Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@tvi.pt ou rgouveia@tvi.pt

Cinco séculos depois de Pedro Álvares Cabral ter reclamado para Portugal o descobrimento do Brasil, há novos portugueses à conquista no outro lado do Atlântico. No futebol, desporto no qual o povo canarinho é rei e senhor no que diz respeito a talento bruto, há selo lusitano nas vitórias de alguns dos maiores clubes de Terras de Vera Cruz.

Entre 2019 e os primeiros meses de 2020, Jorge Jesus fez história ao serviço do Flamengo. Quatro títulos – Brasileirão, Libertadores, Supertaça brasileira e Supertaça Sul-Americana – abriram portas e janelas de um novo mercado. Augusto Inácio (Avaí, Série B), Jesualdo Ferreira (Santos) e Ricardo Sá Pinto (Vasco da Gama) seguiram-se a ele e Abel Ferreira cruzou depois o oceano para levantar mais títulos e fazer história, já em 2021, pelo Palmeiras.

O treinador português está na moda no Brasil e António Oliveira quer contribuir para que continue a estar. O treinador de 38 anos, o segundo mais novo entre os 20 dos clubes da Série A, é o novo treinador do Athletico Paranaense, onde chegou em outubro de 2020 para trabalhar como adjunto de Paulo Autuori.

Em entrevista ao Maisfutebol, o filho do inconfundível Toni apresenta um discurso ambicioso e fala sobre os projetos do ‘Furacão’ para os próximos anos: tornar-se uma das equipas mais poderosas da América do Sul. «Está muito à frente dos outros clubes e é também um exemplo para muitas equipas na Europa», testemunha.

Uma viagem que começa no Brasil, onde António Oliveira chegou há pouco mais de um ano integrado na equipa técnica que Jesualdo Ferreira levou para o Santos, com passagens por Irão, Kuwait, Eslovénia, recordações de Taremi, Lucas Veríssimo e dos tempos vividos na formação do Benfica e no antigo Estádio da Luz, onde passava horas a fio.

Maisfutebol – Jorge Jesus, Abel, Jesualdo Ferreira, Sá Pinto e, agora, o António Oliveira. O que é que os dirigentes dos clubes da Serie A do Brasil procuram no treinador português que não encontram no brasileiro?
António Oliveira – E o Paulo Bento, um dos primeiros ou talvez o primeiro português a nível top no Brasil. Já não é uma novidade. A novidade é o sucesso que alguns deles tiveram. Nomeadamente o Jorge e o Abel, que são os casos mais recentes e bem-sucedidos. Mas, com toda a humildade, também o António, que não ganhou sozinho, mas dentro de um panorama em que, quando aceitei o desafio de vir para o Athletico Paranaense, a equipa encontrava-se em 19.º com 16 pontos. E é necessário contextualizar e perceber em posição terminou.

MF – No nono lugar.
A.O. – Com 53 pontos, a um do acesso à Libertadores e foi a única equipa com acesso à fase de grupos da Sul-Americana. E fomos a quarta melhor equipa da segunda volta a três pontos da melhor e com a segunda melhor defesa do campeonato. Para mim, esta foi a nossa Libertadores dentro das circunstâncias em que encontrámos o Athletico na altura em que assumimos. Mas repito: ganhei com uma equipa vasta, sobretudo do ponto de vista da comissão técnica, onde o seu líder era o mister Paulo Autuori. Mas o grande mérito foi dos jogadores: fizeram um trabalho fantástico do ponto de vista técnico, mas demonstraram uma condição humana sem espinhas. Foram grandes homens.

Estamos a viver uma moda, digamos assim, do treinador português no futebol brasileiro. Mas isso acontece porque obtém resultados. Se não tiverem resultados, também vão embora»

MF – Voltando à questão inicial…
A.O. –
Há bons e maus treinadores portugueses, como há bons e maus treinadores brasileiros. Apenas cabe a cada um demonstrar todo o seu trabalho, dedicação, disciplina e paixão pelo jogo. Nos últimos anos houve um investimento forte na formação de treinadores e acho que, de uma forma genérica, o treinador português é um treinador muito bem preparado. E há também bons treinadores brasileiros que já seguem muito a nossa linha. Mas outrora também houve bons treinadores brasileiros em Portugal. Por exemplo, o mister Paulo Autuori esteve 11 anos em Portugal e foi bem-sucedido. É de uma escola brasileira e está num altíssimo nível. É muito capaz, competente e está muito à frente do ponto de vista tático, estratégico e é top do ponto de vista humano e de gestão de grupos. Agora estamos a viver uma moda, digamos assim, do treinador português no futebol brasileiro. Mas isso acontece porque obtém resultados e o feedback que tem passado em relação ao seu trabalho é muito positivo. Mas se não tiverem resultados também vão embora. O Inácio e o Sá Pinto estiveram aqui e foram embora. A seleção natural é feita pelos resultados que acontecem e daí vem o reconhecimento por parte das pessoas. Foi o que, felizmente, aconteceu com o Jorge [Jesus], que entretanto saiu para um projeto que ele achou ser melhor para ele, e depois com o Abel.

MF – Mas nota diferenças entre um treinador de topo português e um treinador brasileiro de topo nas metodologias de trabalho?
A.O. – Só posso falar em relação ao Paulo Autuori, com quem trabalhei muito diretamente. E posso dizer que partilhamos muito as mesmas ideias, os mesmos conceitos, comportamentos e a visão do futebol. E também princípios e valores. Ele deu-me autonomia e tivemos um casamento perfeito. Repito: há treinadores bons e maus em todo o lado. É a minha visão, sem querer ser politicamente correto. O Paulo Autuori ganhou duas Libertadores e um Campeonato do Mundo, mas não é por isso. É porque eu trabalhei diretamente com ele e as coisas fluíram tão bem porque comungávamos da mesma forma de trabalhar, das mesmas ideias e conceitos e dos valores que temos e que devem estar sempre presentes. E é isto que faz a grande diferença: por mais que tenhamos o melhor treino ou a melhor estratégia, se não tivermos os jogadores comprometidos connosco, isso não nos vale de nada.

MF – Isso é o mais difícil de conseguir quando se é um treinador? Garantir esse equilíbrio emocional numa equipa?
A.O. – Sim. Nós, treinadores, somos preparados sob o ponto de vista técnico. E essa habilidade tem-se, mas a outra, da sensibilidade, ou se tem ou não se tem. E a gestão de grupos tem de ser feita de forma muito genuína e honesta. É possível teatralizar uma ou duas vezes, mas depois há uma outra em que, em momentos mais frustrantes ou tensos, o treinador se revela. E o jogador percebe. Eu já estive do outro lado, tive vários treinadores e coloco-me do lado deles. Isto aplica-se a jogadores e a treinadores: quanto melhores homens formos, melhores profissionais seremos. E isso não se dá nos cursos. Dá-se, sim, na experiência acumulada pelas situações que vamos tendo de resolver, mas também pelo que aprendemos com as pessoas com quem trabalhamos. E eu tive a felicidade de poder trabalhar com três treinadores top mundial que olham muito para essa parte humana: o meu pai, o professor Jesualdo e o mister Paulo Autuori. Esta escola sábia e da experiência não se dá nos cursos. E eu tenho a vantagem de poder juntar essa escola sábia a esta mais tecnológica e de inovação. A velha guarda e a nova guarda, porque tive acesso às duas escolas. Sinto-me um treinador mais capaz e poderoso por isso.

MF – Sente que há quase um conflito entre treinadores da velha e da nova escola, uns com mais experiência de campo e outros mais académicos?
A.O. –
Sim. Mas há porque as pessoas querem que haja. De um lado e do outro. Mas não me venham dizer que um Mourinho vai ser incompetente aos 70 anos. A experiência só lhe vai dar mais competência. Não acredito que o mister Paulo Autuori se tornou incompetente à medida que os tempos foram avançado. É cada vez mais competentíssimo. Também não acredito que o meu pai se tornou incompetente: presenciei-o e isso não é verdade. A mesma coisa com o professor Jesualdo, que foi um dos responsáveis pelo impulso da formação dos treinadores em Portugal. Este conflito de escolas foi gerado porque acima de tudo vivemos numa classe muito competitiva, com muita procura para a oferta e onde muitas vezes não se olha a meios para atingir os fins. Vale tudo e a vontade de se ter oportunidades sobrepõe-se a princípios que se devem ter em todas as áreas.

MF – Disse há pouco que teve um «casamento perfeito» com Paulo Autuori e que ele lhe foi dando autonomia no trabalho. Mas, apesar disso, não ficou surpreendido pelo convite que lhe foi feito para assumir a equipa?
A.O. – Recebi o convite de forma muito natural. A forma de jogar já está muito cimentada e os jogadores já a interpretam de forma bastante automatizada. E há uma grande harmonia entre o grupo e a equipa técnica: já nos conhecemos e acho que não havia razão para mudar. Estamos a trabalhar integrados num projeto com ideias e no qual as pessoas que estão à frente dele são muito racionais. É tudo feito com muito critério. O presidente Mario Celso Petraglia, o William Thomas [gerente executivo] e o Paulo Autuori [diretor técnico], que são as três pessoas mais importantes deste projeto, confiaram em mim.

DR José Tramontin/Athletico

MF – Reconheceu que o treinador português está na moda no Brasil. O Jorge Jesus abriu portas e o Abel provavelmente ainda vai abrir mais pelo sucesso que está a ter no Palmeiras. No meio disto tudo, como se sente o António? Com moral por ser português ou mais pressionado para ter sucesso?
A.O. – Acima de tudo sinto-me entusiasmado. Tenho a vantagem de já conhecer o grupo, que maioritariamente ficou no clube. As pessoas já me conhecem e estamos identificados claramente com os nossos comportamentos e forma de jogar, que é meio caminho andado e é ganhar tempo. E o facto de termos ficado no nono lugar da Serie A permitiu-nos ter cinco semanas de trabalho – que agora são quatro por causa deste lockdown – até à Sul-Americana.

O Athletico Paranaense é uma referência no Brasil, na América Latina e também um case-study»

MF – Os treinos estão suspensos e já daqui a um mês começa a vossa participação na Sul-Americana. Como tem gerido esta situação?
A.O. – Depois do último jogo da Série A, que foi contra o Sport Recife, os jogadores tiveram duas semanas de descanso. Éramos para ter regressado na semana passada, mas devido à pandemia a cidade de Curitiba entrou em lockdown e o nosso CT está na cidade, onde não são autorizadas atividades desportivas em recintos. Nesta semana tivemos de trabalhar via online. É algo limitativo, claro. Mas esperamos que se resolva rapidamente e o facto de já nos conhecermos bem e de termos uma ideia de jogo bastante consolidada deixa-me mais confortável. Se tivesse de começar do zero era bastante mais preocupante. Continua a sê-lo, porque quero estar com os jogadores e que a equipa cresça cada vez mais. Mas os cinco meses de trabalho dão-me algum conforto.

MF – Fale-nos um pouco mais Athletico Paranaense. Que clube é em termos de organização e que ambições tem?
A.O –
É preciso contextualizar. Para se ter uma ideia, três das quatro grandes referências do Palmeiras foram jogadores do Athletico Paranaense: o Weverton, o Rony e o Raphael Veiga. Isto para se perceber quais são as linhas orientadoras para ir ao encontro da nossa ambição, que é uma racional e não desmesurada. Desde há 25 anos, quando a transformação do Athletico se iniciou [n.d.r.: com a chegada do presidente Mario Celso Petraglia], que é seguida uma política desportiva muito rígida e com linhas orientadoras com ideias e um modelo de jogo e de jogador – o jogador CAP – muito claros. E sempre conseguiram atingir os objetivos a que se propuseram. Eles propuseram-se a ganhar a Liga brasileira e ganharam-na. Propuseram-se a ganhar a Copa do Brasil e ganharam-na. E ganharam a Sul-Americana, que também se propuseram a ganhar. E até 2024 propõem-se a ganhar a Libertadores e o Mundial de Clubes com 60 por cento dos jogadores formados no Athletico. E espero que a Libertadores e o Campeonato do Mundo sejam comigo à frente, porque acima de tudo quero ficar aqui muito tempo. Fui muito bem recebido, as pessoas gostam da minha condição humana e do meu trabalho. E eu gosto de estar onde as pessoas me querem e onde me sinto bem. Para além da estrutura fantástica que o clube tem e que faz do Athletico uma referência no Brasil, na América Latina e também um case-study. Está muito à frente dos outros clubes e é também um exemplo para muitas equipas na Europa. Não entra em loucuras, mas também não foge das responsabilidades e da ambição de querer ganhar jogos e títulos.

MF – Essa forte aposta na formação de que fala não se vê de forma tão vincada nos clubes que lutam habitualmente pelo título no Brasil?
A.O. – O que sei é que o Athletico Paranaense tem um projeto que assenta muito na base e tem-se dado bem. Foi vice-campeão brasileiro de sub-17 e de sub-20. E a equipa que iniciou agora o Campeonato Estadual é a mais jovem de sempre a atuar no Paranaense. Chamam-lhe sub-23, mas é praticamente uma equipa sub-21. Nós podíamos perfeitamente utilizar a equipa principal no Estadual e ser muito mais fácil arrecadar o tetracampeonato, que seria o primeiro na nossa história. Mas não nos desviamos das linhas orientadoras do clube e não dissociamos o processo do resultado. Queremos o resultado, claro, mas também é muito importante o processo. A nossa política desportiva não abana em função de qualquer resultado desportivo. Esse é um dos grandes feitos deste clube, que tem à sua frente um génio. Na minha opinião, o Mario Celso Petraglia teve de ser um génio para transformar um clube de bairro num clube que neste momento ocupa o quinto lugar do ranking brasileiro. Criou as suas ideias e nunca se desviou delas. E isso é de líder nato. E agora está bem agregado ao William Thomas.

MF – Com quem o António trabalhou no Santos, certo?
A.O. – Foi ele o responsável por eu ter regressado ao Brasil. Endereçou-me o convite para ingressar no Athletico Paranaense e eu aceitei, sabendo que a situação era delicada. Sem esquecer que o facto de o professor Jesualdo me ter convidado para a sua equipa técnica foi o motivo para eu ter vindo para o Brasil e a base para as pessoas reconhecerem o meu trabalho.

DR José Tramontin/Athletico

MF – O que é que ainda falta para o Athletico dar o salto gigante que pretende até 2024 com as vitórias de uma Libertadores e de um Mundial de Clubes? Reter esse talento que, por exemplo, foi reforçar o Palmeiras?
A.O. – Sim. Vai reter esse talento, mas também vai investir. Há muitos exemplos da aposta forte na base por parte do Athletico. Renan Lodi, Bruno Guimarães, Rony, Raphael Veiga, Weverton. São todos jogadores formados aqui que foram vendidos. O Athletico tem sido um clube mais vendedor do que investidor, mas tenho a certeza de que vai conseguir associar a aposta na base a um investimento forte para fazer uma equipa muito forte para atacar a Libertadores e depois chegar a um Campeonato do Mundo.

MF – E para esta época quais são os objetivos? É possível o Athletico Paranaense vir a intrometer-se na luta pelo título do Brasileirão depois de ter terminado a temporada passada com registos ao nível das melhores equipas?
A.O. – Quando eu aqui cheguei, o objetivo do Athletico era ficar na Série A. E, à medida que os jogos foram avançando, os objetivos foram-se redefinindo. Sul-Americana e, depois, começámos a ver que a Libertadores também seria possível. Se os objetivos foram redefinidos na época passada, isso também pode acontecer agora. Sem querer tornear a pergunta, acima de tudo quero que continuemos a ser a equipa competitiva que fomos e que lutou pelos três pontos em qualquer circunstância. É uma responsabilidade ideológica do clube promover isso. Sermos uma equipa muito competitiva e capaz de ombrear com qualquer equipa em qualquer competição. À medida que as competições forem avançando, se tivermos de assumir novas responsabilidades não nos esconderemos.

Acredito muito na minha capacidade, no meu trabalho e acredito na forma como fui preparado para hoje estar pronto para as novas oportunidades que me surgem»

MF – Há quem não goste de se comprometer publicamente com metas para a carreira, mas o António disse há uns meses numa conversa na Quarentena da Bola que quer chegar ao topo do futebol mundial. O que é que o leva a ter essa confiança inabalável nas suas capacidades?
A.O. – Acredito muito no meu trabalho, na minha exigência, na minha forma de ser e de estar, de comunicar e de liderar. Ao longo dos tempos eu fui preparado para isto. E isso já vem dos tempos em que eu era jogador. Sinto-me à vontade e confortável na posição em que estou e sinto-me também cada vez melhor preparado. Acredito muito na minha capacidade, no meu trabalho e acredito na forma como fui preparado para hoje estar pronto para as novas oportunidades que me surgem. Do ponto de vista técnico preparamo-nos, vamos vendo e moldando a nossa forma de jogar, mas há outra parte que ou se tem ou não se tem: o carisma, a forma de ser e de estar, de liderar e de gerir grupos. Claro que não posso excluir outra parte que é a forma de jogar, e que nos identifica e diferencia enquanto treinadores. E posso dizer que ninguém joga como o Athletico. Há princípios iguais, mas depois há subprincípios, as tais porcas e parafusos, que mais ninguém tem e que também estão relacionadas com as características dos jogadores. Sozinho não consigo fazer nada.

DR José Tramontin/Athletico

MF – Como é que se define enquanto treinador?
A.O. – Eu tenho essas duas vertentes que não consigo dissociar: a vertente mais técnica e a vertente humana. Convivo com as duas. Sou alguém de muito trabalho, exigência, disciplina e de muita paixão e dedicação pelo jogo. E de grande honestidade, sinceridade, entreajuda e solidariedade.

MF – Quando é que teve a pretensão de vir a tornar-se treinador?
A.O – O treino começou a despertar-me interesse por volta dos meus 23 anos. Depois, também tive alguns treinadores e comecei a questioná-los. Os ‘porquês’, como os bebés quando começam a crescer [risos].

MF – Gosta de jogadores assim?
A.O. – Tenho um muito curioso e que acho que vai ser um grande treinador.

MF – Quem?
A.O. – O Lucho González [ex-FC Porto]! E nós percebemos quem é que pode e quem é que quer. Eu utilizei o facto de ter sido jogador de futebol como meio de preparação para o que eu realmente queria, que era ser treinador. Ser treinador é muito mais fascinante do que ser jogador, mas reconheço que ser jogador é viver e ser treinador é morrer aos bocados.

MF – Porque é que diz isso?
A.O. – Porque quando somos jogadores, vamos treinar duas ou três horas e depois vamos para a nossa vida social. Há um momento competitivo, um momento de exaltação relativamente a uma vitória ou de frustração após uma derrota e depois, passado uma hora, já passou. Para nós, nem há tempo para festejar: os jogadores festejam e nós uma hora depois ainda estamos nas conferências de imprensa. E entretanto já passou a festa. O sucesso é muito efémero e começa-se logo a preparar o jogo seguinte, que muitas vezes é dois ou três dias depois. E isso consome-nos muito. Quase não há tempo para a família. Mas isto é mesmo para quem tem paixão, dedicação, disciplina e para quem gosta de trabalhar. Tenho a certeza que foram esses os ingredientes que me trouxeram até aqui. Mas isso faz-me valorizar ainda mais este momento, porque custou-me muito chegar até aqui.

MF – Sendo filho de um treinador e tendo jogado futebol durante muitos anos, era quase inevitável ter dado treinador, mesmo que esse ‘bichinho’ tenha começado a manifestar-se, como disse, quando tinha vinte e poucos anos?
A.O. – Eu convivia com alguém que era um ícone, um ídolo e alguém que é bastante consensual no meio desportivo português. Mas já o disse várias vezes: eu conheci verdadeiramente o meu pai em 2012. Só quando começámos a trabalhar e a partilhar todos os momentos um com o outro é que verdadeiramente conheci o meu pai. Mas a paixão do futebol vem desde pequenino. Lembro-me de pegar nas minhas VHS e pôr os vídeos a correr do Benfica de 87/88, de 89… lembro-me de ter cinco anos e ver pela televisão a final de Estugarda onde o Veloso falha o penálti. Lembro-me de ir a Viena em 90 ver o Benfica com aquela equipa fantástica do Arrigo Sacchi, uma das melhores equipas de sempre. Lembro-me de chatear o meu pai para ir para os treinos…

Passei 12 anos da minha vida no Benfica. Era ‘doente’, mas depois apercebi-me acima de tudo que era Tonista»

MF – Vivia praticamente dentro do Estádio da Luz quando era miúdo?
A.O. – Sim! Às vezes chegava às 08h00 ou 10 da manhã, ficava a ver os sub-19, depois ia ver o hóquei em patins e o andebol. Ia para o Ponto Vermelho, para o Lar dos Jogadores e ficava lá a almoçar com os meus colegas que viviam lá. Cresci ali. Passei 12 anos da minha vida no Benfica. Era ‘doente’, mas depois apercebi-me acima de tudo que era Tonista. Eu sofria muito com os jogos do meu pai. E continuei a sofrer da mesma forma quando ele foi para as Arábias e para os Emirados.

MF – Qual é a memória mais, digamos, triste que tem do seu pai no Benfica?
A.O. –
Tem de ser aquela que toda a gente sabe. Aquela injustiça…

MF – A saída dele em 1994?
A.O. – Após serem campeões, sim. Aquilo não se faz e as pessoas que o fizeram sabem que não estiveram bem. É uma marca que fica para sempre, uma mágoa enorme, mas o meu pai sempre disse, até por amor ao clube: ‘Perdoa, mas não esqueças’.

MF – Foi aí que percebeu definitivamente que mais do que benfiquista era Tonista?
A.O. – Sim. Claro que ninguém apaga uma ligação de 12 anos, no meu caso, e de 34 do meu pai a um clube. Mesmo que eu sofresse pelo meu pai, também estava a sofrer por um clube. Mas aí percebi claramente que era Tonista.

MF – E é ao lado dele que se inicia como treinador em 2012, como disse.
A.O. – Ele devia pensar que estava a levar um padeiro com ele [risos]. Claro que ele sabia que eu tinha jogado, que me tinha licenciado nas áreas específicas do treino e tirado os cursos UEFA. Mas presencialmente não conhecia o meu trabalho. Foi-se apercebeu-se e ao longo dos anos foi-me dando autonomia. Preparou-me de uma forma muito subtil, percebendo que era uma questão de tempo até eu efetivar-me.

MF – Mas antes ainda faz um estágio na formação do Benfica.
A.O. – Na equipa sub-17. Nessa equipa jogava o Gonçalo Guedes e o treinador era o Bruno Lage. Licenciei-me em educação física e desporto no ramo de treino desportivo na especialidade de futebol entre os 23 aos 28 anos e, depois, esse estágio foi integrado no meu mestrado em treino desportivo de alto rendimento na especialidade de futebol. Foi das melhores decisões que tomei na vida.

MF – Que memória guarda desse estágio ao lado de Bruno Lage?
A.O. – Recordo-me que o adjunto dele era alguém de quem eu gosto muito: o Chalana. Foi meu treinador quando fui campeão nacional de juniores e é uma pessoa que me marcou muito e não me esqueço da forma como ele me tratou. E a dimensão da estrutura que o Benfica montou e que dava aos jogadores todas as condições e mais algumas. Tudo o que eu não tive.

MF – Sente que se tivesse essas condições quando passou pela formação do Benfica teria mais ferramentas para ter chegado mais longe como jogador?
A.O. – Tenho a certeza de que teria tido outra carreira como jogador se não tivesse estado na formação do Benfica. Se tivesse feito a formação noutro lado qualquer, talvez tivesse outra direção, outro caminho.

MF – O que é que lhe faltou lá?
A.O. – Talvez tenha faltado sair de lá [risos]. Mas, mesmo assim, orgulho-me muito do percurso que fiz. Quando cheguei a uma determinada fase da vida, tomei uma decisão muito consciente. Podia ter sido daqueles que insistem e que dizem que tem de ser, e que depois só olham para a parte formativa no final da carreira, aos 30 ou 32 anos. Fui um bom ouvinte, principalmente do meu pai, que sempre foi o meu conselheiro. A melhor decisão que tomei, foi regressar a Lisboa depois de ter jogado no Santa Clara em 2005. Continuei a jogar, fui estudar e preparar-me para o que eu queria realmente, que era ser treinador de futebol.

MF – Mas porque é que diz que lhe faltou sair do Benfica mais cedo? Pela falta de aposta nos jovens? Pelo abandono da formação?
A.O. – Naquela altura, o Benfica era muito indefinido. Vivia momentos conturbados, com muitos presidentes e falta de dinheiro até arranjar uma linha orientadora. Se calhar devia era ter ido para outro clube, porque se tivesse ido talvez tivesse progressão de carreira lá. No Benfica havia um bocadinho aquele preconceito por eu ser filho do Toni e não tive progressão de carreira talvez por isso. Ao contrário do que as pessoas possam pensar, isso era prejudicial. Foi muito difícil, mas se calhar a culpa também foi minha.

No Irão ao serviço do Tractor, onde esteve quatro anos, de 2012 a 2016

MF – Voltando ao Irão, onde começou como treinador.
A.O. – Quando terminei o estágio de mestrado fui imediatamente para o Irão. É o meu primeiro projeto.

MF – Havia sítios menos inóspitos para se começar…
A.O. – Mas foi uma experiência brutal e fantástica do ponto de vista desportivo. Fomos felizes e bem-sucedidos. Ganhámos uma Taça do Irão, fomos duas vezes vice-campeões e tivemos quatro qualificações para a Liga dos Campeões. E ganhámos o carinho de 45 milhões de adeptos que ainda hoje nos idolatram e pedem constantemente o nosso regresso. Mas em termos sociais a vida é difícil, não o escondo, mas é a cultura deles. Guardo muito carinho pelo Irão: faz parte da minha história e da minha aprendizagem e fiz lá muitos amigos

MF – E é um país muito apaixonado por futebol, não é?
A.O. –
Vivem de forma muito apaixonada o futebol. Chegámos a meter 80 mil no nosso estádio, a jogar em Teerão com 100 mil espectadores, a ter 20 mil pessoas no aeroporto à nossa espera e num jogo às 4 da tarde para a Liga dos Campeões o estádio já estava cheio às 11 da manhã. Mas também passei as passas do Algarve: não pude assistir ao nascimento do meu segundo filho e são marcas que ficam. Já pareço o Abel a falar [risos]. Mas é um facto que se perde muito do crescimento dos nossos filhos. Sofremos muito com isso, mas são sacrifícios pelos quais temos de passar para termos o que temos hoje e para dar conforto às nossas famílias. Mas o conforto para mim não é ter um grande carro: é investir na educação dos meus filhos e garantir que não lhes falta nada à mesa.

MF – E histórias rocambolescas do Irão? Há a célebre conferência de imprensa do Toni em que que se dirige a um jovem jornalista e diz-lhe que já devia estar na cama àquela hora.
A.O. – [risos]. Essa foi logo a primeira! Foi uma conferência de imprensa na sala de conferências do hotel onde estagiávamos. O meu pai jamais saberia que aquilo teria repercussões e chegaria a Portugal. Lembro-me que depois da conferência ele veio ter comigo a rir-se e disse-me que se tinha passado determinada situação. Mas o Vítor Pereira depois também teve algumas quando saiu de Portugal. A verdade é que isso deu um marketing do caraças [risos]. São situações giras.

Lembro-me de o termos defrontado quando ele jogava no Persepolis e tinha uns 19 ou 20 anos. Já se evidenciava na altura. Hoje é titularísimo no FC Porto. O Sérgio Conceição diz que é o Corona e mais dez, mas eu acho que é o Taremi e mais dez»

MF – E relativamente à qualidade do jogador iraniano? Hoje em dia em Portugal já se vai tendo um maior conhecimento dele pela chegada de alguns jogadores como o Taremi…
A.O. – Para mim, o Irão é o número 1 da Ásia. Tem jogadores muito evoluídos do ponto de vista técnico, físico e tático. E a verdade é que o Irão, também pelo bom trabalho do professor Carlos Queiroz, tem estado sempre presente nas fases finais dos Mundiais. As dificuldades que eles têm em sair partem mais das restrições que existem no país. Têm de cumprir serviço militar antes de saírem, por exemplo. Lembro-me de ter referenciado para Portugal um jogador que tínhamos, que é o Karim Ansarifard. Esteve muito perto de ir para o Sp. Braga do Sérgio Conceição e depois veio a jogar no Osasuna, Olympiakos e Nottingham Forest. Foi o nosso melhor marcador quando ganhámos a Taça do Irão.

MF – E o Taremi?
A.O. – No ano passado, quando ele veio jogar para o Rio Ave, perguntaram-me sobre ele e eu disse que estávamos perante um jogador de equipa grande. E veio a confirmar-se. Lembro-me de o termos defrontado quando ele jogava no Persepolis e tinha uns 19 ou 20 anos. Já se evidenciava na altura e foi uma ou duas vezes o melhor marcador da Liga. Neste momento é titularíssimo no FC Porto. O Sérgio Conceição diz que é o Corona e mais dez, mas eu acho que é o Taremi e mais dez. Ele não abdica do Taremi.

MF – Depois do Irão, o António esteve na 1.ª divisão da Eslovénia. Rudar, uma equipa onde termina a época como treinador principal depois de ter sido adjunto.
A.O. – Foi mais uma ótima experiência. Nesse ano, acima de tudo aprendi como é que não se deve fazer em termos de treino e de gestão do grupo. Não conhecia o treinador nem o adjunto que ele levou. Eu vinha de fora da equipa técnica dele. Infelizmente, ele [pausa] não me soube utilizar bem. Ele também vinha de uma cultura onde as pessoas são mais desconfiadas e frias. E o desfecho foi natural. Mas quando o clube me faz o convite para fazer o resto do campeonato, eu só aceito porque não tinha nada a ver com a equipa técnica dele. Se eu tivesse chegado com ele, sairia com ele. Como fiz no Santos de uma forma muito consciente e sem dúvidas: disse que ia embora com quem que me tinha trazido. Depois [ainda sobre o Rudar] convidaram-me a ficar, mas como adjunto de outro treinador, e eu disse que ali já só queria ser treinador principal. Já conhecia o clube, os jogadores e a cidade. Também não tinha grande vontade de estar novamente integrado numa equipa técnica de alguém que não conhecia, porque sabia o que é que podia acontecer novamente. E ficava constrangido, apertado e não ia ser feliz. Segui o meu caminho.

Com o pai no Kazma, equipa do Kuwait onde estiveram de 2017 a 2019. Venceram uma Taça

MF – E depois vai para o Kuwait.
A.O. – Dois anos com o meu pai.

MF – Julgo que aí já foi uma espécie de liderança bicéfala.
A.O. – Exatamente! Eu tinha toda a autonomia. O meu pai era o manager do clube e eu liderava todo o processo. Ganhámos uma taça e ficámos duas vezes em quarto lugar. Aquele campeonato está um bocado formatado. O lugar daquela equipa é quarto, quinto, sexto. Estivemos dez meses em que só perdemos uma vez, o que é mais uma vitória. Mas do ponto de vista desportivo esgotou-se.

MF – Contexto menos apaixonante?
A.O. – Nem tem comparação. É um país socialmente ótimo, mas do ponto de vista desportivo esgotou-se. Regressei e houve esta situação do Brasil, em que o professor Jesualdo me convidou para integrar a sua equipa técnica. Poder estar a trabalhar ao lado de uma referência do treino e do futebol em Portugal era perfeito. E ainda para mais no Santos, que é um grandíssimo nome do futebol mundial: o clube do rei Pelé e isso para mim também foi uma honra. E liderei também o processo da equipa sub-23. Depois, as coisas terminaram em agosto e eu regressei em outubro ao Brasil a convite do senhor William Thomas, como disse. Um belo exemplo de dirigismo para Portugal. Entrava fácil cá!

Lucas Verísimo é o melhor defesa-central que o Benfica tem»

MF – Teve a oportunidade de trabalhar no Santos com o Lucas Veríssimo, que assumiu nas últimas semanas a titularidade no Benfica. Surpreendido?
A.O. – Não é surpresa para mim! O Lucas é um craque! É o melhor defesa-central que o Benfica tem e vai, se ele quiser, ser jogador da seleção brasileiro mais tarde ou mais cedo e um dos melhores centrais a jogar na Europa. Eu trato-o por xerife, porque ele é um autêntico xerife em campo. Tem uma personalidade forte, é um profissional íntegro, era merecedor desta oportunidade de estar num grande clube da Europa e está a agarrá-la. Sou um fã incondicional do Lucas. Custou 6,5 milhões de euros ao Benfica? Foi de borla. E se um dia quiserem vão vendê-lo pelo triplo ou pelo quádruplo. Desde que trabalhámos com ele, percebemos que ele tinha algo de especial. Muitos dos comportamentos que ele tinha eram-lhe intrínsecos: quase não precisava de ser educado. Tem perfil de central europeu.

MF – É difícil encontrar isso no Brasil?
A.O. – Por acaso tenho dois grandes centrais, que para mim são dos melhores centrais brasileiros. O Thiago Heleno, a quem até já perguntei como é que ele não chegou a ir para a Europa. Tem 32 anos, já foi campeão brasileiro, foi treinado pelo Scolari e é um central tremendo, fantástico! Trabalhei com o Lucas e o Thiago Heleno não lhe fica atrás. E o central que está ao lado dele, o Pedro Henrique: tem 24 anos, vai crescer e vai ser uma questão de tempo até ir para a Europa. Há aqui jogadores de grande talento e que encaixam perfeitamente em grandes equipas da Europa.

MF – E além desses jogadores há outros que estão prontos para dar o salto para a Europa? Eventualmente para um grande clube português?
A.O. – Há sim senhor! Esses dois que referi são unânimes e há um outro que vai ser da seleção brasileira, mas fica para mim e mais tarde, quando ele lá chegar, vou confirmar se era ele ou não. Mas não falta muito!

FOTO DE CAPA: DR José Tramontin/Athletico