Messi, disse-o Tata, lembrou-nos agora que é mortal. O semi-deus imune a tudo e todos, capaz de tricotar jogadas de génio de cinco em cinco minutos, afirmando e reafirmando, desesperado, a renúncia da humanidade que lhe resta e que o prende ainda a ambições terrenas, tem um calcanhar tão frágil como Aquiles (e bem longe da persistência do de Ibra).

Se Blatter fica apenas com menos um de muitos motivos para se expor ao ridículo (e, não tenham dúvidas, irá utilizar outro qualquer em breve), já as donas de casa (as desesperadas e as outras) vão lamentar ter desaparecido dos ecrãs o candidato ideal para futuro genro, a quem entregariam, com certeza absoluta, a chave do cinto de castidade das filhas. As mães ficam sem referência para a sua descendência, sem exemplo que lhe sirva. Os pais sem aquele com quem iriam pescar ou caçar ao fim-de-semana, vestidos com o  tweed tradicional. Léo, o bom rapaz, vai tirar umas férias por algumas semanas, e o futebol poderá não voltar a ser o mesmo.

Sem as transmissões intermitentes nos canais de cabo e uma pulga que nos retire da letargia, as horas serão mais lentas a passar, as cervejas vão perder aquelas bolhinhas, o aaaahhh depois de cada gole e a pancadinha de satisfação na barriga, os tremoços vão secar e enegrecer ao ar, perder a piada, e talvez, apenas talvez, vamos deixar a mulher ver a novela. Será? Uma só, e chega!  Dá cá o comando. Acabaram-se as expressões de espanto forçadas, as frases-feitas nas conversas com os vizinhos. Haverá a bola, a baliza e 22 mortais a tentarem um lugar na primeira página. E as letras garrafais.

A genialidade tantas vezes repetida torna-se banal. Não é estranho? O mundo fica só de uma ou duas cores, sejam azul-forte e grená ou azul celeste e branco. E o resto perde-se no meio de uma espécie de daltonismo, que não nos deixa distinguir mais nada, seja vermelho, verde ou amarelo. A genialidade torna-se aborrecida quando não há competição, quando o vencedor está escolhido, quando desaparece a incerteza. O mundo, sem Messi, torna-se preto e branco outra vez para o voltarmos a pintar. Com Wilshere, com Ibra, com Iniesta. Com Cristiano. Com Bale. Ribéry! Durante um mês ou dois, temos um livro de colorir enorme pela frente; e podemos divertir-nos a riscá-lo com pontapés do meio da rua e chilenas de desconhecidos.

Blasfémia! Gritam vocês, e talvez com razão. Quem sou eu para ficar feliz sem as vírgulas e, sobretudo, os pontos finais do argentino? Os adeptos gostam tanto de mundos monocromáticos, pintados com as suas cores, e não admitem nenhuma outra nem na roupa interior. Que seria este jogo sem a cor de Messi? O futebol vai perder o seu rei por uns tempos, o trono ficará vago, e de certeza que alguém, de forma legítima ou não, irá reclamá-lo. 
 
O jogo também deixará de ser certinho, de risco ao meio ou cabelo à-homem. Do golo inevitável aos cinco minutos, do hat trick atrás de hat trick. A emoção vai disparar. O mais fraco vai poder aspirar a ganhar ao mais forte. David será novamente um nome honrado, que se dá com orgulho a um filho. A bola negar-se-á a entrar a cada remate, os postes vão querer mexer-se de vez em quando. E, depois, quando estiver pronto, a Pulga crescerá de novo. Terá de recuperar o que perdeu para os homens, voltar a ser a gigante. E, aí sim, poderemos assistir a uma nova era. Aquela em que, finalmente, se desprende da humanidade.

--
«Era capaz de viver na Bombonera» é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol. Pode segui-lo no FACEBOOK e no TWITTER. O autor usa a grafia pré-acordo ortográfico.