Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Há um algarvio a dar cartas na fria Bulgária. Um algarvio de gema que tem o Estádio São Luís como um «porto seguro», que foi afastado da formação do Sporting e que, mais tarde, rejeitou o Benfica quando passou a sénior. Volta sempre a Faro quando precisa começar tudo de novo e foi do sul de Portugal que rumou à Bulgária onde está quase há cinco anos, onde já vestiu a camisola de quatro clubes diferentes, conquistou três troféus e marcou um golo de antologia. Agora prepara-se para regressar ao ponto de partida, a Faro, para dar início a um novo ciclo na sua carreira.

Temos obrigatoriamente de começar esta história por Faro. Foi onde Pedro Eugénio passou a infância, ali bem ao lado do Estádio São Luís, por um motivo especial. «Ia todos os fins-de-semana com a minha mãe assistir aos jogos do meu pai [Eugénio, Rui Eugénio]. Enquanto o meu pai jogou no Farense, até ir para o Sp. Braga, ia a todos os jogos em casa. Mesmo durante a semana o meu pai também me levava para os treinos», conta Pedro, filho de Rui, que, como jogador, herdou o nome de família. «O meu pai era conhecido como Eugénio e eu, em Portugal, também sou mais conhecido como Eugénio. Só aqui na Bulgária é que me tratam mais por Pedro porque acho que têm dificuldades em dizer o meu apelido, mas jogo com o Eugénio na camisola».

O nome de Eugénio estava destinado a perpetuar-se no São Luís. «Fui para o Farense ainda era Infantil, com 11 ou 12 anos. Fiquei a viver em Faro com a minha mãe e queria seguir as pisadas do meu pai. Tinha ficado aquele amor ao futebol e ao clube por ter crescido ali em Faro». O pai era lateral esquerdo, mas o jovem Pedro, nos primeiros pontapés na bola, queria era marcar golos. «Inicialmente comecei como avançado, queria era andar lá à frente e marcar golos. Só no Sporting é que comecei a jogar como lateral».

«A Academia do Sporting era como um regime militar»

O Sporting marca o próximo episódio na vida de Eugénio. Depois de um bom ano nos iniciados do Farense, Pedro Eugénio atraiu a atenção dos «grandes». «Era iniciado de primeiro ano e conseguimos ir à fase final, na altura chamava-se a terceira fase. Ficámos num grupo com o Boavista, FC Porto e Sporting. Dei nas vistas nessa fase final e o Sporting foi logo o primeiro a chegar-se à frente. Decidi logo aceitar». Com 13 anos, Eugénio estava a caminho da capital, mais propriamente, a caminho de Alcochete, para um mundo onde tudo era novo. «Os primeiros tempos na academia foram muito difíceis, porque estamos habituados aos amigos, à família, às nossas coisas. De repente estava sozinho numa academia, com pessoas que não conhecia. Depois torna-se tudo família, mas os primeiros tempos foram complicados porque na altura a academia era como um regime militar. Acho que era bem diferente do que é hoje em dia. Na altura, chegava a uma certa hora e as luzes apagavam-se. Tínhamos de nos deitar por volta das 10h30 e depois, de manhã, acordávamos com música para irmos para a escola», recorda.

A verdade é que Eugénio adaptou-se num ápice e ao fim de uns dias já tinha muitos amigos num plantel que contava, entre outros, com André Martins, Diogo Rosado, Rui Fonte e Wilson Eduardo. «Guardo boas memórias desses tempos, ainda mantenho contatos com alguns. Um dos meus melhores amigos era o Diogo Viana que também esteve aqui a jogar na Bulgária, no CSKA. Saía muito com ele aqui, não só com ele, mas também com o Rúben Pinto e o David Simão que jogaram comigo mais tarde no Benfica». A adaptação ao futebol estava feita, mas as exigências da Academia do Sporting não se limitavam ao pontapé na bola. O jovem Pedro também estava obrigado a ter bons resultados na escola e, nesse sentido, a vida já não correu tão bem a Eugénio. «Ao fim de um ano acabei por voltar ao Farense. Tive uns problemas na escola, era um miúdo irrequieto, nunca fui adepto da escola. Tive lá uns problemas disciplinares, o Sporting reuniu-se com a minha família e, em conjunto, acharam que o melhor para mim era voltar a Faro».

O regresso a Faro vai ser, aliás, uma constante ao longo da carreira de Eugénio. «É um porto seguro para mim, é onde me sinto bem, onde estou perto dos meus. Volto sempre para refletir, para perceber onde errei, onde tenho de melhorar», conta. A verdade é que seis meses depois de ter saído da Academia de Alcochete estava a treinar…no Benfica. «Mal o Benfica soube que tinha saído do Sporting quis contratar-me. Logo que cheguei ao Farense já tinha um pedido do Benfica para ir para lá no início da época». Antes de fazer quinze anos, Eugénio já conhecia os dois rivais de Lisboa. «Naquelas idades não se sente muito essas rivalidades, não há aquele amor à camisola, queremos é jogar à bola, seja no Benfica, Sporting ou FC Porto. É um sonho de qualquer miúdo».

É no Benfica que Eugénio começa a deixar de ser «miúdo», pelas mãos do treinador João Alves. «Foi meu treinador nos juniores e com ele dei um grande salto. Quando comecei ainda me sentia uma criança, mas com ele senti-me mais maduro, não só pelos incentivos que nos dava, mas também pelas críticas. Hoje em dia sinto que me abriu os olhos, no sentido positivo, em relação a muitas coisas», conta. No Seixal, Eugénio integra um plantel que conta com Roderick, Nélson Oliveira, Miguel Rosa, David Simão, Danilo Pereira e Mário Rui. Rapidamente ganha preponderância nos juniores e chega a treinar várias vezes com a equipa principal, então comandada pelo espanhol Quique Flores. «Comecei a treinar com os seniores desde os juvenis de segundo ano e cheguei mesmo a fazer noventa minutos na equipa principal, num jogo de solidariedade, no Estádio do Bessa, frente ao Boavista». Um momento especial para Eugénio que, até hoje, sabe de cor o onze que entrou em campo nesse jogo ,8veja a foto abaixo]: «Era o Quim na baliza; eu como defesa direito; o Sidnei e o David Luiz como centrais; e o Jorge Ribeiro como defesa esquerdo; no meio-campo jogaram Yebda e Rúben Amorim; na frente Felipe Bastos, Balboa, Urreta e Nuno Gomes». «Já era um sonho para qualquer miúdo treinar com os seniores e eu tive a sorte de jogar mesmo», conta.

«Não é qualquer um que rejeita o Benfica»

No último ano de júnior, Eugénio, pressionado por um empresário, cometeu um erro que lamenta até aos dias de hoje. «Voltei ao Algarve [mais uma vez para o Farense] por decisão minha. Tinha muito mercado para ir jogar, tinha vários clubes da II Liga interessados, mas decidi voltar ao Algarve. Na altura em que acaba a formação, tive uma reunião com o senhor Rui Costa e o Benfica propôs-me um contrato de quatro anos, mas fui induzido por um empresário para rejeitar essa proposta para ir jogar para Inglaterra, para as reservas dos Tottenham», lembra.

A verdade é que depois do «não» ao Benfica, o referido empresário evaporou-se. «Sentei-me com o Rui Costa e disse-lhe que não queria prolongar contrato com o Benfica. Depois disso, o tal empresário nunca mais me atendeu o telefone. Esperei algumas semanas, mas estava mal psicologicamente, não é qualquer um que rejeita o Benfica. Arrependi-me muito, apesar de na altura não ser tão fácil ficar, porque ainda não havia equipa B. Em princípio, se ficasse, era para ser emprestado, para ganhar rodagem. Ainda hoje me sinto arrependido, mas é assim a vida».

Eugénio não baixou os braços e começou a reerguer-se na III Divisão, bem no sul do país, perto do seu «porto seguro». Passou pelo Messinense, pelo Louletano e acabou por voltar à casa de parrida, ao Farense. «Voltei para estar mais perto da minha mãe, da família. Estava mesmo em baixo. Nunca deixei de acreditar porque qualidade tinha, não é qualquer um que joga pelo Benfica. Precisava apenas de recuperar a confiança, sabia que ia dar o salto», recorda. Na altura, Eugénio é contatado para assinar pelo Marítimo que preparava a equipa B, mas o São Luís voltou a falar mais alto. «O Farense fez uma equipa para subir de divisão e, como sou da casa, resolvi ficar e acabámos mesmo por subir. É daí que dou o salto para Bulgária».

O coração algarvio não resistiu ao apelo da casa. Eugénio gosta mesmo da sua terra e foi com satisfação que recebeu a notícia da promoção do Portimonense à I Liga, embora tenha andado a acompanhar com mais atenção o possível regresso do «seu» Farense à II Liga. «É muito bom para o Algarve ter uma equipa na I Divisão, o Algarve também merece. O futebol não pode ser só de Lisboa para cima. Ainda ontem estive a ver o Farense, que por acaso perdeu [com o Sacavenense], mas ainda tem hipóteses de voltar à II Liga», comentou.

Rumo à Bulgária: «Onde é que me vim meter…»

Depois do Sporting e Benfica, Faro voltava a servir de trampolim para Eugénio, mas desta vez para bem mais longe. «Estava no Farense e tinha vários amigos já a jogar na Bulgária. O David Caiado, o Livramento e o Alberto [Louzeiro] que tinha jogado comigo no Louletano. Foi o Livramento que me ligou a perguntar se eu estava disponível para ir para lá. Disse-me que seria uma boa experiência para mim, eu era novo, a equipa tinha condições muito boas. Em termos monetários, ia ganhar cinco ou seis vezes mais do que estava a ganhar no Farense. Decidi arriscar e acho que fiz a melhor escolha».

Eugénio assina pelo Beroé e parte rumo a Sófia. As primeiras sensações não foram positivas. «A primeira coisa que pensei foi…onde é que me vim meter? A primeira aparência dos prédios e das casas não foi boa. Foram mostrar-me apartamentos e eu dizia: não sou capaz de viver aqui, mas estava a ver apenas por fora. Depois fiquei surpreendido. Fogo o que é isto?!? Porque, por dentro, é tudo do bom e do melhor», recorda.

A verdade é que Eugénio ficou por lá. Já vai a caminho do quarto ano e já vestiu quatro camisolas diferentes. «Não me sinto nada búlgaro, já falo a língua e tal, mas continuo a sentir-me muito português e com orgulho. Não troco o meu Algarve por nada». É um país bem diferente do Algarve, a começar pelo mais evidente, pelas temperaturas negativas no inverno. Mas há mais diferenças. «A comida é um pouco diferente do que estamos habituados em Portugal, aqui comem muito à base de saladas, comem muito porco que eu não gosto. Depois fazem muitas festas, nos feriados, compram um carneiro, matam e dividem por toda a gente. É uma cultura diferente».

Uma cultura diferente que também se nota nas bancadas. «Os adeptos têm aquela cultura do hooliganismo. São muito agressivos, não param de cantar o jogo todo, não param de atirar coisas para o campo. Estão sempre a arranjar confusão com a polícia. Eles parece que gostam disso. Os estádios não enchem sempre, mas se for com as equipas grandes, não há espaço para ninguém».

No Beroé, com mais três companheiros portugueses – David Caiado, Alberto Louzeiro e Livramento - Eusébio adaptou-se rapidamente e, numa época e meia, conquistou a Taça da Bulgária [vitória sobre o CSKA] e uma Supertaça [vitória sobre o Ludogorets]. Mas depois mudou-se para o modesto Haskovo, no distante distrito de Khaskovo, onde não havia mais portugueses. «Foi mais complicado. Eu aqui na Bulgária não conhecia nada das equipas, sempre ouvi falar do Levski e do CSKA, mas não tinha noção de quais eram as melhores equipas. Pensei que o Haskovo fosse melhor do que o Beroe pelo que me tinham informado, mas depois não foi nada que estava à espera», conta. A experiência não foi muito positiva, em termos desportivos, mas é no Haskovo que Eugénio salta para as bocas do mundo, com um golo que fez furor no Youtube [veja o vídeo abaixo]. «Foi um golo frente ao CSKA. Já tinha marcado um parecido no Louletano, mas este acabou por fazer sucesso nas redes sociais. Estávanos a perder 0-4, o guarda-redes deu-me a bola e, como não tinha ninguém à minha frente, fui por ali fora. Depois meti para dentro e o remate saiu perfeito», recorda. Um golo que deu que falar. «É daqueles golos que não se fazem muitas vezes na carreira», acrescenta.

Confira o grande golo de Pedro Eugénio:

No final da temporada, Eusébio deixa o Haskovo e assina pelo Cherno More. Desta vez para melhor. «Era um clube maior, já com nome no futebol búlgaro e a região também me fez lembrar o Algarve Era junto da praia, senti-me bem lá», recorda. Mas foi apenas por mais uma temporada. No final da época seguinte, Eugénio deixava o Cherno para rumar ao Vereya, o quarto clube na Bulgária em pouco mais de quatro anos. «Eu aqui, pela experiência que já tenho disto, só assino contratos de um ano. Não adianta ter contratos de dois ou três anos porque, se eles quiserem, mandam-te embora sem pagar nada. Aqui é tudo muito inconstante. Uma equipa num ano está na I Divisão, no ano a seguir está na II Divisão. Ou têm problemas financeiros ou vão mesmo à falência. É complicado, mas agora está melhor. Este ano houve menos problemas».

«Completamente confortável como extremo»

No FC Vereya, Eugénio subiu na classificaão e este ano está a lutar por um lugar na Liga Europa. Concluída a primeira fase da liga búlgara, agora é tempo de se jogar os «play-offs» e a equipa de Eugénio está no priemiro lugar do Grupo A a um jogo de passar às meias.finais. «Estamos em primeiro e estamos a lutar para a Liga Europa. Falta-nos um jogo para acabar o Grupo A, depois vamos jogar com o segundo do Grupo B. O vencedor destas eliminatórias joga depois contra o quarto classificado [o Cherno More] para decidir a última vaga na Liga Europa», explica.

Esta época, Pedro Eugénio passou de lateral a extremo por vontade do treinador e a verdade é que, nos últimos dois meses, marcou cinco golos. Um no final da primeira fase do campeonato, outros dois nos quartos de final da Taça da Bulgária [na vitória sobre o CSKA por 2-0] e ainda outros dois no atual play-off. Estes últimos dois foram determinantes para a atual posição do Vereya, uma vez que que corresponderam a vitórias por 1-0 e ao primeiro lugar no Grupo A. «A meio do campeonato, o treinador começou a meter-me a extremo. Joguei toda a vida como defesa direito, já estava rotinado, sabia o que tinha de fazer e de início foi um bocado complicado jogar a extremo. Mas agora já me sinto completamente confortável nesta posição», conta.

Uma adaptação imposta pelo treinador Tomash Tomovski que está a trazer bons resultados. «É um grande treinador, esteve em dezembro [a liga búlgara para neste mês] a fazer um estágio com o José Mourinho no Manchester United. Esteve duas semanas em Old Trafford,. Mas também já tinha estado com o Alex Ferguson e com o Leonardo Jardim. Normalmente onde o Berbatov joga ele vai sempre estagiar. Ele é o melhor amigo do Berbatov, para ele é um bónus, permite-lhe fazer esses estágios que acabam por ser positivos para ele», conta.

No Vereya também não outros jogadores portugueses, mas Eusébio tem com quem trocar umas palavras na língua nativa. «Tenho lá o Elias [antigo jogador do FC Porto, Estoril, Gil Vicente, Paços, V. Setúbal, U. Leiria e Portimonense], que é brasileiro e já jogou em Portugal, e tenho o Ousmane Baldé que é guineense, mas jogou no ano passado no Louletano e fala um português espanholado, mas entendemo-nos», conta.

«Não me vejo a jogar em Portugal»

Quanto ao futuro, Eugénio está a terminar mais um ciclo, não só no FC Vereya [acaba contrato no final de maio], mas também na Bulgária. «Tenho aqui equipas que já me contataram, algumas até por onde já joguei, mas estou inclinado a ir para outros países. Ainda está tudo em aberto, ainda é cedo para decidir. Vou esperar mais duas semanas antes de decidir o futuro».

O regresso a Portugal é um desejo forte e sempre, mas Eugénio não acredita que, para já, possa encontrar as mesmas condições financeiras que o estrangeiro lhe proporciona. «Sinceramente não me estou a ver jogar em Portugal. Não é que o campeonato não seja bom, tem muita qualidade, é dos melhores, mas o nível económico destes países faz a diferença. Ainda não tomei decisões, mas sair da Bulgária é praticamente certo», contou-nos ainda Pedro Eugénio em pleno estágio para os últimos jogos antes do adeus à Bulgária. на добър час Eugénio!