Entra em cena num daqueles momentos de paragem no futebol. Quando algum jogador do Paços de Ferreira se lesiona, é uma mulher que salta do banco de suplentes para se inteirar do estado físico dos atletas. Sandra Martins é médica do Paços de Ferreira pela segunda época consecutiva e falou ao  Maisfutebol sobre a sua experiência.
 
A situação até nem é nova, basta lembrar o caso de Eva Carneiro no Chelsea, mas não deixa de ser um caso invulgar. No principal escalão do futebol português é caso único e a ortopedista reconhece que «não seria qualquer mulher que se propunha a este trabalho».
 
Mas, a vontade de Sandra Martins era diferente. Não se intimida num mundo maioritariamente de homens, e admite que este era um objetivo antigo. «Sabia que era difícil, quase impossível, mas já na faculdade dizia que queria trabalhar num clube», refere a portuense com um sorriso nos lábios.
 
Deste seu desejo até integrar o departamento médico do Paços de Ferreira, foi apenas um conjugar de fatores. A Srª Doutora explica: «Estranhamente sou uma mulher que gosta de futebol, nunca de forma federada, mas já pratiquei desporto e até estava a fazer uma Pós-Graduação em Medicina Desportiva. Os colegas do hospital, que gostaram do meu trabalho e já estavam no Paços de Ferreira, convidaram-me para me juntar à equipa».
 
«Família estranhou um pouco, marido adorou»
 
Emprego diferente, podendo até considerar-se uma aventura ousada. Sandra Martins confidenciou ao nosso jornal que alguns amigos de outras especialidades médicas até perguntam como é o dia a dia da médica do Paços que, apesar de integrar o Departamento Médico do Paços de Ferreira, também trabalha no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, em Penafiel.
 
Depois do impacto inicial, Sandra Martins não sentiu qualquer problema em abraçar este desafio na Capital do Móvel. «Não é propriamente comum uma mulher entrar a correr no campo de futebol e mesmo estar no banco de suplentes. A princípio a família estranhou, já o meu marido adorou a ideia, porque gosta de futebol».
 
As principais reações vieram dos amigos, recorda a médica de 30 anos enquanto esboça novo sorriso: «Não me livrei de uma fase de gozo em que os meus amigos vinham com piadas de balneário e em que diziam que ia andar no meio deles. Nos primeiros jogos foi engraçado. Depois de entrar em campo recebia mensagens dos amigos. A primeira vez até foi um amigo nosso, que por brincadeira mandou ao meu marido uma fotografia minha, quando apareci na televisão».  
 
Ossos do ofício, nada de extraordinário nem capaz de tirar a motivação à médica do Paços. Passada a tal fase inicial, Sandra Martins, assume que o seu ingresso nos «Castores» foi encarado com naturalidade: «Nunca em momento algum fui posta de parte.»
 
Adrien, os árbitros e as decisões técnicas
 
Feitas as apresentações, fica a curiosidade de como se processa o quotidiano de uma senhora nos corredores do futebol e no banco de suplentes. «Nada de muito rebuscado ou com grande história» relata a Doutora Sandra, revelando que os dias da semana de um jogador são sempre muito parecidos.
 
«Temos lá o Departamento Clínico, neste momento somos dois médicos, e funciona tudo muito bem. Normalmente vou para o meu gabinete, acompanho os jogadores lesionados e a sua evolução. Se precisarem de alguma coisa estamos lá para tirar todas as dúvidas», diz Sandra Martins.
 
Em dia de jogo o caso muda de figura. Adepta do FC Porto, mas já rendida ao Paços de Ferreira, a ortopedista não consegue ficar indiferente ao calor e às emoções do jogo. Já se percebeu que Sandra Martins encarou a conversa com o  Maisfutebol de forma aberta e sempre disponível para soltar sorrisos. Foi dessa forma que encarou a sua postura no banco de suplentes.
 
«Não devia, mas é inevitável em certos momentos não reclamar com o árbitro. Tenho que me levantar e festejar quando há um golo. O momento de maior pressão é quando alguém se lesiona: tenho de fazer o meu trabalho, o treinador quer respostas rápidas, o jogador só pensa em jogar e o árbitro começa logo a ameaçar que chama a maca», explica.
 
Já confirmou que é uma apaixonada por futebol, embora não se assumindo como especialista na matéria também tem os seus conhecimentos de bola. E como é em relação ao treinador?
 
Mais sorrisos: «Deste treinador (Paulo Fonseca) ainda não questionei as decisões, até porque ainda só se proporcionou estar em dois jogos esta época. Confirma-se o que me tinham dito, é uma pessoa muito acessível e tudo funciona bem; mas com outros já dei por mim a questionar as opções».
 
A carreira de Sandra Martins como médica de um clube de futebol está ainda a começar, o Paços de Ferreira foi a primeira e única experiência até agora, e a doutora tem passado despercebida. Sem grandes alvoroços vai cumprindo a sua função. Um dos momentos mais conturbados aconteceu no passado domingo, no empate alcançado pelo Paços em Alvalade.
 
«Nunca me tinha acontecido assim nada de extraordinário, a situação mais constrangedora aconteceu no domingo. Um jogador do Sporting, o Adrien, acusou-me de o ter empurrado. Apenas lhe pus a mão para poder passar. Apeteceu-me dirigir-lhe uma série de impropérios. Até já me disseram que é um rapaz muito calmo, foi o calor do jogo», recorda a médica admitindo também ela ter entrado na pressão do momento.
 
  «Enquanto me quiserem, é para continuar…»
 
Esta aventura no Paços de Ferreira até veio amenizar a questão futebolística lá em casa. Adepta confessa do FC Porto, casou com um adepto do Benfica. No meio disto tudo está o Paços de Ferreira, clube que os dois também abraçam como seu e aprenderam a gostar.
 
Não se arrepende da decisão tomada, e sente-se bem num mundo quase limitado apenas a homens. Nunca foi discriminada e até se sente parte integrante da equipa: «Ninguém me trata de forma diferente e nunca em momento algum fui posta de parte. Lá dentro sinto-me um deles».
 
Por parte dos jogadores de Paços o sentimento é recíproco: «Nunca estranharam, encararam tudo muito bem. Não estão de pé atrás e não se acanham em pedir seja o que for. É um clube pequeno, o que facilita, porque são todos muito humildes e sem grandes manias. Dou apenas um exemplo, o Urreta: vem de onde vem e é dos mais mediáticos, mas é um miúdo espetacular.»
 
Se ainda não tinha reparado, quando vir Sandra Martins a entrar em campo nos jogos do Paços de Ferreira, vai ser ainda mais fácil constatar que está ali a juntar duas paixões: «Obviamente gosto de Medicina, foi a minha primeira opção, mas como disse adoro desporto. Conseguir ter uma atividade remunerada conciliando as duas coisas era um objetivo e é muito bom.»
 
O mote está dado, Sandra Martins continua com as suas funções no Paços de Ferreira e a intenção não é parar. «Enquanto me quiserem, é para continuar», conclui.