Aos 30 anos, acabado de recuperar de uma lesão que o afastou dos relvados durante um ano, Ukra fez ao Maisfutebol uma visita guiada por 20 anos de carreira.

Numa entrevista à beira mar, em Vila do Conde, o extremo falou do início no Famalicão, dos anos no FC Porto, da passagem pelo Sp. Braga, e do Rio Ave, a que chama casa. Falou dos amigos que fez no futebol e dos ídolos com quem partilhou balneário.

Ukra contou ainda algumas peripécias da passagem pela Arábia Saudita, onde, apesar das diferenças culturais, não deixou de fazer as suas já conhecidas brincadeiras, mas também sofreu com saudades das filhas.

A lesão, a cirurgia, as perspetivas para o futuro, e o sonho de não terminar a carreira sem jogar no Municipal de Famalicão com a camisola do clube da terra são outros dos temas desta entrevista.

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Como é que passou de jogar à bola para ser jogador de futebol?

Foi também um bocadinho de sorte. São milhares os miúdos que jogam à bola e nem todos têm a felicidade de se tornarem jogadores. Há uns que até têm mais jeito, mas depois perdem-se ou, se calhar, não têm as oportunidades. Outros que não pareciam ter tanto jeito, mas depois a evolução é enorme de um ano para o outro. Também tive muita dedicação e sacrifício, meu e dos meus pais que se sacrificaram muito, saíam do trabalho mais cedo para me levarem aos treinos a Famalicão, ao Porto.

Foi para o FC Porto ainda muito novo, não foi?

Tinha 13/14 anos. Não dava para ir sozinho. O meu pai ia levar-me e ficava à espera. Os treinos eram às 19:30 e eu chegava a casa às 21:30, 22:00. Às vezes só queria comer e ir para a cama, e nem queria fazer os trabalhos de casa. Era um bocadinho difícil conciliar a escola, mas tentei não descurar porque claro, isto não dá para todos e é preciso ter alguma alternativa.

Havia um plano B, caso o futebol não resultasse?

Sinceramente, não. Porque fui vendo como as coisas estavam a correr, era júnior e internacional sub-16, sub-17, sub-18, sub-19, sub-20, sub-21, cheguei a ir à equipa B da seleção, que na altura havia, entretanto assinei contrato profissional com o FC Porto, e quando se chega ali é preciso optar e optei pelo futebol. Felizmente as coisas têm corrido bem e não me arrependo de nada. Tenho o 11.º ano, mas quando deixar o futebol quero terminar o 12.º. Enquanto estiver no mundo do futebol, quero aproveitar ao máximo porque dura pouco tempo.

Foi muito novo para o FC Porto e esteve muitos anos ligado ao clube. Como foi este percurso?

Foi uma experiência… cheguei lá quando era iniciado de primeiro ano e fiquei até aos juniores de segundo ano. Cheguei a ser campeão nacional de iniciados e de juniores. Em termos de aprendizagem, crescimento, daquilo que sou hoje, devo muito ao FC Porto. A mística de querer ganhar, seja em treino, seja em jogo, de dar tudo pela camisola, de deixar tudo pelo clube. O facto de eu ser ambicioso aprendi no FC Porto porque levamos com o desejo de vencer desde pequenos. Isso marcou-me muito, embora não tivesse na altura as condições que os miúdos têm agora. É diferente. Eu treinava na Constituição em pelado. Mas deram-me as melhores condições para que eu pudesse ser o que sou hoje, uma base estável e sólida.

Depois de empréstimos ao Varzim e Olhanense, chegou ao plantel principal do FC Porto. Foi especial?

Quando estamos na formação do FC Porto temos sempre o sonho de chegar ao plantel principal e eu tive essa felicidade no tempo do André Villlas Boas. Foi um ano marcante para todos os portistas, em que ganhámos tudo. Pude partilhar o balneário com Hulk, Falcao, James, João Moutinho, Belluschi, Otamendi, Álvaro Pereira… Não joguei muito. Ainda estive penso que em oito jogos, mas deu para evoluir, aprender. E o mister André é espetacular. Fantástico mesmo, quer como pessoa, quer como treinador, com métodos de trabalho incríveis.

Ukra na altura do FC Porto

Eu estava com o André Castro - éramos os dois da casa e dávamo-nos super bem, ele até é padrinho da minha filha do meio -, e íamos para o treino sempre contentes, mesmo sabendo que íamos ter poucas oportunidades de jogar. Estávamos bem inseridos no grupo. Eu fazia as minhas palhaçadas na mesma. Se calhar até foi das alturas em que fazia mais asneiras.

Não se sentia intimidado?

No início, quando fui do Olhanense para lá, pensava: ‘Será que o Hulk e o Falcao vão aceitar a forma como eu sou, as brincadeiras? Será que vou brincar com eles?’ E ficava um pouco de pé atrás, mas depois de estar lá… A pré-época foi na Alemanha e correu lindamente, eu e o Castro juntos… ninguém nos segurava! Sempre na brincadeira. E toda a gente gostava. Foi um ano inesquecível, de aprendizagem, de evolução. E estar no treino com jogadores dessa qualidade dá sempre para aprender ao vê-los e eles vão sempre ajudando.

E depois foi para o Sp. Braga. Foi porque quis, ou não teve escolha?

Optei por sair porque queria jogar. É normal, era novo, queria jogar. Mas foi uma experiência muito boa.

Até tive uma situação curiosa porque estive no FC Porto meio ano e depois fui para o Sp. Braga por empréstimo, e a final da Liga Europa foi FC Porto contra o Sp. Braga. Eu não podia jogar no Sp. Braga porque já tinha jogado pelo FC Porto. Aliás, na altura fui campeão da Liga Europa porque o FC Porto ganhou, mas, se tivesse sido o Sp. Braga, eu também me tinha sentido campeão, embora sem poder ter dado contributo para a vitória. Seria um campeão diferente.

Como foi ver esse jogo em Dublin assim dividido?

Foi uma sensação estranha ver as duas equipas a que estava ligado jogarem uma final.

Sente que merecia mais oportunidades no FC Porto?

Posso considerar-me sortudo por tudo aquilo que o FC Porto me deu. Também lá estive num ano em que ganhámos tudo. Mesmo que eu quisesse jogar mais era quase impossível. Se calhar no ano anterior teria tido muitas mais oportunidades para jogar, mas não me lamento por isso e só o facto de ter estado no plantel e ter feito a formação no FC Porto, já me sinto uma pessoa realizada e sortuda porque nem todos têm essa oportunidade.

Ukra no Sp. Braga

Mais tarde, já no Rio Ave, foi chamado à seleção principal. Qual foi a sensação de vestir a camisola das Quinas?

Mesmo sendo um amigável contra Cabo Verde, é o sonho de qualquer um. Já tinha feito duas boas épocas no Rio Ave e foi no ano em que fomos à Liga Europa e eu estava muito bem. Penso que cheguei a fazer ao todo 54 jogos essa época, era o jogador do campeonato com mais jogos nas pernas.

Sinto-me orgulhoso e é uma felicidade enorme ter representado a seleção, mas também sei que a minha posição é talvez uma das mais difíceis. Há jogadores de muita qualidade na minha posição na seleção, jogadores incríveis, dos que têm jogado e dos que estão a vir.

Lamenta não ter sido chamado mais vezes?

Não me deixa mágoa nenhuma, bem pelo contrário, fico contente por ter representado a seleção nem que sejam só esses 45 minutos em que joguei. Agora também é complicado, indo para fora… se jogasse num clube com mais nome, talvez, um campeonato mais forte… também ajuda. Mas nunca perco a esperança. Olho para o José Fonte que só começou a ser chamado à seleção quase com 32 anos…

A vida dá tantas voltas. Há exemplos de jogadores que fazem uma primeira volta em que jogam pouco e depois fazem uma segunda volta incrível e vão para equipas muito melhores. Posso dar o exemplo do meu amigo João Novais, que começou a época a não jogar no Rio Ave, teve a oportunidade frente ao Sporting, agarrou-a e agora está no Sp. Braga. O Rúben Ribeiro, por exemplo, fez uma primeira volta espetacular e foi para o Sporting. Às vezes é só preciso estar no sítio certo na hora certa e fazer as coisas bem feitas.

Entrevista completa:

«Tenho saudades de jogar»

«Ao ir para o FC Porto pensei: ‘Será que Hulk e Falcao vão aceitar brincadeiras?’»

«Cheguei a fazer coisas que eles diziam: 'Se fosse quando vieste, matavam-te'»

«O treinador que mais me marcou foi o André Villas-Boas, é espetacular»