Uderzo e Gosciny. Não pega em menires. Não persegue romanos colonizadores. Não caça javalis nas inexpugnáveis florestas gaulesas. Não sorve canecas de cerveja em segundos, como se fosse acometido por toda a sede do deserto.

Não, nada disto se aplica a Tsanko Arnaudov, o Obelix da comitiva portuguesa nos Jogos Olímpicos. Porquê a comparação, então? Anotem.

Tsanko caiu no caldeirão da poção mágica da família Arnaudov. Mede 198 centímetros, pesa 155 quilos, é lançador do peso e medalha de bronze nos Europeus de julho.

Tal como Obelix, de resto, Tsanko Arnaudov é um gigante de coração gentil. É um «brincalhão de bom trato e feliz», um homem simples.

A dias da estreia nos Jogos Olímpicos, o enorme atleta concede uma entrevista ao Maisfutebol. Para contar a sua história, ainda desconhecida, aos portugueses e garantir que vai andar «perto dos melhores do mundo» na final do lançamento do peso.

«Se lá chegar, claro».

O que mais impressiona em Tsanko, além da colossal fisionomia, é a correção do Português. Nasceu na pequena cidade de Gotse Delchev na Bulgária – a 200 quilómetros de Sófia – e foi para Portugal com 12 anos.

A conversa está marcada para a Aldeia Olímpica. O repórter aperta a medo a mão a Tsanko, mas o receio desaparece com o primeiro sorriso. «Sente-se aqui neste banco, eu sento-me nesta pedra. Aqui sei que estou seguro».

E o pesado banco lá vem, como se fosse um inseto esmagado na poderosa manápula de Tsanko, o Obelix português.

Tsanko Arnaudov (à direita) no pódio dos Europeus

Quais são as principais memórias da sua vida na Bulgária?
«Gargalhadas e neve. O que eu mais adorava era brincar na neve. Não ligava muito ao desporto. Queria brincar e brincar. Só passei a ligar mais ao desporto quando fui para Portugal».

Começou de imediato no atletismo?
«Não, primeiro joguei andebol. Era guarda-redes e pivô. Fazia os dois papéis na equipa. Mais tarde, aí pelos 14/15, fui para o Abrunheira (URCA) praticar meio fundo no atletismo. Por influência de amigos».

Já me falou de andebol e meio fundo. E o lançamento do peso?
«Eu nem sabia o que era isso (risos). A primeira vez que experimentei foi numa entrega de troféus no Estádio Nacional, na pista principal. Havia uma prova de demonstração e venci-a. Sem nunca ter lançado antes. Tinha 15 anos».

Nunca tinha experimentado e ganhou logo a prova?
«Sim. Disseram-me para lançar com força e foi o que fiz. O meu corpo desenvolveu-se bastante e percebi que no meio fundo não teria hipóteses. Os meus treinadores acharam que eu tinha força e talento para os lançamentos».

Os seus pais ou irmão tinham alguma ligação ao desporto?
«Não, nenhuma. O meu irmão até queria, mas tem um problema de respiração desde nascença».

São altos ou o Tsanko é o maior?
«Somos todos altos (risos). Mas eu sou o maior. O meu pai e o meu irmão medem 1,90 metros, a minha mãe mede 1,76 metros».

Foi sempre o maior e o mais forte entre os seus amigos?
«Fui sempre o mais alto e o mais forte. E os portugueses são por regra mais baixo do que os búlgaros. Destaquei-me dessa forma e abri algumas portas».

Quando é que o seu pai chegou a Portugal?
«O meu pai chegou a Portugal em 1999. Já lhe perguntei várias vezes a opção por Portugal, mas nem ele sabe explicar. Houve uma crise política e financeira muito grave na Bulgária. Os meus pais tinham duas crianças para criar – nasci em 1992 e o meu irmão em 1993 – e decidiram procurar uma vida melhor fora do país».

Ele viajou sozinho?
«Sim. Depois a minha mãe veio em 2003, eu em 2004 e o meu irmão em 2005».

Foi fácil arranjar emprego?
«O meu pai teve muitas dificuldades. Esteve uns meses sem nada e começou posteriormente a trabalhar numa empresa chamada Jodofer, na área da construção civil. A minha mãe foi para um restaurante. Começou a lavar pratos e hoje é gerente».

E para uma criança de 12 anos foi fácil mudar de país?
«Para mim foi duro, sinceramente. Inscrevi-me no sexto ano, mas não sabia nada de Português e regredi um ano. Tive de ir para o quinto e foi difícil. Reprovei. Fui para a escola a zero, não falava nada de Português. Só um bocadinho de Inglês».

Abdicou dos estudos?
«Não, os meus pais nunca mo permitiriam. Já acabei o 12º ano e vou para a Faculdade. Entrei no curso de Gestão de Empresas de Segurança. Já estou ligado à área de Segurança e acho interessante. Gosto. Tenho a minha vida bem direcionada».

Está nos Jogos a representar Portugal. Esqueceu por completo a Bulgária?
«Não, isso é impossível. Tenho avós lá e tento falar regularmente com eles. Mas já não vou ao país desde 2008. Ia em 2014, mas comecei a ter bons resultados no desporto e a minha agenda complicou».

Falemos de resultados. Está nos Jogos com que objetivos?
«Vim para os Jogos satisfeito com a minha medalha no Europeu. Esta época tem sido fantástica. Não pensava nessa medalha. Agora, aqui, o objetivo é estar na final. A partir daí… acho que posso estar perto dos melhores».

Sempre teve o objetivo de estar numa Olimpíada?
«A primeira vez que me interessei pelos Jogos foi em 2008. Por causa do Nelson Évora. Mas ligava pouco a desporto, sinceramente. Só nos últimos anos é que esta ideia cresceu dentro de mim».

Imagino que um rapaz da sua envergadura não tenha grandes limitações alimentares…
«Geralmente não (risos). Alguns dias antes da prova começo a ter algum cuidado. Mas geralmente não tenho grandes limites, não. Adoro a comida da minha mãe, tudo o que ela faz é ótimo. E eu como muito, obviamente».

No dia 18 de agosto, no que vai pensar quando acordar?
«Não sei no que vou pensar, mas sei o que vou fazer. Tenho uma rotina que resulta bem em dias de provas: acordar bem disposto, brincar com o meu treinador, ouvir a minha música e comer bem. Tento não dramatizar».