Sá Pinto: Abel, de ajudante a treinador, e as memórias de 2011/12

Sá Pinto feliz no Legia: «Não quero fazer uma colónia de portugueses»

A Polónia é sua a quinta aventura estrangeira, depois da Croácia, Arábia Saudita, Grécia e Bélgica. Onde lhe custou mais a adaptação?

Na Arábia Saudita, sem dúvida. Por razões óbvias: são muito diferentes de nós, a língua, a cultura, a temperatura. Quase não podíamos treinar durante o dia e mesmo à noite estavam quase sempre 30 e tal graus. O sítio onde eu estava não era, por exemplo, como é onde está agora o treinador Jorge Jesus, que está na melhor cidade da Arábia e que certamente vive num «compound» onde há restaurantes e pode beber até um copo de vinho ou comer uma comida a que esteja mais habituado. No sítio onde eu estive não era tão normal, era uma cidade pequena, ainda muito fechada em algumas situações, onde se rezava cinco vezes ao dia, estive duas vezes num supermercado e fiquei fechado uma vez porque iam rezar e eu não sabia nem os percebia... só passado meia hora é que abriram as portas. Nos restaurantes tinha de ir para a parte dos homens, nos centros comerciais não podia entrar de calções - uma vez ia entrar e disseram-me que assim não podia, tinha de entrar de calças. Nas folgas, como vivíamos muito perto do Bahrein, íamos para lá para estarmos mais à vontade. Não havia restrições e mesmo os árabes iam para lá, é a chamada Las Vegas deles - um sítio muito giro que era o nosso escape e que nos ajudou a viver melhor.

E o futebol de lá?

É tudo diferente e o jogo também, os princípios deles são diferentes, mas foi uma experiência de vida muito positiva. É importante passarmos por estas experiências para valorizarmos tudo aquilo que temos. Se estivesse na melhor equipa, com os melhores jogadores, a lutar por títulos, a viver num condomínio que é tipo cidade, era muito mais fácil. Na minha realidade não. Eu vivia num condomínio que era aberto a toda a gente, as restrições eram iguais e eu tinha de me reger pelas regras deles. Sempre me respeitaram e me senti seguro, não houve nenhum problema, mas é uma realidade diferente.

Jorge Jesus, Hélder Cristóvão, Pedro Emanuel e agora Rui Vitória… o Ricardo voltava?

A voltar teria de ser com determinado tipo de condições completamente diferentes. Dubai talvez, Catar... não digo que não, se houver condições.

E da Bélgica guarda boas recordações, não é? Foi onde ganhou o primeiro título enquanto treinador de uma equipa sénior…

Sim, já tinha estado numa final com o Standard como jogador e fui o primeiro treinador português a ganhar um título na Bélgica, que é algo de que me orgulho. Foi uma época fantástica. Também cheguei num contexto como o do Legia…tenho tido essa pontaria: chego sempre aos clubes numa altura em que ou há questões financeiras ou de resultados, mas por vezes não podemos escolher aquilo que queremos e temos de nos sujeitar ao mercado e às oportunidades para continuarmos dentro deste jogo fantástico que é o futebol e desta profissão que adoro. Costumo dizer que tenho a felicidade de ter conhecido duas grandes paixões profissionais: primeiro como jogador e agora como treinador. Há muita gente que se calhar nunca se apaixona pelo que faz e eu tenho essa felicidade. Isso é algo que me deixa satisfeito e o ideal não está em lado nenhum. Não sou só eu a dizer isto, os treinadores nunca têm tudo aquilo que querem em nenhuma equipa. É uma profissão de risco e muito volátil, de muita incerteza, onde existem muitas variáveis para alcançar o sucesso e são cada vez mais porque a oferta é maior, há mais treinadores de qualidade, os segredos dentro do futebol são cada vez menos. Há 20 anos não havia departamento de scouting, hoje em dia há tudo.

E há quem espie as outras equipas e acabe detido…

(risos) Já sei, por causa do Bielsa não foi? Ele não fez nada que qualquer um de nós não «pudesse» fazer, desde que não seja contra alguém ou ilegal. Eu se estou num sítio e posso observar a equipa que vai jogar contra mim, se for aberto e puder ver, vou ver mas se tiver de deitar uma parede ou um vidro abaixo, aí já não concordo. Mas achei piada a este episódio do Leeds. O Bielsa é, o que se costuma dizer, «um bom louco do futebol». Pensa em tudo, pensa diferente e é à custa de muitos Bielsas que o futebol tem evoluído. Há coisas que internamente vou arriscando em termos de exercícios, comunicação, mas em termos exteriores não gosto de ter um protagonismo desmedido ou arriscar muito naquilo que é uma incerteza.

O Sá Pinto também tem bons episódios… lembra-se daquela flash interview na Bélgica após o jogo com o Anderlecht que se tornou víral?

(risos) Sim, o tipo que me entrevistava era um tipo muito conhecido pela malandrice nas perguntas, pela forma como entrevistava as pessoas, era um tipo engraçado e eu até tinha e tenho boa relação com ele. Naquela flash tinha os assessores ao lado e ia olhando para eles. Não quis deixar de falar sempre em francês, porque era melhor, e eu conseguia exprimir-me. Não deixei ter a razão toda do meu lado e quis ser o mais assertivo possível em francês e, para não cometer nenhuma gaffe em termos de vocabulário, tenteie esforçar-me. Mas o momento que levou a isso é que foi importante.

Estávamos em casa do Anderlecht a ganhar por 1-0 nos quartos de final da Taça, levei com um copo no pé, senti-me molhado e ouvi um estrondo. Como o árbitro tinha dito que se mandassem mais alguma coisa o jogo acabava, usei as armar que podia. Nem sabia se tinha sangue ou não, só senti isto [aponta para a zona do tornozelo] frio, caí e olhei para a bancada à espera que o árbitro viesse. E ele foi, mas em vez de acabar o jogo expulsou-me e eu fiquei ‘isto não é normal’. Cinco minutos antes o jogo tinha parado, saímos todos e ele tinha dito isso. Portanto, eu sabia que ia acabar o jogo e usei as regras e o que ele disse, eu não andei ali às voltas, fiquei sentado. Foi hilariante, estava a mil e mil é pouco.

Depois na flash interview tentou explicar isso…

Sempre lidei mal com as injustiças. Não sou perfeito e há erros que posso ter cometido, mas ali tinha a razão do meu lado e podia ter custado a eliminação e uma Taça. Isso foi o princípio desse momento que acabou por ser engraçado, eu ri-me e rimo-nos todos. Felizmente ganhámos a Taça e fizemos um percurso fantástico, levamos com as equipas todas.