Como muitas outras crianças africanas, Orlando Biganha desde pequeno sonhava em vir para a Europa e tornar-se jogador de futebol. Na Guiné-Bissau, onde nasceu há 18 anos, «nunca faltou comida» na mesa nem uma bola nos pés. Foi uma infância feliz porque podia fazer o que gostava: correr e jogar.

Com os olhos postos na carreira e no percurso de Zezinho, antigo jogador do Sporting e agora na Arábia Saudita, o jovem africano desde cedo quis seguir os passos do compatriota. E começou logo pelo nome.

«O melhor jogador da seleção era o Zezinho que jogava no Sporting. Eu como gostava dele comecei a dizer que era o Zezinho e as pessoas começaram a chamar-me assim. Nunca mais fui o Orlando», conta, em conversa com o Maisfutebol.

Há três anos, em 2017, embarcou na maior aventura da sua vida. Atravessou o Atlântico até Lisboa à procura de cumprir o sonho. Foi graças ao empresário que teve a oportunidade de passar seis meses na formação do Benfica, antes de rumar ao norte de Portugal e instalar-se no Sp. Braga.

Já no Minho, o jovem guineense teve de provar das travessuras da vida e esteve três anos sem poder ser inscrito nas competições oficiais. Muito duro. 

Durante três anos, Zezinho só pôde treinar (FOTO: Sp. Braga)

Três temporadas na bancada a ver os colegas a jogar 

«Não me conseguiram inscrever porque era menor e estrangeiro. Tenho a certeza de que o Sp. Braga fez de tudo para conseguir a minha inscrição, mas não foi possível», explica Zezinho. Os minhotos tentaram, junto dos responsáveis, inscrever o avançado nas competições oficiais, mas nunca receberam uma resposta positiva. Ergueu-se uma barreira na vida do jovem africano que o impedia de fazer aquilo que lhe dava alegria na Guiné Bissau: correr e jogar. Sem limites. Com total liberdade. Correr e jogar.

Sem os pais em Portugal, Zezinho passava pela primeira grande adversidade em toda a vida e precisou da ajuda de toda a estrutura do Sp. Braga. A viver na residência do clube, encontrou nos companheiros e amigos o amparo para a frustração de não poder jogar.

«Houve momentos em que foi difícil, mas tive muito apoio de toda a gente à minha volta. Os meus colegas sempre me motivaram e isso ajudava-me muito porque acabava por esquecer porque é que estava triste», lembra.

À semana, Zezinho treinava lado a lado com os colegas, ao fim de semana, só os podia ver da bancada. «Era a parte mais difícil», confessa.

Durante três temporadas esta foi a rotina do jovem guineense. Trabalhava na formação, convivia com os colegas durante todo o dia na residência, riam-se, divertiam-se, brincavam, aproveitavam a inocência da juventude, tal e qual deve ser. No dia de jogo, os companheiros de equipa entravam em campo e Zezinho, do lado de fora, tinha de esconder a vontade de saltar para dentro das quatro linhas.

O tempo de espera foi duro, sobretudo, «no primeiro ano, com as saudades de casa».

«Tive de me habituar. Pensava que se estava aqui tinha de fazer valer a pena, não podia ser tempo perdido». E a verdade é que não foi.

«Quando cá cheguei era daqueles jogadores que pegava na bola e fintava toda a gente»

No final de setembro, Zezinho, recebeu «uma das melhores notícias em toda a vida».

«Fiquei muito feliz nesse dia. Nem estava à espera. Estava a almoçar e recebi uma mensagem do meu empresário a dizer que já podia jogar e eu respondi: ‘a sério? Não estava mesmo a contar’. Liguei logo aos meus pais, a toda a gente. No clube também ficaram todos felizes por mim. Fui para casa e só sorria nesse dia, foi um grande dia», recorda.

Depois de um período longo, Zezinho já podia fazer o que mais gosta. Estava livre para jogar. Correr e jogar. Sem limites. Com total liberdade.

Com 18 anos completados em março, o jovem avançado guineense integra o plantel sub-23 do Sp. Braga para esta temporada. O primeiro jogo oficial com a camisola dos minhotos aconteceu já na quarta jornada da Liga Revelação, na vitória por 3-1 diante do Leixões. A saltar do banco nos últimos minutos, tentou «jogar simples e aproveitar» o momento.

Mas, se a vida até então tinha sido ingrata com Zezinho, viria a pagar a sua dívida. Na jornada seguinte, o treinador Artur Jorge premiou-o com a titularidade e a aposta não podia ter tido melhor resultado. Um golo ao cair do pano e vitória pela margem mínima. A angústia, frustração e revolta por lhe terem tirado a oportunidade de fazer aquilo que mais gosta foi, naquele momento, embora.

 

Zezinho e a alegria do primeiro golo (FOTO: Sp. Braga)

«Antes do jogo, estava com um ‘feeling’ de que ia fazer golo, sentia isso, estava confiante e sabia que se tivesse uma oportunidade ia marcar. Desde o primeiro minuto em que entrei em campo pensei ‘vou jogar pela equipa, o importante é a vitória’, mas se fizer golo vai ser bom. Apareceu a oportunidade no fim, mesmo aos 90. Foi um golo especial, deu a vitória à equipa e depois de tanto tempo à espera acho que mereci aquele momento», reconhece.

Apesar de estar privado de jogar, Zezinho assume que melhorou «muita coisa nestes três anos».

«Quando cá cheguei era daqueles jogadores que pegava na bola e fintava toda a gente. Não sabia qual era o momento de passar, de estar desmarcado, de fazer o ‘um-dois’. As pessoas repararam logo nisso e disseram-me que era muito evoluído tecnicamente, mas que ainda me faltava muita coisa. E eu sempre quis evoluir e mostrei-me à vontade para isso, aprender nunca é demais. Sempre me disseram que tinha de evoluir taticamente e perceber os momentos do jogo. Porque o futebol que se joga em África é muito diferente da Europa. Taticamente, cá é muito melhor. Também era e ainda sou um jogador muito fraco fisicamente, mas já se nota a evolução, agora estou muito melhor. Ouvi e trabalhei», admite.

O menino de quem todos gostam faz juras de amor ao Sp. Braga

Os pais, a milhares quilómetros de distância, apoiam e torcem pela carreira do jovem. «Os meus pais estão na Guiné-Bissau e eu vivo na residência do Sp. Braga. Estou sempre com os meus colegas, sempre a divertir-nos, gosto de estar com eles já que a minha família está longe. Não gosto de falar com os meus pais todos os dias, acho que isso traz mais saudades. Falo a cada dois ou três dias, faço as minhas coisas, não estou sempre a pensar neles e assim estou concentrado. Mas apoiam-me muito», assume.

A qualidade da equipa e da estrutura dos bracarenses leva Zezinho a sonhar com a conquista da Liga Revelação já esta temporada. No futuro, o objetivo é simples: chegar à equipa principal. Para tal, quer «fazer o máximo» de jogos possíveis, porque é a jogar que «um jogador consegue evoluir».

«Estou focado na minha evolução e tenho a certeza de que se jogar bem, se marcar golos e fizer assistências, vou conseguir a minha estreia», projeta.

Apesar do carinho que guarda ao país natal, o jovem avançado também vê com bons olhos uma possível chamada à seleção portuguesa.

«Gosto muito da Guiné-Bissau, é o meu país. Mas vejo-me a jogar por Portugal, poder jogar num Mundial ou Europeu. E têm mais condições. Se aparecer a oportunidade não vou hesitar, vou aceitar logo sem pensar duas vezes», confessa.

O Sp. Braga, para o jovem guineense, vai ser sempre um segundo lar. «É amor verdadeiro, vou estar sempre grato, o que fizeram por mim poucos fariam. Vou amar sempre este clube onde quer que esteja, vai estar sempre no meu coração. O treinador Pedro Pires (atual treinador dos sub-17) sempre demonstrou muito carinho por mim, tal como o Hugo Vieira (coordenador da formação). Mas todos gostam muito de mim aqui», assume.

Acarinhado por toda a estrutura arsenalista, Zezinho reconhece que é «muito calmo». «Falo mais dentro do que fora do campo», atira.

Com a liberdade de fazer o que mais gosta, o jovem guineense tem as portas abertas para sonhar de novo. Persistência, dedicação e superação são palavras de ordem para Zezinho.

«Quando estás nesta situação vem-te muita coisa à cabeça, mas tens de te manter forte. Fugi do mau caminho. Há que acreditar sempre que é possível, como no meu caso. Três anos não são três dias ou três meses, mas nunca desisti e meti na cabeça que ia valer a pena».

Deitada abaixo a barreira que impedia Zezinho de cumprir o sonho, há um caminho à espera de ser trilhado, mas sempre com a bola nos pés, a correr e jogar. Sem limites. Com total liberdade.

[Artigo originalmente publicado às 23h52]