O treino acabou e Carlos Mané chega de sorriso aberto à entrevista com o Maisfutebol. Percebe-se rapidamente que está de bem com a vida em Vila do Conde. Uma vida sem dores, recuperado que está de duas lesões gravíssimas. Duas lesões que quase lhe roubaram a carreira. 

Mané, como é tratado por todos nos Arcos, fala desse período negro, mas sem nunca largar o sorriso. É um menino bom, um menino de 25 anos e já chefe de família. Tem duas filhas e a esposa consigo no Norte do país e está apaixonado pelo conforto do lar. 

Nesta conversa dividida em três partes, Carlos Mané fala aqui dos primeiros anos de vida na zona de Sacavém e de um dos maiores sustos apanhados na vida. Um profissional de futebol a viver no Norte, mas sem esquecer nem renegar as raízes. 
 

Carlos Mané ao lado de Eric Dier (de boné) nos infantis

PARTE I: «Estou muito feliz no Rio Ave e já jogo sem dores»

PARTE II: «Fui para o Sporting levado por um tio benfiquista»

MF – Em que zona de Lisboa nasceu e cresceu?


CM – Em Sacavém, mais propriamente no Bairro da Quinta do Mocho. Ainda vou lá muitas vezes para visitar os meus amigos. Estou muito grato a essa gente, aos verdadeiros amigos que nunca deixaram morrer os meus sonhos.

MF – Que memórias tem dessa meninice no bairro?

CM – Muitas aventuras, muita bola na rua, muitas saídas para passear e muita escola, claro. Até aos 18 anos estudei, concluí o secundário já quando vivia na Academia de Alcochete. E só não fui para a universidade porque comecei muito cedo a treinar e jogar no plantel principal do Sporting.

MF – O que faziam os seus pais quando nasceu?

CM – A minha mãe era cozinheira e o meu pai estava desempregado nessa altura. Apesar de vivermos num bairro dito perigoso, nunca me faltou apoio familiar. Deram-me sempre tudo, acreditaram sempre em mim e estou-lhes grato até hoje.

MF – Tem irmãos?

CM – Tenho três irmãos. Um com 15 anos, uma menina com 13 e outro com dois.

MF – E há mais algum futebolista em vista na família?

CM – Sim, o meu irmão de 15 anos joga no Sacavenense e faz muitos golos. Mesmo o mais pequenino, já percebemos que gosta de jogar à bola.

Mané «à Sporting» na casa dos pais

MF – Com que idade saiu de casa dos seus pais para viver na Academia?

CM – Estive em casa dos meus pais até aos 14 anos. Depois, os meus pais acharam que eu estaria melhor em Alcochete, porque o nosso bairro era perigoso. A minha mãe e o meu pai decidiram que eu levaria uma vida melhor na Academia, estaria mais concentrado no que era importante.

MF – Houve algum episódio marcante no seu bairro, algum que o tenha assustado?

CM – Vivi muitos, mas não é o momento certo para contar tudo. Mais tarde, quem sabe? Posso contar só um, para as pessoas perceberem que não era fácil. Eu tinha um grupo grande de amigos, andávamos sempre juntos, dia e noite. Certa vez, já não sei porquê, decidi ir para casa de um amigo e ficámos lá a jogar Football Manager. Tínhamos a janela aberta e víamos, lá em baixo, os nossos amigos. Estavam encostados ao prédio. De repente aparece um carro, do nada, e ouvimos tiros. Um susto! Viemos a saber que foram disparados 15 tiros sobre o grupo dos nossos amigos.

MF – Alguém morreu?

CM – Por milagre, não. Ainda bem que fiquei a jogar Football Manager. Havia algumas rivalidades estúpidas com outros bairros e aconteceu isso.