Um escândalo de pedofilia assombra o futebol profissional em Inglaterra e a lista de nomes ainda não teve fim. Há antigos jogadores de Tottenham e Liverpool, Manchester City e Crewe Alexandra. Há já denúncias em Newcastle. Mais e mais jogadores têm vindo a público revelar que foram abusados quando estavam nas camadas jovens e a federação confirmou domingo que há uma investigação em curso e que contempla quatro forças policiais. A FIFA informou que está a monitorizar o caso.

O caso desencadeou-se com a entrevista de Andy Woodward ao The Guardian. Um relato incrível do antigo jogador de Crewe Alexandra, Bury (é o jogador da direita, na foto que ilustra este artigo) e Sheffield United entre outros.

Uma narração de atrocidades cometidas e de como agora ainda sofre; de como esteve perto de se suicidar cerca de 10 vezes; de como fingiu lesões; de como teve de aguentar o facto de ver o abusador de há anos começar a namorar com a irmã; e depois casar com ela, tornar-se seu cunhado e jantar à mesa com toda a família; de como acredita que, como ele, há centenas de profissionais que foram abusados em criança por Barry Bennell, antigo olheiro inglês, preso em 1994 e depois em 1998 e que, soube-se nesta segunda-feira, foi transportado para um hospital após ter sido encontrado inconsciente, em casa, na sexta.

Porém, já há mais nomes de responsáveis no futebol a serem indicados como abusadores, num país que em 2012 descobriu que uma das mais famosas estrelas da história da televisão britânica, investido cavaleiro em 1990, foi também um dos maiores pedófilos da Grã-Bretanha.

«A minha vida foi arruinada até aos 43 anos, mas quantos mais como eu há por aí? Estou a falar de centenas de miúdos que Barry Bennel escolheu para várias equipas e que, agora, como adultos, se calhar ainda vivem com esse medo horrível. Vimos o caso de Jimmy Savile e como as pessoas tiveram coragem [de vir a público], embora eu considere que no futebol é ainda mais difícil sair do anonimato. Apenas agora, aos 43 anos, senti que posso, realmente, viver sem esse segredo e fardo horrível. Quis expeli-lo e dar oportunidade a outras pessoas de fazerem o mesmo. Quero dar força às pessoas. Eu sobrevivi. Perdi a minha carreira, o que foi gigantesco para mim, mas ainda aqui estou. Outras pessoas podem ter essa força.»

O escândalo começa a 16 de novembro, quando Woodward conta ao The Guardian como foi abusado por Bennell.

A coragem de Woodward leva outros profissionais a admitirem os abusos sexuais. O primeiro foi, quatro dias depois, Steve Walters, que também passou pelo Crewe Alexandra e foi vítima de Bennell.

No dia seguinte, a 23 de novembro, é a vez de um mais mediático Paul Stewart, ex-jogador de Liverpool, Tottenham e Manchester City.

Stewart alega que o homem que o abusou durante quatro anos não é Bennell, mas sim outro treinador cuja identidade mantém anónima. E acredita que há centenas de jogadores que foram abusados na adolescência. O relato que faz à BBC de como decidiu aos 52 anos contar a história, é impressionante.

Neste mesmo dia, David White (ex-Manchester City) informa que foi vítima de Bennell nos anos 70 e 80.

A 25 de novembro, sexta-feira, o The Guardian publica que um antigo jogador do Newcastle, cuja identidade conhece, disse que foi vítima de George Osmond, um treinador na academia no clube nortenho e que foi preso em 2002 por atos contra jovens futebolistas.

Também na sexta-feira, Jason Dunford e Chris Unsworth anunciaram-se como vítimas de Bennell. Unsworth afirmou que foi «violado entre 50 a cem vezes».

As reações sucedem-se em catadupa, desde o Governo à Federação. O Sindicato de Futebolistas afirma que tem «a esperança que outras pessoas tenham a confiança para denunciar os atos em resultado da coragem dos jogadores».

À data dos acontecimentos, John Bowler era presidente do Crewe. Disse que estava «enfurecido e muito triste» pelas revelações sobre Bennell, embora Woodward tenha dado a entender que o clube sabia.

O presidente da FA, Greg Clarke, afirmou que «a principal preocupação não é olhar para trás, mas sim para o que se pode fazer agora, o que se pode fazer para proteger as crianças mesmo as mais novas».

À BBC, Clarke acrescenta: «Quero partilhar o meu lamento pela dor que as vítimas sofreram e ter a certeza que não ficará pedra sobre pedra para assegurar que não haverá uma nova geração de vítimas – e aquelas que o forem serem verdadeiramente ajudadas.»

Com a abertura de um inquérito, a FA pretende perceber «que informação a FA conhecia naquela altura, que clubes tinham conhecimento destes casos, que ações foram ou deviam ser tomadas».

A PFA (o sindicato dos jogadores) indicou que já pelo menos 20 antigos futebolistas decidiram contar a sua história e que «seis ou sete clubes estão ligados a indivíduos em particular», como são os casos de Crewe, Manchester City, Blackpool, Leeds, Stoke e Newcastle. 

A instituição de apoio a vítimas de abuso de menores disponibilizou uma linha telefónica para denúncias de casos. Nos dois primeiros dias tinha recebido 50 telefonemas.

Ao que parece, os telefones ainda não pararam de tocar. E relatos como este sucedem-se.

«Ele era muito mais velho, não queria que as pessoas soubessem e disse-me que nunca mais ia jogar futebol se eu contasse fosse o que fosse. Tinha um medo de morte porque ele tinha poder absoluto sobre mim nessa altura. Era um duplo revés e ele, por vezes, tentava abusar de mim, mesmo com a minha irmã na mesma casa. Depois, quando a relação deles se tornou pública, ele aparecia para o jantar de domingo à noite todas as semanas, sentado à mesa com a minha mãe e o meu pai e a minha família, a rir e a gozar. Tinha tanto medo dele que só tive a opção de sofrer em silêncio. Tive de ir a esse casamento [do abusador Bennel com a irmã], estar na igreja quando o que na verdade me apetecia era degolá-lo. Era tortura, essa é a única palavra que descreve a situação.», Andy Woodward, The Guardian.