«Os espiões magiares» é uma série de três conversas com jogadores portugueses que jogam na Hungria e que, ao Maisfutebol, fazem a antevisão da estreia da «equipa das quinas» no Euro 2020 frente à seleção anfitriã, na Aréna Puskás, em Budapeste.

Rui Pedro é o português que há mais anos joga na Hungria. Depois de ter jogado na Roménia e na Bulgária, o médio 32 anos veio para Budapeste para jogar no Ferencvaros, clube mais popular do país, e em quatro anos representou o Haladas, o DVTK e na última meia época o Mezokovesdi.

Sobre o futebol húngaro, o jogador formado no FC Porto – e que chegou a representar a equipa principal dos dragões em 2007/08 – destaca a evolução nas infraestruturas e a paixão dos adeptos. E para o jogo de estreia de Portugal no Europeu, na próxima terça-feira (15 de junho) frente à seleção magiar, deixa um alerta: atenção a Adam Szallai e a Roland Sallai.

Comecemos pelo que interessa aos adeptos portugueses: o que é que a Seleção Nacional tem de fazer para entrar neste Europeu a ganhar frente à Hungria?

Desde logo, tornar o jogo dinâmico. É por aí que a qualidade individual dos nossos jogadores pode fazer a diferença. Há que ter paciência. Eles não têm jogadores extremamente rápidos, mas vão tentar aproveitar os nossos erros. Vão criar-nos dificuldades, apesar de sermos favoritos. Desde 2008 que Portugal não entra a ganhar no Europeu. É importante neste grupo complicado fazer já os três pontos no primeiro jogo.

Quais os pontos fortes desta seleção da Hungria?

Conheço bem a seleção e acompanhei a fase de qualificação deles. O último jogo que Portugal fez contra a Hungria foi em 2017, em Budapeste, e ganhámos 1-0, mas foi um jogador deles expulso aos 30 minutos – um colega de equipa meu, curiosamente. Desde 2017 até agora tiveram um crescimento grande. Mudaram de selecionador. O Marco Rossi é um treinador experiente, que privilegia muito a parte defensiva, pelo que espero uma equipa a jogar num 5-3-2, com três defesas quando ataca, mas cinco a defender.

Apesar de jogar em casa acredita que a Hungria abordará o jogo de forma cautelosa?

Vão dar a iniciativa a Portugal. Não são uma equipa de pôr uma intensidade muito alta no jogo. Acredito que vão dar-nos a posse de bola, baixar as linhas e esperar pelo contra-ataque. E depois têm uma mais-valia: são uma seleção forte nas bolas paradas.

Sem Szoboszlai, a grande figura da equipa, quais são as individualidades a que Portugal terá de estar mais atento?

Aqueles dois jogadores que jogam na frente são os que nos vão criar mais dificuldades. O Adam Szallai, do Mainz, mais físico, alto, poderoso, e o Roland Sallai, do Friburgo, que é melhor tecnicamente. Isto, claro, porque o Dominik Szoboszlai [do Leipzig] ficou fora do Europeu, por problemas físicos. Na defesa, destaco também o Loic Nego, um jogador francês naturalizado, que é rápido e forte. Cerca de metade dos jogadores desta seleção disputam o campeonato húngaro. São bons jogadores e alguns são tecnicamente evoluídos.

E haverá também a pressão de um estádio com mais de 60 mil adeptos a puxarem pela Hungria.

Costuma de se dizer que os nossos jogadores estão habituados a esses ambientes, e estão, mas a verdade é que há mais de um ano que não lidam com essa pressão de enfrentar um estádio cheio, o que vai ter um efeito positivo na seleção húngara. Aquilo que se vai ver no estádio impõe respeito. Os adeptos gostam de apoiar as suas equipas, mas com a seleção é uma loucura. Nos jogos de qualificação, mesmo contra seleções fracas, o estádio esgota sempre. Não é por acaso que este será o único estádio do Euro que vai estar cheio. Eles são fanáticos pela seleção, vão ser o 12.º jogador.

Pelo que conhece do país, é razoável já fazer um jogo sem restrições de público?

Eles começaram a vacinação em massa já a preparar o Europeu. Quem tem o cartão verde, atribuído a quem já foi vacinado, pode entrar no estádio. Aliás, os últimos dois jogos do campeonato já tiveram adeptos nas bancadas. Já foi um teste àquilo que se vai passar no Euro. Além disso, acolher o Euro na Hungria é muito importante para o governo, que investe forte no futebol como forma de agradar a população.

O Rui Pedro já teve covid no ano passado. Como lidou com a doença?

Aconteceu em meados de outubro. Fiz 90 minutos de jogo como se nada fosse. Estava constipado e tentei colocar o Vick no balneário, mas não sentia o cheiro. Estranhei, mas entrei em campo. Quando acabei o jogo, alertei o médico e ele mandou-me imediatamente fazer o teste. Resultado: positivo. E curioso é que a minha mulher teve sempre negativo.

O Rui Pedro jogou na Roménia pelo Cluj, onde fez aquele célebre hat-trick na Liga dos Campeões, e na Bulgária pelo CSKA. Que diferenças encontra entre esses dois países e a Hungria?

A Hungria é um país mais desenvolvido e organizado, tem infraestruturas muito melhores para o futebol, fruto do grande investimento em estádios e academias nos últimos anos. As equipas da I e II Liga têm quase todas estádios novos, além da Puskás Aréna, que é inacreditável. Para lá desse aspeto, o futebol húngaro teve um desenvolvimento enorme nestes últimos quatro anos. Quase não conseguiam pôr equipas nas competições europeias e neste último ano o Ferencvaros já participou na fase de grupos da Liga dos Campeões, o que não é fácil: tiveram de eliminar o Dínamo Zagreb e o Celtic. Nos últimos dois ou três anos, já conseguiram meter também equipas na fase de grupos da Liga Europa.

Rui Pedro ao serviço do DVTK

Essa evolução decorre também da maior competição interna?

Sem dúvida. O campeonato é competitivo. A primeira divisão joga-se com 12 equipas, o que torna tudo mais equilibrado. O Ferencvaros e o MOL Vidi Féhérvar (antigo Videoton) destacam-se, mas as outras dez estão a lutar taco a taco com os mesmos objetivos. Para ajudar ao desenvolvimento a nível interno, na II Liga só podem jogar húngaros ou naturalizados para ajudar o crescimento dos jovens. A regra é aproveitar os jogadores nacionais para fazê-los crescer. Deu-se o caso curioso, há dois anos, o Vasas –equipa cujo estádio servirá de centro de treinos à seleção portuguesa – ter contratado o melhor marcador da I Liga para jogar na II Liga. E ele não se importou de dar esse passo atrás. É um exemplo de grande investimento que alguns clubes fazem para subir.

A diferença de Roménia e Bulgária para a Hungria nota-se também em campo?

Na Roménia, o jogo mais técnico e mais intenso, e na Bulgária também tem semelhanças. Mas na Hungria o futebol é mais físico, mais germânico. Há uma grande exportação de jogadores para a Alemanha. Geralmente, eles fazem a ponte para a segunda divisão alemã e passado algum tempo de adaptação dão o salto para a Bundesliga.

Como foi esse impacto quando chegou à Hungria?

Tive de adaptar o meu jogo. Gosto mais de ter a bola, sou um jogador mais técnico e tive de rapidamente me encaixar num futebol mais de contacto físico e de duelos. Eles apreciam jogadores portugueses por causa da técnica. Como são jogadores tão físicos têm de ter dois ou três mais tecnicistas para fazer a diferença. Foi o meu caso.

Como tem sido a sua vida na Hungria?

Estive um ano e meio no Ferencvaros, seis meses emprestado ao Haladas, onde fui eleito o melhor médio da Liga, entretanto apareceu o DVTK, que é provavelmente a segunda equipa com mais adeptos, e assinei dois anos. Cumpri um ano e meio e nestes últimos seis meses fui para o Mezokovesdi. A língua é muito difícil, pelo que é difícil fugir da rotina casa-trabalho comum em tantos emigrantes. Quando fui para o DVTK mudei-me para Miskolc, onde a vida é incomparável com Budapeste. Mas é um sítio tranquilo para morar com a minha mulher a as minhas três filhas.

Tem planos para o seu futuro imediato?

Está em aberto. Existe a possibilidade de voltar a Portugal neste defeso. Vou aguardar para ver e depois decidir.