Marselhês de gema, Stéphane Sparagna concretizou aos 19 anos o sonho de se estrear pela equipa principal do Olympique de Marselha. Bielsa apostou nele, Michel, que veio depois, já não.

Foi internacional pelos escalões jovens da seleção francesa e destacou-se no Torneio de Toulon. Após o empréstimo na época passada ao Auxerre, assinou esta temporada pelo Boavista.

Nesta segunda parte da entrevista ao Maisfutebol, o defesa-central francês de 22 anos fala sobretudo sobre as suas origens e desse percurso até chegar a Portugal.

Entrevista – Parte 1: «No Boavista somos todos como irmãos e o pai é Jorge Simão»

MAISFUTEBOL: O Stéphane nasceu e cresceu em Marselha. É diferente ser marselhês de ser, por exemplo, parisiense?

SPARAGNA: Grande diferença. Na pronúncia, desde logo. No sul de França, somos mais descontraídos; em Paris, os jovens vivem depressa, de forma mais séria. Há uma enorme rivalidade, não só no futebol. Cada um defende a sua cidade. Como marselhês, naturalmente, não gosto muito de Paris. E o contrário também é verdade.

Marselha tem fama de ser uma cidade violenta. É mesmo assim?

Em todas as cidades há locais mais perigosos do que outros. O meu bairro, Saint Loup, é tranquilo. Vivi toda a minha infância e adolescência ali. Andei lá na escola, comecei lá a jogar futebol, os meus amigos e a minha família são dali.

Começou a jogar no Olympique de Marselha, com sete anos. É um sonho para um miúdo, não?

Antes disso, joguei por um clube de Saint Loup, o Uspeg. Mas sim, aos sete anos comecei a jogar Marselha. Na cidade toda a gente é adepta do clube e para um miúdo é um sonho poder um dia jogar no Estádio Vélodrome, diante de toda aquela gente. Felizmente, para mim, isso tornou-se realidade.

Quando percebeu que ia ser profissional?

Muito tarde, para ser franco. Aos 14 anos, talvez, quando assinei o primeiro contrato como jogador jovem. Aí, compreendi que a coisa estava a ficar séria e que havia uma hipótese de me tornar profissional. Mesmo assim, continuei a aplicar-me nos estudos. Queria tirar um curso e ter uma alternativa ao futebol.

Que profissão queria exercer, se não fosse futebolista?

Queria ser fisioterapeuta.

Por algum motivo? É uma coisa de família?

Não. Nem a minha mãe ou o meu pai são fisioterapeutas, mas gosto dessa atividade, talvez por estar relacionada com desporto.

A sua estreia nos seniores em jogos não oficiais foi frente ao Benfica, em julho de 2014. Lembra-se desse jogo?

Claro! O clube fez uma seleção entre os jogadores mais jovens para integrarem a equipa principal nessa pré-época e fui selecionado. Durante o jogo, o Mario Lemina teve um problema no joelho e eu entrei ao intervalo para o lugar dele. Joguei toda a segunda parte. Estávamos a perder 1-0 ao intervalo e ganhámos 2-1 no final. É uma boa memória, mesmo sem ter sido um jogo oficial.

Que jogador do Benfica ficou encarregado de marcar?

Aquele avançado alto… O Cardozo! Lembro-me bem dele, sobretudo de um momento em concreto do jogo. Eu estava a fazer uma marcação agressiva, fiz-lhe um tackle e ele vira-se para mim e diz: «Acalma-te lá, rapaz. Isto é um jogo amigável!» e eu, jovem e com vontade de me mostrar, respondi-lhe: «Aqui não há amigos.»

No mês seguinte, com 19 anos, estreou-se como titular do Marselha na primeira jornada da Liga Francesa, frente ao Bastia (3-3). Como foi essa aposta do Marcelo Bielsa em si?

Fiquei surpreso. Era jovem, nem sequer era profissional. Mas o Marcelo Bielsa não se importou de correr o risco e escolheu-me para jogar a titular. Que responsabilidade... Joguei a primeira parte e saí ao intervalo. Não são todos os jogadores que podem dizer que aos 19 anos se estrearam na Liga Francesa pelo Marselha na 1.ª jornada do campeonato.

Bielsa é uma personagem, não?

É muito especial. Não fala muito. Vive para o futebol: de segunda a domingo, 24 sobre 24 horas. Ou está a preparar os treinos, ou a ver vídeos dos adversários: como defendem, como atacam… Está constantemente a pensar em futebol.

Antes dessa estreia ele falou consigo?

Mostrou-me um vídeo sobre a movimentação dos avançados do Bastia, falou-me sobre o que tinha de fazer em termos de posicionamento… Lembro-me da única vez em que conversou a sós comigo: foi para felicitar-me pela chamada à seleção de sub-21 de França.

Foi capitão da seleção francesa no Torneio de Toulon, em 2015. Logo a seguir foi chamado aos sub-21…

Marquei na final e no primeiro jogo em Toulon. Depois, no meu primeiro ano como profissional, fui chamado aos sub-21, para dois jogos com a Macedónia. Joguei com o Kimpembe, Rabiot, Tolisso, Lemar…

Alguns desses jogadores já foram chamados à seleção A francesa. Tem esse sonho?

Para ser franco, neste momento não penso nisso. Não estou a esse nível. Mais tarde, quem sabe? É um sonho jogar com a camisola da seleção francesa no Mundial.

Nessa época 2014/15 fez mais três jogos nos seniores do Marselha e no final assinou contrato profissional.

Era jovem. Tinha muito de trabalho pela frente, muita experiência a ganhar.
 

É verdade que esteve para sair para o Arsenal nesse final de época, como chegou a ser noticiado?

Assinei o meu contrato profissional no final dessa primeira época, após o Torneio de Toulon. O Arsenal… Para ser franco, não me interessava. Até porque não havia uma prova concreta do que se falava nos jornais.

Nessa segunda época jogou regularmente, até à troca de Bielsa por Michel no comando técnico do Marselha.

Bielsa deu-me confiança, tratou-me como um jogador de primeira linha. Fiz todos os jogos particulares como titular, com a Juventus, por exemplo, numa defesa a três – nós mudávamos o sistema consoante o adversário. Se Bielsa ficasse até ao final da época eu teria jogado bem mais. Infelizmente, decidiu partir por razões pessoais.

Além da troca de treinador, o Stéphane nessa época teve um problema sério no ouvido. É verdade que deixou de jogar por causa disso?

Tive uma otite serosa. Falei com o Michel e com os médicos do clube e propuseram-me um tratamento à base de cortisona. O problema é que a cortisona é um produto dopante, pelo que tive de parar de jogar e de treinar para não correr o risco de ter um controlo positivo. Numa conferência de imprensa, o treinador expressou-se mal, ou os jornais interpretaram mal as coisas, e houve uma polémica em torno desse tema.

Depois disso, na época passada foi emprestado ao Auxerre. É um choque grande passar a jogar num clube mais pequeno e na Ligue 2?

Fiz 33 jogos na última época em todas as competições. Estava convicto de que o melhor era ser emprestado. Sabia que era complicado para um jovem como eu jogar no Marselha, um clube mediático e com um grande nível de exigência. Se não és um Nasri, um Zidane, é duro seres jovem e impores-te como titular. Queria ganhar experiência, fazer uma época completa a titular. Quando apareceu o Auxerre não hesitei.

A realidade do Auxerre era muito diferente?

Há uma enorme diferença. O Olympique de Marselha é mediático, tem grandes jogadores. Joguei com Diarra, Mandanda, Gignac, Payet. Quando cheguei ao Auxerre, estranhei. Não tinha nada que ver com o OM: os equipamentos, a forma de funcionar, os recursos financeiros. É normal. É um clube da Ligue 2.

E a cidade?

Nada para fazer. É uma pequena cidade não muito longe de Paris. A vantagem é que eu só pensava em futebol. Pela primeira vez, vivi sozinho. Isso ajuda-nos a crescer e a formar a personalidade. A época passada foi importante para tornar-me um homem.

artigo atualizado: hora original, 23:59, 28-01-2018