Patrão autoritário, pilar do centro da defesa do Santa Clara, três temporadas de grande nível nos Açores. Fábio Cardoso, 27 anos, atravessa um grande momento na carreira e afirma-se entre os melhores da posição no futebol português. 

Em entrevista ao Maisfutebol, o futebolista formado no Benfica faz o balanço da passagem pelos Açores, assume dar preferência ao mercado português e coloca-se no lote restrito dos cinco melhores defesas centrais portugueses. 

Uma conversa com um atleta maduro, um animal competitivo e uma das faces mais visíveis de mais uma boa época do emblema açoriano. 
 

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Maisfutebol – Está a viver há três anos nos Açores. Foi fácil adaptar-se à vida em São Miguel?

Fábio Cardoso – Mais fácil do que eu estava à espera. É tudo muito tranquilo, tenho qualidade de vida. Também procurava isso quando vim para cá. Foi uma escolha muito acertada e estou a gostar de viver e jogar cá.

MF – Se fosse um guia turístico de São Miguel o que sugeria aos turistas?

FC – O melhor da ilha é a beleza natural. Ajuda-nos a abstrair do futebol, a descontrair. Mesmo em tempos de pandemia, estar cá é um encanto. Já gostava de explorar a natureza e agora ainda mais. Aventuro-me q.b., em sítio mais acessíveis. Mas não vou para locais mais remotos, isso não. Aconselharia passeios pelas belezas naturais da ilha. 

MF – Que clube encontrou aí nos Açores, e após a passagem pela Escócia?

FC – Encontrei um clube feito de gente humilde e trabalhadora. O segredo do Santa Clara está mesmo ligado a quem o governa. A direção tem dado passos seguros, não quer dar passos maiores do que a perna. As coisas demoram o seu tempo, mas o clube está claramente no bom caminho. O projeto é muito bom, bem estruturado. É isso que sinto desde que cá cheguei em 2018.

MF – Tem quase 100 jogos feitos em três anos no Santa Clara. Já se sente um jogador da casa?

FC – Sinto-me, sem dúvida. Cheguei cá depois de um período duro, com seis meses sem jogar devido a uma lesão, e fui muito bem recebido. Tratam-me como se fosse mais um açoriano.

MF – O que falta para o Santa Clara ser um clube capaz de lutar anualmente pela Europa? O mister Daniel Ramos falava há algumas semanas nas limitações das infraestruturas.

FC – Sim, isso é verdade. Há prioridades, as infraestruturas estão melhores do que há três anos e a direção tem apostado nessa evolução sustentada. Esforçam-se para dar-nos tudo o que é possível. Estamos a apresentar uma regularidade desportiva muito grande e estou certo de que daqui a dois anos o Santa Clara terá ainda melhores condições e isso terá reflexos nos resultados.

MF – Falar da Europa para o Santa Clara já não é descabido. Aliás, o próprio treinador já assumiu esse objetivo para esta reta final.

FC – Não é nada descabido. É possível. O principal objetivo da época foi alcançado, a manutenção. Queríamos também fazer melhor do que o ano passado e ainda não o conseguimos [Santa Clara tem 37 pontos e fez 43 na época anterior]. Esse é o segundo objetivo. A nossa mentalidade é peculiar. Mesmo sem a manutenção assegurada, entrávamos em campo sempre para ganhar e sem pensar em contas. Se chegarmos ao último jogo e ainda for possível chegar ao sexto lugar… será ótimo. Lutaremos por isso.

MF – O Fábio está com 27 anos e numa fase muito boa da carreira. O que projeta para o seu futuro a curto/médio prazo?

FC – Estou feliz. Todos os passos me fizeram crescer e foi isso que me permitiu chegar aqui e estar a viver um bom período. Não estou no auge, posso melhorar. Quero dar o salto, claro, mas só saio do Santa Clara se valer a pena. Aqui o projeto é bom, sinto-me em casa e só troco isto por um desafio desportivamente superior. É isso que me interessa. Vou entrar agora no último ano de contrato com o Santa Clara.

MF – Já jogou num histórico do futebol escocês. No futuro dá prioridade ao estrangeiro ou preferiria manter-se em Portugal?

FC – Se puder escolher, prefiro ficar por cá. Mas depende das propostas. Quero é um projeto que me permita lutar por coisas grandes e que me aproxime da Seleção Nacional, o meu grande objetivo. Intimamente, prefiro jogar em Portugal, mas não sei o dia de amanhã. Quero dar o salto para um clube que lute por coisas diferentes e que seja um passo em frente na minha carreira.

MF – Parece haver uma ligação ótima entre o Fábio e o Mikel Villanueva (ou o João Afonso). É mesmo assim?

FC – É. Temos de dar mérito ao Daniel Ramos. Desde muito cedo colocou em prática o que idealizava para a equipa e nós acreditámos sempre no processo, mesmo quando as coisas corriam menos bem. Nunca nos desviámos do caminho. Independentemente de quem joga, a ideia é sempre a mesma. Temos uma identidade muito própria.

MF – Qual foi a melhor exibição do Fábio nestes três anos no Santa Clara? Ou, se preferir, qual foi o jogo mais marcante?

FC – Se tiver de dizer só um… vou dizer o Benfica-Santa Clara da época passada, o 3-4. Foi histórico para o clube, para nós, foi um jogo de loucos. Começámos a ganhar, eles deram a volta e depois perto fim conseguimos sair de lá com os três pontos.

MF – Sente que o futebol deste Santa Clara está a potenciar o valor individual dos jogadores? Haverá muitos clubes atentos.

FC – Para além dos pontos, o Santa Clara tem futebol. Merecíamos estar mais acima. Falhámos em determinados momentos, mas fomos sempre fieis ao nosso futebol: ter bola, mandar no jogo, independentemente de estar a ganhar ou a perder. Tentámos sempre ganhar com qualidade.

MF – Como é que se caracteriza enquanto defesa central?

FC – Depende um pouco do estilo da nossa própria equipa. E também se jogo mais na esquerda ou mais na direita. Temos de saber o que temos de fazer. Não tenho problemas em assumir o jogo desde trás, em passe ou em condução. O que me define? Penso que sou um jogador com boa leitura de jogo. Sinto que o leio bem e que percebo o que me é pedido. Acho que esse é um dos meus pontos fortes.

MF – Em três épocas nos Açores fez 11 golos e ainda na semana passada conseguiu o empate contra o Boavista já nos descontos. Esses momentos de risco total, com o defesa central a jogar como ponta-de-lança, são também treinados ou é apenas instinto?

FC – Isso não é feito por acaso. Estávamos insatisfeitos, o mister sabe que me sinto confortável nessa zona e que tínhamos de arriscar. E sentiu que a equipa, mesmo sem mim atrás, conseguiria estar equilibrada. Íamos ter bola, chegar aos corredores e precisávamos de gente na área. Foi uma decisão pensada e o mister mandou-me para a frente ainda antes dos 90.

MF – O que sente um jogador depois de marcar um golo decisivo em cima da hora? Consegue explicar?

FC – Passa-nos muita coisa pela cabeça. A mim passou a imagem da minha filha. A Vitória tem quase dois anos. Sempre que marco um golo é para ela. É muita emoção e festejar permite descarregar essa emoção toda.

MF – Dos sub15 aos sub20 somou 31 internacionalizações por Portugal. Considera estar próximo de uma chamada à seleção A, até porque o Pepe e o José Fonte estão na fase final dos respetivos percursos?

FC – Penso que sim. Pela qualidade que tenho e pelo que venho a mostrar há alguns anos, penso que sim. Mas há outras nuances que não controlo. Sinto-me com nível para ser chamado. Já joguei contra o Pepe e contra o Ruben, para mim os melhores centrais portugueses, e sinto que tenho potencial para estar entre os cinco melhores.

MF – Tem saudades de vestir a camisola de Portugal?

FC – Muitas. Isso é o máximo. Tem de ser o ponto alto de qualquer jogador, não há orgulho maior.

MF – Falava do Pepe e do Ruben. Tem alguma amizade com eles, costumam falar?

FC – Tive a oportunidade de privar mais com o Ruben. Ele era mais novo, mas já treinava connosco na equipa B do Benfica. Admiro-o muito, até por nos achar parecidos. Ele era o mais novo, nunca tinha estado na equipa B e já dava indicações nos treinos. Tem mesmo características de líder e identifico-me muito com ele. Com o Pepe nunca privei. Já falei com ele como adversário, admiro-o bastante e é incrível vê-lo tão bem com a idade que tem. Eu joguei com o Bruno Alves no Rangers e eles dois são a prova de que a idade é só um número.