Andrés Iniesta tinha oito anos quando passou a fazer os menos de 50 quilómetros que separavam Fuentealbilla de Albacete. Oito anos e já tanto lá. Tudo? «Os jogadores favoritos de Andrés eram Laudrup e Guardiola. Tinha duas jogadas: o drible de Laudrup e o gesto de Guardiola. Que gesto? Olhar a toda a volta antes de receber a bola.»

A recordação é de Mario, só assim, outro menino a começar naquele ano de 1992 no Albacete. Conta-o no livro de Iniesta, «La jugada de mi vida», onde recorda também isto: «Quando formávamos equipas todos queriam ficar com o Andrés. Todos o elegiam. Sabiam que ganhava os jogos. Ele, entretanto, não abria a boca. Havia pegas para jogar com ele. Eu era dos piores. Se fossemos doze eu era o décimo e Andrés, claro, o número um, o capitão de equipa. Nos treinos todos pediam para que fizesse dupla com eles mas ele, tímido como é, calava-se. Até que dizia: «Vou com o Mario.» Procurava os mais fracos para os ajudar.»

O drible e o sentido de jogo são Iniesta em campo. O resto é Andrés Iniesta. Podemos também citar Xavi Hernández, que construiu com Iniesta provavelmente a melhor dupla de criadores de jogo que o futebol já viu. «É o jogador espanhol mais talentoso de sempre. Um jogador fantástico e uma grande pessoa com enorme coração. É excelente em tudo, também na forma como trata as pessoas, é um exemplo no balneário e no relvado», dizia Xavi numa entrevista à UEFA há três anos, quando ele próprio deixou o Barcelona.

Agora foi Iniesta a anunciar o adeus ao Camp Nou no final da época. Passaram 26 anos desde que foi para o Albacete, 22 desde que, ainda menino, chegou a La Masia. O pior dia da sua vida, como contou também no livro. A separação da família era insuportável e Iniesta passou dias a chorar sem parar, como recordou também nesta sexta-feira, na conferência de imprensa em que fez o anúncio, em lágrimas, perante uma audiência que uniu a sua família, treinador e alguns jogadores do plantel e os jornalistas numa comoção que diz tudo sobre o peso deste adeus ao 8 infinito, como lhe chama o Barcelona.

Foi a 27 de abril de 2018 e o futebol tem destas coisas: Iniesta despediu-se exatamente seis anos depois do anúncio do adeus ao Camp Nou de Pep Guardiola, o treinador que o acompanhou desde sempre e sublimou o estilo de jogo de que Iniesta é símbolo e referência. Posse, passe, visão. Ao ritmo de Iniesta, mestre do espaço e do tempo, como lhe chamou Guardiola.

Sobre Iniesta e Guardiola, outra história, também contada no livro de Andrés. Na estreia de Pep como treinador principal, o Barcelona começou a época a perder com o Numancia e a empatar com o Racing Santander. As críticas e a pressão sobre Guardiola eram enormes. E um dia Andrés entrou no escritório do treinador, para lhe dizer isto: «Não se preocupe, mister. Vamos ganhar tudo. Estamos a jogar muito bem. Divertimo-nos a treinar, por favor não mude nada. Vamos de ‘puta madre’.»

O Barcelona ganhou a Liga, a Liga dos Campeões e a Taça do Rei no final dessa época, no arranque desses anos de ouro.

Iniesta ganhou muito mais. O palmarés faz-lhe justiça. Campeão do mundo em 2010, bicampeão da Europa, em 2008 e 2012 com a camisola da Espanha. Oito campeonatos de Espanha, quatro Ligas dos Campeões, seis Taças do Rei, sete Supertaças de Espanha, três Supertaças Europeias, três Mundiais de clubes.

Iniesta cria jogo, dá a marcar. Mas também tem tantos golos. E é dele o golo dos golos da Espanha, aquele que decidiu a final do Mundial 2010 e fez da «Roja» campeã do mundo.

O golo que o treinador Jose Antonio Camacho, então comentador da Telecinco, celebrou com uma expressão que se tornou imortal: «Iniesta de mi vida!»

Este adeus não é o fim. Ainda o veremos pelo menos no verão, no Mundial 2018, provavelmente também a sua última grande competição pela Espanha. O futuro está de resto em aberto e a China é o destino provável para uma pré-reforma dourada, aos 33 anos.

Iniesta nunca teve a consagração formal, o título de melhor jogador do mundo, até a France Football veio agora pedir-lhe desculpa. Mas por que há isso de o diminuir na memória de uma vida?