Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências

Aos 21 anos, trocou o sol do Algarve e o Lagoa, dos distritais, pelo frio e o desconhecido na Superliga do Kosovo. Em Portugal deixou o filho recém-nascido para viver o sonho que tem desde pequeno e que o fazia percorrer 150 quilómetros todos os dias: ser jogador profissional. O avançado Jorge Emanuel Teixeira é o embaixador do futebol português no Kosovo, na primeira época em que a liga é reconhecida pela UEFA.

Em julho, quando saiu de Lagoa para rumar a Gjilan, para representar o KF Gjilani, não sabia o que esperar. «Estava com um pouco de receio. Não fazia ideia de como era a vida aqui. Sabia que vinham de uma guerra, mas mais nada», conta ao Maisfutebol. Um receio que a família também tinha. «O meu pai escreveu uma folha com os contactos todos da família, da polícia, caso acontecesse alguma coisa. Esteve a pesquisar onde eu poderia pedir ajuda aqui na cidade e na capital».

Felizmente as pesquisas do pai ainda não fizeram falta e Jorge Emanuel Teixeira garante que se sente seguro. «As pessoas são cinco estrelas, muito amigáveis. Receberam-me bastante bem. Quando vou pela cidade, chamam-me, pedem para tirar fotografias, dão-me apoio… por vezes não entendo o que dizem, mas agradeço sempre», conta. «Nas folgas, os colegas dizem sempre: ‘Anda para minha casa, vais conhecer a minha cidade, a minha família’», adianta, explicando que já deu para visitar um pouco do país.

Então e o que pode dizer do Kosovo a quem não conhece o país? «A guerra acabou há 17 anos e já não se notam muitas marcas. Há bastantes edifícios abandonados, algumas casas destruídas, mas está tudo a mudar. Desde o dia em que cheguei, muita coisa mudou na cidade onde estou. Mais quatro, cinco anos e isto será bastante diferente, a nível económico, infraestruturas. Aqui não há muito dinheiro. O salário mínimo é 250 euros, mas a comida e as coisas básicas são baratas».

Mas há marcas que não se apagam. «Sempre que falo aqui na Sérvia eles não gostam muito, por causa do passado [ndr. O Kosovo declarou-se independente da Sérvia em 2008 numa decisão unilateral]», explica.

A nível futebolístico também se vive uma evolução acelerada. «Este é o primeiro ano em que a Liga é reconhecida pela UEFA, além de a seleção ter sido reconhecida também pela UEFA e pela FIFA. O futebol está todo a mudar, estádios, infraestruturas, investidores a chegar. Clubes a lutarem para tentarem o apuramento da Liga Europa», conta.

A adaptação a um país e tipo de futebol diferentes não foi sempre fácil. «Na pré-época, os treinos eram bastante intensos. Treinávamos de manhã e à tarde todos os dias. De manhã sempre sem bola e à tarde com bola. Custou-me um pouco a adaptar-me ao tipo de treino e de futebol, mas a maior dificuldade é mesmo a língua - aqui fala-se albanês», explica.

«Não há muitos estrangeiros na liga. Eu sou o único da minha equipa. No Drita, que é a equipa rival e é da mesma cidade, conheci três estrangeiros: dois brasileiros e um colombiano. Mas é raro encontrar algum jogador de outro país, por isso, a comunicação é feita em inglês», conta.

Apresentação dos equipamentos

E quando se vai comprar pão ou ao café? «Em inglês é complicado. Algumas pessoas só falam mesmo uma ou outra palavra. Eu também estou a tentar aprender um pouco a língua e já me desenrasco se for sozinho a uma padaria ou a um café. E os gestos também ajudam».

Há outras diferenças culturais. «A religião também é diferente. São maioritariamente muçulmanos, e há coisas que eles não comem por causa disso. Além de ser o único estrangeiro na minha equipa, sou cristão, mas, em relação a isso, não há qualquer problema. Eles são amigáveis e o ambiente é bom, é muito bom», garante.

«As pessoas aqui gostam muito de futebol e apoiam a 100 por cento. Perdendo ou ganhando, as pessoas não mudam. Posso não marcar, posso não jogar, mas as pessoas não mudam, são sempre amáveis comigo. Por exemplo, tenho amigos da equipa rival da cidade, o Drita, que conheci no café ou na rua, e mesmo assim são muito amigáveis comigo», explica.

E quando diz rival, é mesmo rivalidade a sério. «É o maior dérbi no país. Joguei 10 minutos e foi uma sensação incrível. Eu venho de uma realidade de segunda liga, e mesmo na primeira liga, em termos de claque e apoio, não é fácil encontrar o que eu encontrei aqui. Só mesmo equipas grandes. Foi a primeira vez que senti isso e foi formidável, mesmo muito bom», conta. «E acabámos por ganhar o jogo e ainda foi melhor».

Posto isto, é inevitável perguntar: arrepende-se da escolha? «Foi uma proposta boa que me trouxe cá. Não é um mar de rosas, nem a vida com que sempre sonhei, mas é bom».

Há saudades no tom de voz quando se fala de casa. «Sinto muito a falta de Portugal. Da família, das comidas da mãe, dos amigos, do clima. Aqui faz muito frio e faz-me falta o sol do Algarve», e claro, o filho. «O meu filho tem oito meses e está em Portugal. As saudades vão custando, mas vou regressar agora porque há uma pausa, e mato saudades. Quando melhorar o tempo, talvez a família venha visitar-me porque o menino é muito pequenino para vir agora com este frio», conta.

E como é que do Lagoa, a jogar nos distritais, foi parar à Superliga do Kosovo? «Desde os 18, 19 anos, sempre quis jogar fora de Portugal. Pela questão financeira e porque, muitas vezes, os jogadores são mais valorizados. O meu sonho sempre foi ser jogador profissional, e consegui isso. Outro sonho foi chegar à seleção nacional e sei que lá fora às vezes é mais fácil ir mais longe, ser mais reconhecido», explica.

Primeiro tentou o Modena, de Itália. «Prestei uma semana e meia de testes nos juniores, mas o empresário nada me disse e voltei para Portugal, para o Portimonense, e assinei contrato profissional».

No Portimonense

As coisas não correram bem e no segundo ano foi emprestado ao Louletano. «Também não joguei muito e em janeiro rescindi o contrato e decidi arriscar na Alemanha. Estive três semanas no Wurzburger Kickers [2.ª divisão]». Mas na altura de assinar, nada aconteceu, por isso voltou a Portugal. «Isto aconteceu em janeiro e o meu filho nasceu em fevereiro. Quis estar com o meu filho e com a minha namorada nesse momento».

«Para não ficar parado, fiz os últimos seis meses da época no Lagoa [1.ª Divisão da AF Algarve]. Foi bom. Chegámos a ganhar a Supertaça do Algarve», conta. No verão, havia uma proposta da Polónia, mas era preciso esperar a data para ir prestar provas. Todas as equipas já tinham começado a pré-época e eu ainda estava à espera do dia para ir. Falei com o meu «personal adviser» e ele disse-me: ‘Podemos continuar a esperar, mas eu também tenho uma oferta no Kosovo’. Como não queria estar parado e tinha receio de receber um não da Polónia, decidi arriscar. E aqui estou eu», conta.

O contrato no Kosovo é de um ano mais um de opção. «No final do ano, se quiser continuar, renegociamos». E já decidiu? «Sei que isto está a mudar, mas as saudades da família também são muitas e, se tiver oportunidade de voltar a Portugal, volto. Ou vou para um lugar melhor».

Desde pequeno que Jorge Emanuel Teixeira tem feito sacrifícios pelo sonho do futebol. Nascido em Felgueiras, depois de dois anos no Lixa, surgiu o primeiro desafio. «Fui para o Pasteleira, que era na altura a equipa B do Boavista, e estive lá um ano. Foi uma diferença grande porque vinha da distrital, de um pelado, e as condições eram completamente diferentes… tinha 12 anos e não joguei muito, mas foi bom para aprender».

Só que a logística desse ano não foi fácil. «Foi o maior sacrifício que os meus pais fizeram até hoje. Eu fazia cerca de 150 quilómetros todos os dias, com a minha mãe, de carro. Saía da escola, ia a casa lanchar e seguia para o treino e só chegava a casa depois das 23:00, às vezes à meia-noite», recorda. «Era complicado conciliar com a escola. Os meus pais pagavam uma professora à parte ao fim-de-semana para eu poder ir acompanhando. O meu pai ainda teve que arranjar mais um part-time para poder ajudar. Foi um ano difícil, mas também aprendi a dar valor».

No ano seguinte rumou ao Algarve, onde o pai já estava a trabalhar, e fez o resto da formação no Portimonense, numa deslocação que não demorava mais de 5, 10 minutos.

Um dos sonhos – o de ser jogador profissional – cumpriu-se, mas há mais em carteira. «O meu objetivo é trabalhar, jogar mais, marcar golos, ser reconhecido, ter oportunidade de jogar em melhores campeonatos, melhores equipas e poder chegar um dia à seleção nacional e participar nas competições europeias».