Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Na velha Albion há um português a brilhar entre os postes. Trata-se de João Virgínia, guarda-redes do Arsenal. Recrutado ao Benfica há dois anos, o algarvio é uma das maiores esperanças da formação dos gunners.

Desde a experiência de crescer à sombra de Cech ou Ospina e sob a tutela de Wenger à conquista do primeiro título como sénior. Pelo meio, João Virgínia aborda o ambiente no clube após o anúncio da saída do técnico francês e antecipa a final da Premier League Internacional Cup frente ao FC Porto.

A conversa é iniciada pela conquista do título de campeão de sub-23, na Premier League 2. O Arsenal venceu o dérbi londrino frente ao West Ham, por 3-1 e venceu a prova.

« Foi o meu primeiro título como sénior e foi, sem dúvida, uma sensação especial e muito boa. A Liga de sub-23 é uma liga de desenvolvimento, onde participam os melhores clubes ingleses. O facto de termos vencido, significa que trabalhámos melhor que os restantes», refere o jogador, em conversa com o Maisfutebol.

João Virgínia tem apenas 18 anos. Porém, é comum queimar etapas na formação e atuar em escalões superiores à sua idade. Faz tudo parte, segundo o próprio, do processo formativo da escola do Arsenal.

«Em Inglaterra, quando querem valorizar os jogadores, colocam-nos a jogar em patamares superiores. Isso prova que o jogador é avaliado unicamente pelo talento, pela vontade e pelo trabalho. Tenho jogado habitualmente nos sub-23 mas, por vezes, vou à equipa de sub-18 disputar os jogos mais importantes. Quantos mais jogos fizer melhor. Sobretudo se forem jogos com jogadores mais velhos. Só tenho 18 anos», sublinha.

A idade não é sinónimo de qualidade, pelo menos em Terras de Sua Majestade. Para além desta dissemelhança com Portugal, houve outros aspetos distintos que João Virgínia destaca.

«Valoriza-se o aspeto físico. Fazemos muito trabalho de ginásio e os treinos são mais exigentes em termos físicos. No primeiro ano, noite grande diferença nesse aspeto. Ao mesmo tempo, o Arsenal gosta de jogar de forma curta e apoiada. É uma filosofia que começa na formação e que se prolonga até à equipa sénior», conta.



João vive uma autêntica roda-viva entre treinos da equipa de sub-18 e sub-23. Por vezes, trabalha também às ordens de Arsène Wenger, treinador com o qual o guarda-redes tem oportunidade de privar semanalmente.

«Duas ou três vezes por semana treino com a equipa principal. O Petr Cech e o David Ospina, são guarda-redes muito experientes. O Cech é um dos meus ídolos. É uma excelente pessoa e um excelente colega. É especial ter a oportunidade de trabalhar com ele», frisa, antes de explicar por que razão é presença frequente nos trabalhos da equipa principal.

«A equipa técnica de guarda-redes do Arsenal aposta muito em mim. Sempre que é preciso um guarda-redes para ir à equipa sénior, vou eu. Por vezes, o Ospina ou o Cech não treinam e, quando isso acontece, chamam-me a mim. A velocidade a que jogam obrigam-me a evoluir muito e a estar muito concentrado.»

Falar do Arsenal é falar de Arsène Wenger, criador e mentor da filosofia do clube. O francês, que ocupa o cargo de treinador do Arsenal há 22 anos, já anunciou a saída do comando técnico do clube. João Virgínia só tem elogios a fazer em relação ao treinador.

«É um senhor no clube e é bastante respeitado. Nunca tivemos a oportunidade de conversar muito, mas posso dizer que é um treinador que elogia imenso o trabalho dos jogadores nos treinos. Por exemplo, sempre que faço uma boa defesa é comum ouvi-lo elogiar-me. Acima de tudo, existe um grande respeito no clube inteiro pela pessoa e pelo treinador que ele é.»

Bellerín, Fàbregas, Diaby, Wilshere, Ramsey, Ashley Cole, entre tantos outros, integram a lista de jogadores lançados por Wenger na primeira equipa do Arsenal. Uma das suas imagens de marca e, por extensão, do próprio clube.

«Alguns jogos da formação são na academia e é frequente vê-lo a espreitar na bancada. Acompanha os jovens todos. Muitos jovens treinam na primeira equipa para ele os observar. Depois, esses jovens acabam por ter oportunidade na equipa principal. Ainda no jogo frente ao Manchester United [ndr: no último domingo] isso aconteceu», lembra.





O legado de Wenger é demasiado extenso. Impalpável, incalculável e inesquecível. Porém, a rotina e o ambiente dentro do próprio Arsenal permanecem intactos. «Não, não. Para já, sinto que nada se alterou. O ambiente continua exatamente igual.»

Pese embora ainda não ter sido sequer convocado para um jogo da formação principal, João Virgínia faz um balanço «extremamente positivo» dos dois anos em Inglaterra.

«O balanço é extremamente positivo. Tenho evoluído bastante, tanto a nível futebolístico como pessoal. Jogar no estrangeiro obriga-me a evoluir de uma forma diferente, não só devido às diferenças culturais, mas também pelo estilo de jogo que é também diferente», reflete.

À procura do sonho de ser guarda-redes profissional, João Virgínia foi obrigado a um crescimento abrupto desde tenra idade. Aos 16 anos viveu com uma família de acolhimento, um cenário diferente do atual.

«Já tenho o meu apartamento e vivo com a minha família. Os meus pais vieram para Londres de forma a ajudarem-me e o meu irmão também joga no Arsenal. Tem 14 anos e também é guarda-redes (risos). O Domingos Quina, por exemplo, vive perto de mim e costumamos passar algum tempo juntos», revela.

Dia 8 de maio, o Arsenal vai disputar a final da Premier League International Cup frente ao FC Porto. Um jogo ««especial», de acordo com o guarda-redes do Arsenal.


«Sem dúvida que vai ser especial, porque vou ter a possibilidade de defrontar colegas de seleção e de jogar em Inglaterra contra uma equipa portuguesa. Se o Arsenal vencer será ainda mais especial. No Benfica existe uma certa rivalidade com o FC Porto e com o Sporting, obviamente que ainda me está na memória», perspetiva.

Pouco depois de antecipar essa final e quase no final da chamada telefónica, João Virgínia alerta-nos para um jogo igualmente importante da sua curta carreira.

«Escreva que amanhã [ndr: esta segunda-feira] temos a final da Youth Cup (risos). É a Taça de Inglaterra para equipas de sub-18, a competição jovem mais importante. Perdemos 3-1 na primeira mão, fora de casa. Agora jogamos em casa, vamos ver se damos a volta. Esta é uma das vezes em que desço de escalão para jogar pelos sub-18», salienta.

João Virgínia termina contrato com o Arsenal no final da próxima temporada. Por tudo o que tem feito ao serviço do clube londrino, o guarda-redes de 18 anos garante que o prolongamento do vínculo vai surgir naturalmente.

«Sei que o Arsenal aposta bastante em mim. Tenho a certeza que vão querer renovar comigo», conclui, sem medo do peso das palavras.

Artigo original: 30/4, 23h50