Tobias Figueiredo vive um excelente momento em Inglaterra: titular há sete jogos seguidos, desde que começou a jogar o Nottingham Forest ainda não perdeu.

Por isso, e aproveitando uma viagem do central a Lisboa, o Maisfutebol aproveitou para conversar com ele, revisitar a carreira, falar do Sporting (que deixa automaticamente quando fizer mais quatro jogos) e perceber como está a ser a aventura em Inglaterra.

Tobias mostrou-se satisfeito com a opção tomada, garantiu que o campeonato inglês se adapta a ele como provavelmente nenhum outro, acrescentou que em Inglaterra até os treinos são duros, mas leais, e finalizou a frisar que não sente mágoa com o Sporting.

Venha daí nesta viagem pela infância, juventude e presente do jogador que passou catorze anos em Alvalade e que agora brilha num histórico do futebol inglês.

Ainda fala alemão?

Não, não. Nada de nada. A minha mãe, quando eu era pequeno, ainda falava comigo em alemão, tentava que eu aprendesse algumas palavras, mas não aprendi nada. Vim da Alemanha muito novo.

Mas nasceu na Alemanha, não é?

Sim, nasci. Mas vim para Portugal com meses. O meu irmão Cristiano é que já veio a falar. Mas acho que também já lhe passou.

Mas lá em casa ainda há vestígios desse tempo em que os seus pais foram emigrantes?

Não, não há vestígios. Somos completamente portugueses. Até mesmo os meus pais já não falam alemão, nem entre eles, já não há comidas ou hábitos... É tudo português lá em casa.

O Tobias é de Sátão...

Sou de uma aldeia perto de Sátão. Chama-se Ladariu. Não é bem Sátão, é nos arredores.

Sim, de uma aldeia. E começou a jogar futebol lá?

Comecei nas escolinhas do Penalva de Castelo. Quer dizer, já tinha o bichinho da bola, jogava na rua, o meu irmão nessa altura jogava no Académico de Viseu, mas a sério comecei no Penalva.

Depois foi para o Sporting com dez anos, mas por um triz não foi para o Benfica, não é?

Na altura fui convidado a treinar com os dois clubes, até fui primeiro ao Benfica, que falou comigo primeiro, mas depois fui ao Sporting, tive oportunidade de escolher e escolhi o Sporting.

Porquê?

Por várias razões. Na altura o Sporting já tinha a Academia de Alcochete, o Benfica não tinha nada. Enfim, achei que o Sporting era melhor para mim.

Mas a sua família era uma família de benfiquistas...

Era. Eram todos benfiquistas. Mas não ficaram chateados com a minha escolha.

E quando entrava em casa, sendo jogador do Sporting, não lhe apetecia arrancar os adereços do Benfica que o seu pai tinha nas paredes?

Tirar da parede as coisas do meu pai? Dava-me um tiro [risos].

Nessa fase, e durante dois anos, ficou a treinar no Penalva e a jogar no Sporting, certo?

Exatamente. Treinava no Penalva todos os dias e ao domingo o meu pai trazia-me a Lisboa para jogar no Sporting.

Era um esticãozito...

Naquela altura era um grande esticão de carro, mais de trezentos quilómetros. Uma vez ou outra em que o meu pai não podia trazer-me, vinha de autocarro, um responsável do Sporting ia buscar-me à paragem, levava-me ao jogo e no fim do jogo trazia-me outra vez à paragem para fazer a viagem de regresso. Vinha, jogava e voltava para cima. Todos os fins de semana.

Não era cansativo para si?

Não, não, nada disso. Naquela idade? Queria era jogar à bola.

E quando fica em definitivo na Academia de Alcochete?

Aos doze anos. Por isso ainda foram dois anos a fazer esta vida. Sempre o mesmo. Às vezes ainda vinha um dia antes e ficava na Academia a dormir. Mas era raro. A maior parte das vezes vinha no dia com o meu pai ou de autocarro.

E nessa altura não lhe passou pela cabeça desistir e ficar a jogar no Penalva?

Claro que não. Nem pensar. Queria era continuar. Depois quando se é miúdo jogar no Sporting era... Na escola, por exemplo, era visto de uma maneira especial, era o jogador do Sporting.

Quando se mudou para Alcochete, foi complicado?

As primeiras semanas foram difíceis. Com 12 anos o sítio para estar é ao lado dos pais. Sentia muito a falta de casa, da família. À noite vinha aquela lágrima ao olho com as saudades. Mas depois isso acaba por passar e uma pessoa habitua-se. Mesmo assim, nunca me passou pela cabeça desistir. O meu objetivo estava traçado e era vingar no Sporting.

Depois faz a formação toda no Sporting, integrando uma boa geração de centrais. Para além do Tobias, havia Dier, Ilori, Ruben Semedo, Domingos Duarte... Consegue encontrar uma razão para todos terem tido muitas dificuldades em afirmar-se no Sporting?

Não sei. Sinceramente, não sei. Talvez tenham faltado oportunidades. O próprio Eric Dier ainda jogou várias vezes a trinco. Essa pergunta é complicada.

Seguindo em frente, Marco Silva foi o treinador que o entendeu melhor?

Foi o que apostou em mim. Ou pelo menos que apostou mais e acreditou mais em mim. Com ele era mais fácil mostrar o meu valor, passava-me confiança e para um jogador ter confiança faz toda a diferença.

O que mudou depois com a chegada de Jorge Jesus?

Tanto Jorge Jesus quanto Marco Silva são excelentes treinadores, mas com Marco Silva joguei mais. Com Jorge Jesus não tive tantas oportunidades.

Também por isso a hipótese de sair para o Nottingham Forest foi boa para si?

Sim, foi a melhor opção que tomei. Sentia que precisava de jogar, precisava de continuidade e de voltar a ter confiança em mim. Por isso quando o interesse do Nottingham surgiu, foi fácil decidir.

A adaptação ao clube foi fácil?

Por acaso foi muito fácil. Fui bem recebido. Para além disso, as características do futebol inglês adaptam-se às minhas características.

Curiosamente, desde que começou a jogar, o Nottingham ainda não perdeu: pontuou em todos os jogos...

E espero que continue a pontuar [risos]. No próprio balneário comentamos isso, às vezes até mais na brincadeira, mas acima de tudo é importante sofrer poucos golos, porque quando não sofremos golos ficamos mais perto de ganhar. Nos sete jogos em que joguei, sofremos três golos. É bom.

Já percebeu a grandeza do Nottingham?

Sim, claro. Já sabia que o Nottingham tinha sido campeão inglês, tinha vencido duas vezes a Taça dos Campeões Europeus, mas quando cheguei disseram-me logo que aquele era um clube grande. O próprio ambiente no estádio é espetacular, fantástico mesmo. Uma pessoa sente-se… Ufa. Mesmo fora levamos muitos adeptos.

Essa grandeza sente-se nos jogos contra os outros clubes?

Quando entrámos em campo é muito equilibrado. Ninguém olha para nós como o maior clube da II Liga. Praticamente todos os clubes já estiveram na Liga e todos têm qualquer coisa de histórico.

Tem lido os elogios que lhe têm feito?

Tenho, sim. A crítica da imprensa, de antigos jogadores e até mesmo o que os adeptos escrevem nas redes sociais. Tem sido muito agradável. Para mim é mais um motivo para me sentir confiante.

Este é o seu momento mais forte?

Sim, acho que sim. Estou feliz. A minha autoconfiança aumentou, sinto-me bem.

E a adaptação a Inglaterra está a correr bem? O Tobias não fala bem inglês, não é?

Estou a evoluir [risos]. O inglês ainda não é o meu forte, percebo mais do que o que falo, mas consigo comunicar com os meus colegas. Quando a conversa se torna mais técnica, por exemplo sobre tratar da casa ou isso, é que fica mais difícil. Mas nada que não seja possível ultrapassar.

Fernando Santos disse uma vez em entrevista ao Maisfutebol que um dos campeonatos que mais acompanha é a II Liga Inglesa. Numa altura em que faltam alternativas à Seleção para a posição de central, é motivador jogar num campeonato tão visto pelo selecionador?

Um dos meus grandes objetivos é chegar à Seleção. Se o Fernando Santos está a observar a II Liga Inglesa, e se eu continuar a fazer um bom trabalho, pode acontecer, posso ser opção para a Seleção.

Que avaliação faz dos outros portugueses que jogam na II Liga?

No geral têm estado bem. Mais talvez o Ruben Neves, o Jota, o Ivan Cavaleiro e o Hélder Costa, que estão em primeiro e estão a ter mais projeção. Estão a lutar para subir e têm feito um excelente trabalho. Mas o Ilori também está bem no Reading, está a jogar.

O jogador português está bem cotado na II Liga Inglesa?

Acredito que sim. Eles valorizam-nos e gostam de nós.

Está a quatro jogos de tornar a opção de compra do Nottingham obrigatória, é isso que deseja?

Sim, quero ficar no Nottingham. Neste momento ainda sou jogador do Sporting, ainda estou emprestado, mas isso pode mudar definitivamente e acredito que o Nottingham pode ser uma boa opção. Foi bom ir para o clube e acredito que ficar será a melhor opção também.

Para na próxima época lutar pela subida à Liga Inglesa?

Passo a passo. Uma coisa de cada vez. O ideal era eu chegar à Liga Inglesa juntamente com o Nottingham, mas lá está, devagar. Para já temos de acabar bem este campeonato. Depois logo se vê. Mas uma coisa é certa: quero ficar em Inglaterra. O futebol, o ambiente, acho que Inglaterra é um sonho para o jogador. Para qualquer jogador. Para mim, pelo menos, sempre foi um sonho, e agora que surgiu esta possibilidade quero agarrá-la.

Já agora, temos a ideia que no futebol inglês há um grande respeito pelo jogo. Agora que está lá, o que se sente no relvado?

É verdade e eu notei muito essa diferença em relação ao futebol português. Há muito contacto físico e poucas faltas. Em Portugal ao mínimo toque é falta, em Inglaterra não. Se um jogador ficar no chão, os próprios adeptos assobiam-no logo. Até os treinos são totalmente diferentes.

Porquê?

São mais intensos. É a preparação para o jogo. Praticamente não há faltas, o treinador nunca para o treino, é sempre a dar, sempre a dar, sempre a dar. São duros, mas não há chatices. Nunca vi uma situação em que dois jogadores se chateassem. E aos duelos físicos que já apanhei... Incríveis. Mas a filosofia é siga: às vezes há um toque mais duro, o colega pergunta se está tudo bem, o jogador levanta-se e siga, toca a jogar.

E para quem vai de Portugal isso exige um período de adaptação?

Depende dos jogadores. Eu não precisei, porque esse é o meu estilo de jogo: duro mas leal. Não há maldade. Disputa-se cada bola como se fosse a última, às vezes abre-se um sobrolho ou assim, mas foi sem maldade, por isso siga o treino.

Para terminar: um jogador que passou catorze anos no Sporting, quando está a três jogos de sair, sente mais mágoa ou orgulho em relação ao clube?

Mágoa? Não, não fico com mágoa nenhuma. Catorze anos não são catorze dias. Não foi possível continuar, ou parece que não vai ser, porque neste momento ainda sou jogador emprestado. Por isso é cedo para falar. Mas mágoa? Não. Só orgulho.