Marina Alekseeva é, aos 20 anos, campeã europeia, campeã mundial e medalha olímpica em natação sincronizada, mas hoje vive escondida na Ucrânia, depois de ter fugido com a família das bombas que atingiram Kharkiv na madrugada de 24 de fevereiro.

Em conversa com o Maisfutebol, a atleta ucraniana, que tem uma irmã gémea, conta que está escondida numa pequena localidade, mas dentro do país, e que não vai fugir para o estrangeiro, porque quer continuar por perto e ajudar no que for preciso.

Pelo caminho diz que os soldados russos não querem estar naquela guerra, elogia a capacidade de resistência dos ucranianos e pede aos portugueses que ajudem o seu povo, sobretudo no acolhimento às mães e crianças que fugiram do país sem nada.

Estava à espera que a Rússia invadisse a Ucrânia?

Não, não estava minimamente à espera. Era uma madrugada normal, quando acordámos com o enorme barulho das explosões. Num primeiro momento nem estávamos a perceber o que estava a acontecer. Era um barulho mesmo forte. Telefonámos a alguns familiares, também não estavam a perceber, e foi quando ligámos as notícias que vimos a informação: ‘A Federação Russa começou a guerra’. Nessa altura ficámos em choque. Só pensava: ‘Como é possível? O que querem de nós?’

A sua primeira reação foi fugir de casa?

Quase toda a gente na Ucrânia tem uma app especial que lança alertas de perigo aéreo. Nessa altura já sabemos que não podemos andar na rua e que nos devemos proteger em bunkers. Foi isso que eu fiz, corri para um bunker que temos por debaixo de nossa casa.

Têm um bunker em casa?

Sim, sim, na nossa casa em Kharkiv.

O que lhe passou pela cabeça quando o alerta terminou?

Ó meu Deus, foi a confusão. Foi um choque e a cabeça estava muito confusa. Acho que toda a gente na Ucrânia ficou numa situação de grande stress, tinha havido explosões em todas as grandes cidades, Kiev, Kharkiv, Odessa, Mariupol, Dnipro. Não sabíamos o que fazer, só conseguíamos pensar que tínhamos de nos colocar em segurança. Então a minha família decidiu sair de Kharkiv.

E estão em segurança agora?

Sim, estamos em segurança, em outra cidade, mas ainda dentro da Ucrânia.

Porque é que não pensaram em sair da Ucrânia?

Porque eu e a minha irmã somos membros da seleção ucraniana. A nossa equipa nacional tem dez atletas, mais treinadores, pessoas de apoio, algumas dessas pessoas ainda estão em Kharkiv e queremos manter-nos juntos. Não podemos juntar-nos ao exército, porque só estão a aceitar mulheres com formação nas forças armadas, mas queremos estar aqui e proteger o nosso país.

Tem amigos próximos que estão a juntar-se ao exército?

Sim, muitos amigos. Até do mundo do desporto. Nesta altura até há homens que querem ir e já não estão a ser aceites, porque já não mais lugares no exército. Há muitos homens a voluntariar-se, mesmo muitos emigrantes voltaram à Ucrânia para integrar o exército e defender o país.

Como estão as pessoas que ainda não saíram de Kharkiv?

Tenho amigas que estão há uma semana a dormir no metro. A dormir, quer dizer, a ficar no metro. Não se consegue dormir nesta situação. Acordamos durante a noite, ligamos umas às outras. ‘Como é que estás?’ E a outra: ‘Estou viva’. São apenas isto as nossas conversas.

O que é que nunca esquecerá destes dias?

Nunca esquecerei o dia em que as nossas escolas, os nossos monumentos, os nossos edifícios estatais e muitas casas foram destruídos, o dia em que muitas pessoas morreram e que muitas crianças ficaram sem família. É horrível. A nossa vida nunca mais conseguirá ser a mesma.

Nunca, nunca mais?

Dos ucranianos? Não, nunca mais. Mas neste momento estamos fortes e muito orgulhosos do nosso presidente, do nosso exército, dos nossos voluntários, do nosso povo. Depois disto, só espero que os ucranianos fiquem mais unidos. Nós sabemos pelo que estamos a lutar: pela nossa vida, pela vida das nossas famílias e pelo nosso país. Antes da guerra começar não esperava esta força do país, mas um ou dois dias depois já dava para perceber a união do povo. Os ucranianos estão a mostrar que são muito corajosos. Homens normais, sem uma arma, conseguem parar um tanque na estrada, conseguem resistir à ocupação de um exército forte como o russo. É incrível.

Acredita que a guerra poderá acabar nos próximos dias ou semanas?

Não sei. Nós rezamos para que isso aconteça. Todos nós queremos que isto acabe, mas também sabemos que o Putin é louco e que ninguém consegue saber o que ele quer para, nem é os próximos dias, ninguém consegue saber o que ele quer para as próximas horas. Não é uma pessoa normal.

E o que acha que as pessoas na Rússia pensam disto tudo?

As pessoas parecem não saber o que se está aqui a passar ou por que razão veio para cá o exército. Nós falámos com nadadoras da seleção russa e o que nos disseram é que ‘é só uma operação de segurança’. Uma operação de segurança? Estão a matar pessoas, estão a matar crianças. Mas elas acreditam em todas as mentiras que lhes contam na televisão e nas notícias.

Então não sabem o que passa de facto na Ucrânia?

Não sabem. Não sabem mesmo. Elas acreditam que somos nós, os ucranianos, que estamos a enviar bombas contra nós próprios. Então eu é que ia bombardear ou disparar contra os meus vizinhos? Isto não é normal. A verdade é que eu tento falar com as minhas colegas russas, mas não consigo. Elas acreditam em tudo o que lhes diz o governo russo.

Posso ver que está muito magoada com isso.

Estou. Porque não é normal.

Acha que os russos podiam fazer mais para proteger os ucranianos?

Acho que os soldados russos, por exemplo, não querem matar pessoas, mas a maior parte fá-lo porque o governo manda. As televisões têm mostrado soldados russos a chorar. Muitos soldados russos telefonam para casa a dizer ‘mãe, salva-me’ ou ‘eu não quero fazer isto, não quero matar estas pessoas’. Esses são os que efetivamente sabem o que se passa. Eles odeiam estar aqui. Não querem participar nesta guerra, mas o governo obriga-os.

Sabe como é que está Kharkiv neste momento?

Está horrível. Têm bombardeado escolas, igrejas, casas particulares, enfim, não são só alvos militares. O meu treinador, várias colegas e alguns familiares continuam lá.

O que mais quer para a sua vida é voltar a Kharkiv em paz e segurança?

Claro, voltar às nossas cidades, e começar a reconstruí-las, mais uma vez.

O que é que o mundo pode fazer pela Ucrânia neste momento?

Nós precisamos de armas e equipamento militar. O nosso espaço aéreo não fecha, todas as noites há explosões, muitas pessoas estão a morrer, não sei, é muito difícil. Eu sei que o mundo quer ajudar-nos, muitas pessoas têm vindo para cá, inclusivamente de Portugal, e agradecemos por isso. O que posso dizer é que peço a todas as pessoas que nos ajudem. Há muitas mulheres e crianças que estão sozinhas, sem apoio nenhum, porque tiveram de deixar as suas casas, deixaram tudo o que tinham na Ucrânia, se puderem, ajudem-nas em Portugal.

Renderem-se não é uma opção?

A Ucrânia render-se? Não. Só os russos se podem render.