Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.pt ou rgouveia@tvi.pt

Nasceu em Chernivtsi, junto às margens do rio Prut, no sudoeste da Ucrânia, a 19 de junho de 1996, mas em 2002 emigrou, com os pais, para Portugal. Aos seis anos começou a jogar futsal no Porto, aos nove já jogava futebol de onze no Barreiro e aos dez chegou ao Sporting.

Não ficou em Alcochete, tapado por Matheus Pereira, mas prosseguiu a carreira em clubes dos distritais e Campeonato de Portugal até que, em janeiro passado, aos 25 anos, recebeu um convite para ir jogar para o Zimbru, em Chisinau, capital da Moldávia. A ironia do destino levou o nosso protagonista para junto da terra natal, a apenas trezentos quilómetros de distância, a quatro horas de carro, da cidade onde nasceu e onde ainda tem uma avó.

Falamos de Ivan Ivanovic Buha ou simplesmente Ivan. Desde que saiu da Ucrânia nunca mais voltou e, agora, que estava tão perto, a guerra não lhe permitiu visitar a avó que não vê desde os seis anos.

Nasceste em Chernivtsi, na Ucrânia, junto à fronteira com a Roménia e a Moldávia, em 1996, com que idade é que vieste para Portugal?

- Sim, nasci aqui muito perto, fui para Portugal com seis anos.

Começaste a jogar futebol já em Portugal?

- Sim, primeiro comecei a jogar futsal no norte, porque os meus pais, inicialmente, foram para o norte. Depois mudámo-nos para a margem sul e comecei a jogar futebol no Barreirense. Comecei nos infantis, com nove ou dez anos.

Os teus pais vieram para Portugal trabalhar, são emigrantes?

- Sim, vieram à procura de melhores condições de vida.

Chegaste a Portugal com seis anos, lembras-te desses primeiros tempos? Foi fácil aprenderes uma nova língua?

- Quanto mais novos chegamos a Portugal, mais fácil é habituar-nos e aprendermos português. Não me lembro de grandes dificuldades com a língua, se calhar, se fosse mais velho, tinha sido mais difícil.

Quando começas a jogar no Barreirense, eras avançado?

- Sim, quando comecei no Barreirense jogava à frente e quando fui para o Sporting, fui como extremo esquerdo. Depois tive o azar de apanhar o Matheus Pereira, que também era extremo esquerdo. Só quando fui para o Nacional é que comecei a jogar como lateral esquerdo.

Como surgiu essa oportunidade de ires para o Sporting? Marcavas muitos golos?

- Sim, na altura estava nos juvenis B. No final do campeonato, o treinador veio ter comigo e disse-me que havia várias equipas interessadas em mim. Pensei que fosse o V. Setúbal ou algo do género. Depois ele disse-me que era o Sporting, que mostrou mais interesse, e depois o Benfica que também queria que eu fosse lá. O Sporting fez mais força para eu ir treinar lá e assim foi, fui para o Sporting.

Foi uma grande alegria, com dez anos foste para Alcochete?

- Claro, foi uma grande felicidade. Não fiquei na academia porque vivia lá perto, vivia na Moita. Ia na carrinha de futebol sete do Sporting.

Apanhaste um grupo que tinha o Fábio Martins, o Matheus Pereira, Rafael Barbosa, José Postiga…

- ...o Bruno Wilson, era essa malta toda de 1996. Mantive contato com alguns deles. Com o Zé Lúcio, com quem voltei a jogar mais tarde no Olímpico do Montijo. Falava de vez em quando com o Matheus Pereira, mas depois ele foi para fora e perdi a ligação.

E foi por causa do Matheus Pereira que não ficaste?

- Eu na altura já jogava pouco, tive poucas oportunidades. Ainda fui a um torneio à África do Sul, mas tive realmente poucas oportunidades, o Matheus jogava na mesma posição e jogava mais. Depois, no final da época, eles disseram-me logo que a aposta máxima deles era o Matheus, por isso não ia ficar lá mais um ano e optei por ir para o Nacional da Madeira.

Acabaste depois a formação no Nacional e no União de Leiria, ainda como júnior?

- Sim, depois fui para o Leiria porque assinei com um empresário russo que depois foi presidente da SAD do Leiria [ndr, Alexander Tolstikov]. Ainda fiz júnior de primeiro ano no Nacional, júnior de segundo ano no Leiria e a meio da época passei a sénior.

Depois jogaste em vários clubes dos distritais de Setúbal e do CNS. Fátima, Coruchense, Oriental Dragon, Olímpico do Montijo…

 - Na altura, o Leiria apostava muito para subir. Foram buscar o Bruno Simão que era um jogador da II Liga, foram buscar jogadores à Roménia e Moldávia. Hoje em dia, se calhar, as apostas são diferentes, mas naquela altura o primeiro ano de sénior era muito difícil jogar. Foi aí que fui para o Fátima, que era ali ao lado.

Nestes anos todos em que estiveste sempre a jogar em Portugal, mantiveste alguma ligação com a Ucrânia? Voltaste lá?

- Não, nunca mais lá voltei. Na altura em que estava no Sporting, ainda falaram comigo para ir à seleção, mas como tinha poucos minutos, acabei por não ir. Nunca mais lá fui, nem de férias, nada.

E os teus pais? Também não?

- Os meus pais costumam lá ir. A minha mãe tem lá a minha avó, mas nas férias nunca tive a oportunidade de ir porque iam surgindo oportunidades em Portugal e acabei por não ir.

Como surgiu a oportunidade de, em janeiro, deixares o Montijo e ires para a Modávia?

- Foi através de um rapaz com quem joguei no Ginásio Figueirense, na Guarda. Ele já conhecia o vice-presidente aqui do Zimbru e tinha sido convidado para vir para cá jogar. Eles tinham um defesa esquerdo nigeriano que ia sair e estavam à procura de um lateral. Mandei um vídeo meu, eles mostraram interesse. Eu, na altura, estava no Montijo, que tem um bom projeto, mas tinha descido na época anterior e o objetivo era de subir. Vim para cá inicialmente à experiência, por dez dias, a ver se gostava das condições. Ao quarto dia, fizemos um jogo treino, joguei, ganhamos 4-1 e apresentaram-me logo um contato para ficar cá. Assinei por dois anos e meio com eles.

Portanto, estás em Chisinau, capital da Moldávia e, por coincidência, estás muito próximo da tua cidade natal…

- Sim, é muito perto, entre 300 a 400 quilómetros. De carro é mesmo muito perto.

E não tiveste curiosidade em ir espreitar a cidade onde nasceste?

- Agora neste momento está muito complicado. Quero lá ir, se isto acalmar, quero lá ir. Nós aqui estamos na pré-época, temos treinos de manhã e à tarde quase todos os dias. Não tive a oportunidade lá ir quando cheguei e agora que isto começou muito menos. Mas, mais para a frente, faço tenção de lá ir.

Chernivtsi não fica muito longe da fronteira com a Moldávia e com a Roménia, em princípio não haverá grandes problemas por lá, tens tido notícias?

- Segundo a minha avó, eu não consegui falar com ela, mas a minha mãe tem falado, ela diz que, para já, está tudo bem por lá. Agora vamos ver como vai ser.

Além da família, tens amigos próximos na Ucrânia?

- Não, saí de lá com seis anos, nunca mais mantive contato com ninguém. Familiares mais próximos, tenho a minha avó, da parte da minha mãe, uma tia e um tio da parte do meu pai, de resto não tenho mais ninguém.

Em Chisinau tens noção que estás muito perto da guerra? Há refugiados a chegar?

- Há muitos. O Zimbru e a população da Moldávia estão muito empenhados em ajudar muito os refugiados da Ucrânia que estão a vir para cá. O Zimbru tem um hotel e uma academia e disponibilizou a parte da academia para acolher refugiados. Dão-lhes comida e todos os bens básicos. Estão aqui muitas crianças. Eles têm ajudado muito essas pessoas.

Em Portugal tem havido várias manifestações de solidariedade, não sei se viste a ovação ao Yaremchuk no Estádio da Luz?

- Vi, vi, o momento em que ele recebeu a braçadeira de capitão. Foram imagens muito fortes. E não é só em Portugal, os países todos estão a tentar a ajudar a Ucrânia, principalmente o futebol.

O plantel do Zimbru conta com dois nigerianos e um polaco…

- Não, não, esses já foram embora. Eles vão inscrever agora muitos estrangeiros. Eles reformularam o plantel, mandaram nove ou dez jogadores embora e reforçaram-se agora em janeiro.

Eles olham para ti como um jogador português ou ucraniano?

- Eles acham muito estranho como é que eu nasci na Ucrânia e não sei falar ucraniano. Eu sei falar romeno porque na zona da Ucrânia onde nasci fala-se romeno e russo. Só na escola é que se aprende ucraniano, mas eu saí de lá com seis anos. Portanto, eles não compreendem como é que falo português e romeno e não sei ucraniano. Olham mais para mim como português. Eles aqui falam romeno ou russo.

Nos últimos anos passaram cinco portugueses pelo Zimbru. Mickael Meira, Hugo Moreira, João Teixeira, Sandro Semedo e Hugo Neto…

- Sinceramente, não conhecia as condições deste clube, mas quando as conheci, fiquei apaixonado. Têm muito boas condições de treino, têm um bom estádio. Além do Sheriff Tiraspol, é o clube que tem melhores condições aqui.

É um clube histórico na Moldávia, já foi oito vezes campeão, mas nos últimos anos passou por algumas dificuldades e chegou mesmo a acabar com o futebol há dois anos…

- Sim, é o clube mais antigo da Moldávia e o que tem mais história. Ouvi falar desses problemas, mas não sei se, entretanto, houve um novo investimento, mas agora está estável.

Os portugueses que passaram pelo Zimbru falaram quase todos em salários em atraso…

- Eu quando cheguei, falei nisso e garantiram-me que está tudo certo. O objetivo este ano é procurar chegar ao final da Taça ou ganhar mesmo a Taça para termos acesso às competições europeias.

Estás na pré-temporada, quando começa o campeonato?

- Estamos a acabar a pré-época, o campeonato começa agora no dia 12 de março.

O grande favorito para o título é o Sheriff Tiraspol que esta época deu que falar por ter ganho ao Real Madrid em pleno Santiago Bernabéu…

- Sim, são a equipa mais forte. Já tive a oportunidade de jogar contra eles, num jogo-treino e empatámos 1-1. Fomos lá jogar a casa deles, têm realmente muito boas condições e uma grande equipa como se viu quando o Sp. Braga veio cá.

Ganharam 2-0, mas o Sp. Braga acabou por vencer a eliminatória, Como é que foi vista aí a reviravolta da equipa de Carlos Carvalhal?

- Eu aqui no balneário tinha apostado com o capitão do Zimbru que o Braga vinha aqui ganhar facilmente. Ele apostou no Sheriff e eu perdi a aposta, mas depois em Portugal o Braga passou.

Não sei se viste a notícia, mas depois desse jogo em Braga, o treinador do Sheriff [Yuriy Vernydub], que é ucraniano, juntou-se às forças de defesa da Ucrânia

- Sim, ele é ucraniano, é um patriota quer defender o país dele, a família dele, é normal. Todos os ucranianos têm vontade de vir defender o país.

Há várias personalidades do desporto ucraniano que estão a pegar em armas…

- Sim, dos 18 aos 60 anos, nenhum homem pode sair do país, eles têm de ficar lá.

No teu caso, passou-te pela cabeça também ires para lá ou a tua ligação não é tão forte a esse ponto?

- Não é uma questão da ligação, gosto realmente do país onde nasci, mas vivi praticamente toda a minha vida em Portugal e hoje em dia só tenho passaporte português, já não tenho documentos ucranianos.

Como é que vês esta invasão da Rússia?

- Acho que é mau para todos. É desnecessária e muito mau para todos. Não percebo muito de politica, mas é fácil perceber que é mau para todos, para o mundo inteiro, não só para a Ucrânia e para a Rússia. Ninguém esperava ver uma terceira guerra nesta região, mas tenho a esperança que as coisas vão acalmar. Têm de chegar a uma conclusão, estão crianças a sofrer, mulheres e homens a sofrer. Há civis e inocentes que estão a perder tudo. Isto não pode continuar.

Voltando a Chisinau, é a capital da Moldávia, estás bem instalado? Como é a cidade?

- Sim, estou no hotel do clube e os jogadores aqui são muito bem tratados. A cidade, vista por fora, não parece muito moderna, mas quando entras no sítios é muito bonito, tem bons restaurantes. À primeira vista parece uma cidade antiga, parada no tempo, mas quando conheces, vês que é uma boa cidade. Ainda não tive oportunidade de ver muita coisa, porque tenho tido treinos de manhã e à tarde e depois quero é descansar.

Portanto, acabaste de assinar contrato por duas temporadas, ainda és jovem, 25 anos, quais as expetativas?

- Vou ser sincero. Em Portugal é muito difícil chegar à I Liga. Claro que todos os jogadores ambicionam lá chegar, mas estava a ver o tempo passar e já estava há muitos anos no CNS e as coisas não apareciam, havia sempre algo que corria mal. Agora tive esta oportunidade e quero agarrá-la com tudo o que tenho. O objetivo é jogar e poder sair para melhor. Vou ter outra visibilidade aqui.

Mas gostavas de voltar a Portugal com outras condições?

- Claro que gostava, como é óbvio, de jogar na I ou II Ligas em Portugal.

Ou mesmo na Ucrânia, se a situação estabilizar…

- Claro, a Ucrânia também tem grandes clubes.

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