«Tenta. Fracassa. Não importa. Tenta outra vez. Fracassa de novo. Fracassa melhor.»
Samuel Beckett


Não gosto de citar os outros. Por norma, sou assim. Entendo que temos de ser nós a dizer as coisas, pelas nossas palavras. Na realidade, as palavras não são nossas, são alugadas, emprestadas. Temos a sua propriedade dos centésimos de segundo que vai de quando as pensamos até as proferirmos, com maior ou menor fervor. Com maior ou menor autoconfiança. Com maior ou menor percentagem de verdade. E depois tudo se evapora.  Isto quando temos algo a dizer. 

O que interessa, ou devia interessar-nos, é o que nós pensamos, não se achamos bem ou não o que os outros dizem. Por isso, evito citar os outros. Hoje, contudo, abro uma excepção.   Fracassem de novo.  

Não sou capaz de o dizer melhor, ou com maior ênfase. E repito o que sentiu Beckett, e terão pensado tantos outros, num ou em vários dias da sua vida.   Fracassem melhor.

O que separa Ronaldo de Donetsk em 2012 do de Solna mais de um ano depois? Qual é a diferença entre aquele lance no fim da segunda parte da meia-final com a Espanha e as três jogadas do   hat-trick  à Suécia? Estava escrito que   seria assim, aquele era o plano dos planos, e tinha de funcionar. A Suécia não é a Espanha; sim, Isaksson não é parecido com Casillas; Ibra não é Iniesta, Xavi e Fabregas juntos. Mas, naquele momento, a   SuperRoja  estava tão exposta como os nórdicos. Só que Ronaldo falhou. Fracassou. O pé esquerdo desiludiu-o, a bola saiu por cima. Falhou nessa vez, mas cresceu em cima dos fracassos e voltou. Bateu recordes, os seus e os dos outros, aproximando a Seleção de Chamartín, pontuando para a lenda.  

Esse   Cristiano-Leonardo -que-baralha Pelé tornou-se mais forte que nunca. E não só emendou a meia-final do Euro uma vez, como mais duas, gritando a plenos pulmões   Eu estou aqui, ao mesmo tempo que esmagava latas de   Pepsi-messi  com a mão direita. Deu o exemplo.

Um exemplo para todos. Como no anúncio, podemos sempre dizer que   ainda somos do tempo. Que ainda nos lembramos do passado. E é verdade, ainda me lembro da verticalidade de Lima e das acrobacias de Jackson. As bombas de Cardozo. Ainda tenho em mente os metros quadrados ocupados pelos tentáculos dos polvos Fernando e Matic. Os cortes de Mangala e Garay. As defesas de Helton e Artur. Ainda sinto na efervescência da pele a força de Enzo e a classe de Lucho. Os cruzamentos de Gaitán e Varela. A irreverência de Josué, mas também de Quintero e Markovic. Os raides de Maxi e Danilo, de Sílvio e Alex Sandro. Todos somos desse tempo, penso eu.  

Tenta. Fracassa. Não importa

Não será fácil. Nunca é. Esqueçam que   a esperança é a última morrer  e que   matematicamente ainda é possível. Tentem, cerrem os dentes e tentem. Não tenham medo do fracasso. Se preciso for, fracassem a tentar. 

Que Garay acerte com as diagonais de Markovic, e o sérvio exploda em novo momento de magia. Que Gaitán drible entre belgas e franceses, com aquela rotação de pernas de desenho animado. Sem parar. Que, se não houver Cardozo, alguém lhe vista a pele. 

Jackson, esse, tem de voltar a levantar o Dragão e, depois, que incendeie o Calderón. Quintero vai acertar os livres, tenho fé! Varela será outra vez Varela, sem pensar em Licá. Matic vai estender-se de baliza a baliza, como o super-herói que é. Lucho e Enzo vão criar os golos que os vão manter na Champions.  

E que se alguém falhar que seja eu com uma frase errada. Com uma gralha, uma figura de estilo fora de sítio. Que fracasse esta crónica, que não tenha ponta por onde se lhe pegue. Que os seus leitores fiquem sem perceber a mensagem. Que me acusem de ser o escritor falhado que há em todo o jornalista que não se limita a escrever breves e textos formatados, já que essa é a opinião de todos os professores de português do país. Dizem!

De todos menos da minha, que me empurrou para isto. 

Vá, rapazes, esqueçam-se do que já passou. E se tiver de ser, pelo menos fracassem melhor. Não se esqueçam, fracassem melhor!



--
«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no FACEBOOK e no TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.