Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

«De repente», foi a expressão mais utilizada por Hugo Moreira para descrever a ida para a Moldávia. Aos 25 anos, o defesa portuense, que tinha feito toda a carreira perto de casa, no Salgueiros, fez as malas e rumou a outras paragens. Paragens das quais nada sabia, nem sequer a localização geográfica ou se tinham «arroz e massa como cá». Mas agarrou «uma oportunidade única» e, numa semana, passou de jogar no CNS [Campeonato Nacional de Seniores] para disputar a Liga Europa, mesmo que tenha que enfrentar temperaturas de 25 graus negativos a quatro mil quilómetros de casa.

Depois de 19 anos no Salgueiros, «porque nunca surgiu uma oportunidade de ir para os campeonatos profissionais», Hugo Moreira começou a falar com um empresário que o «queria catapultar para outros sítios». «Mas o tempo já estava a começar a apertar, as equipas profissionais começavam a pré-época e eu começava a perder a esperança», conta ao Maisfutebol.

E aí entra a expressão de que falávamos. «De repente, recebi um telefonema do Rémulo Marques, que era diretor desportivo do FC Zimbru na altura, a dizer que estava interessado em mim, que me queria levar para a Moldávia, falou-me das condições que lá teria. Mas eu nem sabia onde ficava a Moldávia, nem que a capital era Chisinau».

«A proposta era boa, principalmente a nível financeiro, e eu estava numa altura em que tinha que arriscar», explica, e por isso não hesitou, mesmo tendo de decidir no momento. «Eu pedi um tempo para falar com os meus pais [com quem ainda vivia], mas ele disse-me que queria uma resposta de imediato porque o treinador já contava comigo para a Liga Europa na semana a seguir. E eu aceitei», recorda.

«Nem sei como estava a minha cara quando contei aos meus pais. Disse: recebi um telefonema e vou jogar para a Moldávia. A minha mãe olhou para mim e disse: ‘Para a Moldávia, Hugo? Isso fica longe, não fica?’ E eu respondi: Oh mãe, eu não sei, mas acho que fica longe, sim», recorda. «O meu pai foi logo pesquisar onde era, as condições que tinha, planear quando me iriam visitar. Com a minha irmã foi mais complicado. Ela começou a chorar e a pedir aos meus pais para não me deixarem ir».

Hugo Moreira conta que a despedida foi difícil e que não evitou as lágrimas depois de dizer adeus aos pais no aeroporto, mas garante que não se arrepende. «Foi uma grande oportunidade para mim e uma boa decisão da minha parte. Estava habituado a jogar no CNS, de repente recebo um telefonema para ir para a Moldávia, que eu nem sabia onde era, e, numa semana, passei de jogar no CNS para disputar a Liga Europa».

E foi mesmo assim, «de repente». A proposta chegou numa quarta-feira, o jogo era na quinta-feira da semana seguinte e Hugo Moreira já foi titular. Os dias que o calendário marcou até lá foram uma aventura. «Foi uma semana de loucos. Andei quarta e quinta-feira a tratar da papelada, na sexta-feira embarquei para Barcelona, onde fiz escala, e depois para Chisinau, onde cheguei na madrugada de sábado». A noite de sono, se assim se pode chamar, foi entre as 6:30 da manhã até às 8:00, hora a que teve que acordar porque havia treino a que não podia faltar. «Às 9:00 já estava a treinar e na quinta-feira já estava a jogar a Liga Europa. Foi uma coisa incrível».

Houve mais dificuldades nessa semana. Um dos receios que o defesa teve, antes de partir, foi por causa da comida. «Não sabia o que é que iria encontrar, se haveria arroz e massa normal como cá…», conta a rir. E apesar de a alimentação ser muito baseada em arroz, massa, carne de porco e frango «de mil maneiras e feitios» - «quando achava que não havia mais nenhuma maneira de fazer frango, eles descobriam mais uma» -, os receios acabaram por se mostrar justificados. «Têm uns sabores diferentes e no início foi muito complicado. Andei um mês à rasca da barriga. No dia a seguir à minha chegada passei a noite toda a vomitar e com diarreia, e tínhamos jogo da Liga Europa na quinta-feira», conta.

O adversário era o Osmanlispor da Turquia, onde joga o português Tiago Pinto, na segunda eliminatória da Liga Europa. Isto depois de a formação moldava já ter deixado pelo caminho o Chikhura, da Geórgia, na primeira eliminatória, antes ainda de Hugo Moreira chegar.

Mesmo com os problemas gastrointestinais que antecederam o jogo, o defesa português foi titular. «Lá estava eu a jogar contra o Osmanlispor, que até ficou em primeiro na fase de grupos, sem ter feito pré-época, a levar com jogadores que pareciam setas… e eu atrás deles, sempre. Por acaso as coisas até correram bem, mas, aos 15 minutos, já estava a olhar para o placard e a dizer: eu estou aqui morto e ainda estamos nos 15 minutos. De dez em dez minutos olhava para o placard e o tempo parecia que nunca mais passava», recorda. Apesar de o jogo ter parecido interminável, Hugo Moreira diz que «foi uma experiência única jogar na Turquia com o estádio cheio, 20 mil pessoas». «Incrível».

Foi o primeiro jogo com a camisola do FC Zimbru e, desde então, não saiu mais do onze, tendo feito os 90 minutos em todos os jogos.

Se a realidade em campo era diferente daquela a que estava habituado, fora de campo não o era menos, mas a ficha demorou a cair perante a intensa espiral inicial. «Acho que só passadas três semanas ou um mês é que dei por mim a pensar: olha onde eu vim parar, à Moldávia. De repente estava ali, num país que eu desconhecia completamente, nem sabia onde ficava, qual era a capital, e a jogar a Liga Europa».

A vida em Chisinau, capital da Moldávia, é bastante distinta da do Porto. «É um país pobre. Olhamos à volta e as casas estão um pouco degradadas, o ordenado mínimo anda à volta dos 100, 150 euros - é uma coisa assim absurda -, e as coisas são todas muito baratas para nós. Quando íamos jogar fora, demorávamos uma hora para fazer 30 quilómetros. Andar naquelas estradas era como andar no meio do campo», conta.

O dia-a-dia acaba por ser numa realidade à parte da da cidade. «Moramos no hotel do clube, dentro do complexo, ao lado do estádio, do centro de treinos, fazemos as refeições todas lá no clube. As condições são muito boas. Raramente saímos do complexo, mesmo só para ir ao mercado, que fica mesmo ao lado, ou ir jantar fora. No início, quando estava bom tempo, íamos dar uma voltinha no shopping. Depois, com o frio, a vontade de sair não era quase nenhuma», explica.

O clima é de extremos e, além do tal frio, também há um calor intenso. «Quando cheguei, em julho, estava mais calor do que aqui, 40 graus. E um clima seco. As pessoas transpiravam, parecia que estávamos a tomar banho. Era inacreditável. E depois, de um momento para o outro, passou a ser o oposto. Ficou muito frio: –10 graus, a nevar».

«Não estava habituado e ia para o treino cheio de frio, cheio de roupa. Mas os de lá diziam: ‘Não está muito frio, isto é normal. Mau é quando estivermos em janeiro ou fevereiro que estão -25 graus’. E eu só pensava: Não acredito que ainda vai ficar mais frio. O fisioterapeuta andava de t-shirt e eu cheio de quispos. E eles diziam: ‘Bebes uma garrafinha de vodka que isso passa’», conta, sem conseguir evitar o riso, até porque no momento da entrevista está num Portugal solarengo a aproveitar a pausa de inverno.

Apesar de dizer que os «moldavos não são muito apaixonados pelo futebol» e, de maneira geral «um povo frio e distante», Hugo Moreira conta dois episódios que o marcaram nestes cinco meses em que esteve na Moldávia.

«Um dia fomos ao mercado, um adepto reconheceu-me e estive a conversar um bocadinho com ele. Na altura em que chegamos à caixa ele quis pagar as minhas coisas. Disse-lhe que não queria, mas ele insistiu, insistiu: ‘Eu pago, eu pago’. Tinha acabado de chegar ao clube e isso mexeu comigo, por ver que as pessoas tinham carinho por mim. Não esperava isso a quatro mil quilómetros de casa», conta.

O outro episódio aconteceu no dia de aniversário. «No dia do meu aniversário, quando cheguei para o pequeno-almoço, já tinha no meu lugar o chá, as torradas com mel, e o leite com cereais, que eu comia sempre. E uma folha a dizer: Happy Birthday [parabéns, em inglês]. Foi bom ver que gostavam de me ter lá».

Com a língua Hugo Moreira não teve problemas porque na Moldávia «comunicam bem em inglês», mas houve alguns costumes que causaram estranheza. «Um dia estávamos no balneário e estava a dar música e nós começámos a assobiar e de repente apareceram o médio e o fisioterapeuta, todos chateados, a dizer para não assobiarmos, senão afugentávamos o dinheiro. Claro que nós parámos logo e não assobiamos mais, não fosse o ordenado não chegar mais», graceja.

Hugo Moreira espera agora que lhe marquem a viagem de regresso, após a pausa de inverno, para experimentar os tais 25 graus negativos, ou, «quem sabe, outro país qualquer, se aparecer alguma proposta», até porque, «o mais difícil é sair a primeira vez», sobretudo depois de 19 anos no mesmo clube.