Em 2011, Lucas Piazón era um dos wonderkids da moda. Tinha 17 anos e o Chelsea aceitou pagar 7,5 milhões de euros ao São Paulo pelo seu futebol. Quase uma década depois, Lucas joga no Rio Ave e confirma possuir um talento fora do normal. No histórico jogo contra o AC Milan, realizado na passada semana, o ainda jogador dos blues foi um dos melhores em campo. 

Pegou na bola, aceitou a responsabilidade, lutou, correu e jogou muito. Na entrevista ao Maisfutebol, Piazón, 26 anos, confessa que o seu futebol cresce nos dias em que o jogo é grande, mais mediático. Um futebolista que também joga bem com as palavras.  

PARTE II: «Para o Chelsea passei a ser só mais um negócio»

PARTE III: «Os treinos do Villas-Boas e do Mourinho eram semelhantes»

Maisfutebol – Fez contra o AC Milan a sua melhor exibição com a camisola do Rio Ave?
Lucas Piazón – Diria que foi uma das melhores, sim. Também fiz um bom jogo na Luz, contra o Benfica, para a Taça da Liga. Desta vez, na verdade, toda a gente viu o Rio Ave e esse é um detalhe importante. O AC Milan vinha de um bom momento, sem derrotas, e sabíamos que ia ser difícil. Tentei dar o meu máximo e acho que quase todos os jogadores fizeram uma grande exibição. O desafio passa a ser outro: manter este nível no campeonato.

O que sente um jogador depois de perder daquela forma contra o AC Milan?
O jogo foi muito igual, equilibrado. Estivemos por cima durante grande parte da partida. Bem, foi muito difícil adormecer. Ao pequeno-almoço do dia a seguir ainda estava cansado (risos). Não é fácil. Cheguei a casa carregado de adrenalina, não dava para dormir. Demos uma grande imagem do Rio Ave e representámos bem Portugal na Europa.

Que imagem tinha o Lucas Piazón do Rio Ave antes de chegar a Portugal em 2019?
Bem, antes de eu vir para cá falei muito com o mister Carvalhal. Ele conhecia-me do Championship e convenceu-me a aceitar este desafio. Por isso não fiquei surpreendido ao chegar e a ver as boas condições que o Rio Ave dá. Temos dois bons campos para treinar, é tudo muito perto, a minha casa é aqui ao lado, a estrutura é bastante organizada e dá-me todas as condições para jogar o meu futebol. Ainda por cima, o Rio Ave quer jogar bom futebol, quer ter a bola e qualidade de jogo. O mister Mário Silva quis manter o estilo da equipa: posse de bola, pressão alta e jogar sempre de igual para igual contra qualquer equipa. Os jogadores são quase os mesmos e isso também é muito relevante.

Em que posição o Lucas se sente mais confortável?
Quando cheguei à Europa comecei a jogar sobretudo pela esquerda. Um extremo esquerdo que procurava zonas interiores. Adorava essa posição e joguei aí vários anos. Mais tarde, no meu segundo ano no Fulham, o mister Jokanovic colocou-me na direita. No Rio Ave, com o Carlos Carvalhal, também joguei aí, gostei e fiquei. Tenho jogado quase sempre na direita e gosto muito.

Jogou em Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e Holanda. Onde coloca a liga portuguesa nessa hierarquia?
Coloco bem acima. As pessoas de fora não têm uma ideia real sobre o campeonato português. Já joguei em muitos lugares e posso dizer que em Portugal os jogos são mesmo muito competitivos. Este ano, os clubes reforçaram-se muito bem e vai ser interessante ver como se comportam algumas equipas.

O Rio Ave continuará ambicioso e a tentar a qualificação europeia?
Vamos continuar atrás da melhor versão do nosso jogo e repetir, pelo menos, o que fizemos na época passada. Fizemos uma temporada ótima e a meta é essa, repetir a época anterior. A equipa é praticamente a mesma, há excelentes opções e podemos fazer mais um grande ano.

Marcou quatro golos em Portugal, dois ao Sporting e um ao Benfica [o outro foi ao Santa Clara]. O seu futebol cresce nos dias dos grandes jogos?
(risos) Sempre gostei desses jogos, desde pequeno, o meu futebol cresce nesses dias. Tive um treinador no Reading que me dizia muitas vezes isso: «Você joga sempre bem contra as equipas lá de cima, contra as equipas mais pequenas demora sempre a entrar no jogo». Tento entrar motivado em todos os jogos. Tive muitos altos e baixos na minha carreira, mas a verdade é que muitos desses altos foram contra as equipas mais fortes. Aconteceu agora fazer um grande jogo contra o AC Milan.

E quais são os níveis de motivação quando olha para uma bancada e não vê adeptos?
No início, sinceramente, lidei bem com isso. Nessa altura queríamos era acabar o campeonato, faltavam só dez jogos e queríamos qualificar-nos para a Liga Europa. Agora está a tornar-se estranho, temos a sensação de que falta sempre alguma coisa. São tantos jogos, tanto tempo, que isto está a perder um bocado de graça. Acredito que as coisas podem voltar ao normal em breve.

Já que falamos em adeptos, está a gostar de viver em Vila do Conde e em fazer parte da comunidade? Foi fácil adaptar-se à cidade, depois de tantos anos em Londres?
Muito fácil. O clima no inverno pode ser duro, mas no verão é ótimo. Em Londres demorava 45 minutos a chegar do treino a casa, aqui demoro cinco ou dez. Fui pai há alguns meses, temos um bebé e por isso também ficamos mais tempo em casa. Levo uma vida sossegada, chego a casa e pego no meu filho para dar uma caminhada, é ótimo viver assim. Tenho um filho português (risos).

Foi pai em maio, em plena pandemia. Como geriu emocionalmente a preocupação com o seu filho num período tão complicado?
Havia muitas dúvidas, muito medo de contrair o vírus. A minha mulher tinha muito medo de sair de casa quando estava grávida. Felizmente tudo correu bem, eles foram super bem tratados no hospital e estão ótimos. Temos sido abençoados.

O que gosta mais da vida em Portugal e o que gosta menos?
Bem, uma das coisas que eu gostava da vida em Londres eram os amigos que eu tinha. Porquê? Porque quase todos eles eram de fora do futebol e isso permitia desligar-me do trabalho quando estava fora dos treinos e dos jogos. Em Portugal… gosto muito do tipo de vida que agora levo, mais familiar. Os meus pais também estão cá muitas vezes, adoram Lisboa, querem estar com o neto. Só sinto falta dos meus amigos de fora do futebol, honestamente.

Qual é a grande diferença entre o Rio Ave e os clubes dos empréstimos anteriores?
Para começar, o Rio Ave deu-me a possibilidade de ficar dois anos. Não houve aquele fantasma do «em maio ele volta ao Chelsea». E isso faz toda a diferença.