Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do Mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências. Sugestões e/ou opiniões para djmarques@mediacapital.pt ou rgouveia@mediacapital.pt

Há dez anos, Rúben Pinto era considerado um dos jogadores mais promissores da formação do Benfica. Internacional português em todos os escalões até aos sub-21, acabou por deixar definitivamente os encarnados em 2015, após 12 anos de ligação ao clube e sem um único minuto na equipa principal, onde chegou a trabalhar uma época inteira sob o comando de Jorge Jesus.

Em 2016, após uma temporada de alto nível no Belenenses, o médio-centro atravessou fronteiras para jogar no histórico búlgaro CSKA Sofia. Em quatro épocas, derrubou desconfianças, tornou-se num dos estrangeiros com mais jogos pela equipa e envergou a braçadeira de capitão.

No verão de 2020 sentiu que o ciclo tinha chegado ao fim. Destino: MOL Fehérvár, ex-Videoton ou Videoton para sempre, como quiser. Foi lá que o Maisfutebol o foi encontrar, depois de uma derrota para o campeonato e em vésperas de um jogo importantíssimo com o poderoso Ferencváros para a Taça da Hungria.

Aos 28 anos – completa 29 em abril – Rúben Pinto é um homem maduro, sem rancores ou mágoas pelo passado e antes agradecido por tudo o que conseguiu conquistar depois de uma lesão grave sofrida no ano em que esperava «explodir» no Benfica.

Uma conversa sobre os tempos na Bulgária, os primeiros meses no país dos magiares, mas também sobre sonhos e treinadores marcantes.

Maisfutebol – Estive a ver no nome da cidade do seu clube e não consigo pronunciá-la? Szé-kes-fe-hér-vár. Demorou quanto tempo?
Rúben Pinto –
[Risos] É fácil, é fácil. Para aí uns dois dias. Székesfehérvár [n.d.r.: com pronúncia e tudo!]. É difícil ao início, mas depois torna-se fácil.

MF – Suponho que também já estivesse habituado a nomes esquisitos na Bulgária.
RP – Sim. Isso também é verdade!

MF – Estive a pesquisar pelo seu clube e vi que nos últimos anos mudou de nome algumas vezes. Videoton, Vidi, MOL Fehérvár…
RP – O clube é Videoton, mas o investidor que pegou no clube é dono da MOL, uma empresa petrolífera que é uma espécie de GALP aqui na Hungria. Ele investiu no clube em conjunto com o presidente e atribuíram-lhe o nome de MOL Fehérvár, mas toda a gente trata o clube por Videoton.

Na apresentação pelo MOL Fehérvár no final de setembro de 2020

MF – Procurou informar-se muito sobre o clube antes de aceitar a proposta que recebeu no final do verão?
RP – Sim. Por acaso até já tinha cá um antigo colega meu do CSKA e também pus-me em contacto com outras pessoas que conheciam o clube. Perguntei-lhes como era o clube e quando cheguei aqui fiquei encantado. É um clube top e que nos dá todas as condições possíveis e imaginárias. Posso dizer que a seguir ao Benfica é o melhor clube onde já trabalhei.

MF – Também pesou o facto de ser um clube pelo qual passaram alguns portugueses? Não só jogadores, mas também treinadores, como Paulo Sousa e José Gomes?

RP – Sim. E também porque até ao início desta temporada estava cá um scout português que também foi jogador do Videoton: o Filipe Oliveira, que agora está na Arábia. Não falei com ele, mas uma das pessoas com quem contactei para vir para aqui, e que é um grande amigo dele, deu-me as melhores informações.

MF – Também fez esse «trabalho de casa» quando saiu do Belenenses para a Bulgária em 2016?
RP – Esse trabalho foi mais criterioso da primeira vez. Mas lembro-me que a adaptação também não foi fácil nos primeiros tempos. Pela língua e por ter estado lá sozinho nos primeiros meses. Eu estava no T3 ou num T4 bastante grande e não precisava daquilo. Quando chegava a casa, era um vazio e um silêncio incrível. Em Portugal estava habituado a estar sempre com bastante gente à minha volta. Depois do que passei, aprendi que qualquer tipo de adaptação a outra realidade seria mais fácil agora. Claro que facilita o apoio do clube. Quando aqui cheguei, pedi para mudar de um hotel para uma casa e o clube ajudou-me. Isso torna-nos a vida muito mais fácil. Eu sabia que o clube funcionava bem em relação a estas situações. Por exemplo, ajudou-me também a encontrar uma escola para o meu filho, que vai fazer quatro anos.

MF – Sente que deu um passo em frente ao transitar do CSKA Sofia, um clube histórico da Bulgária, para o Videoton?
RP – Sem dúvida. Até porque o Videoton também é um clube histórico aqui na Hungria, onde encontrei um campeonato com muito mais visibilidade do que o búlgaro. Dei um passo em frente e importante na minha carreira.

Rúben Pinto com a braçadeira de capitão do CSKA Sofia, num jogo para a Liga Europa com o Copenhaga em agosto de 2018

MF – Mas deixou um legado considerável no CSKA. Tornou-se num dos estrangeiros com mais jogos no clube e também chegou a ser capitão. Isso não o fez hesitar?
RP – Não hesitei por um motivo. Estive quatro anos no CSKA e sou muito grato ao clube e estarei sempre a torcer por eles. Mas o futebol é feito de ciclos e eu senti que o meu no CSKA tinha terminado. Queria um novo projeto, um novo rumo para a minha carreira. Tive propostas para sair mais cedo, mas o clube não facilitou a saída. Entretanto tive algumas propostas de renovação, mas queria mesmo procurar um novo desafio e saí quando o meu contrato chegou ao fim. Fui acarinhado ao longo desses quatro anos. O povo búlgaro é um pouco nacionalista, mas como eu já falava búlgaro e tive momentos muito bons, sentia esse carinho, sobretudo da parte dos adeptos. Recebia muitas mensagens de apoio depois dos jogos, durante a semana e nas férias. Isso é muito bom para um jogador. Sinto que deixei uma boa imagem.

MF – Enquanto estrangeiro teve de dar sempre mais de si para convencer os adeptos?
RP – Sem dúvida! Queiramos ou não, em Portugal ou na Bulgária, os estrangeiros têm de dar mais do que os outros. Se alguma coisa corre mal, é por nós que vão começar a cobrar. Se queremos que as pessoas gostem de nós e se queremos estar a um nível constante, temos de dar o dobro. Nós, jogadores, temos de tentar dar sempre mais do que os outros, mas quando estamos a jogar fora do nosso país, esse pensamento tem de ser ainda mais vincado.

MF – Isso ajudou-o a tornar-se melhor jogador nestes últimos anos?
RP – Fez crescer como jogador e também como pessoa. Tornei-me numa pessoa mais madura. Em Portugal eu tinha tudo. Ligava para alguém a dizer que precisava de algo e tinha. Quando saí, tive de me fazer à vida. Sinto que foi bastante positivo sair de Portugal.

Rúben Pinto, o filho Gustavo e a mulher Catarina

MF – E que balanço faz destes primeiros meses na Hungria?
RP – Posso dizer que a adaptação ao país foi fácil, mas ao futebol não foi tão fácil. Aqui, o futebol é muito mais intenso do que na Bulgária. Eu vinha de uma paragem de dois meses, porque tinha terminado o contrato com o CSKA. Quando cheguei, pensei que o treino que tinha feito com um preparador físico era suficiente para estar bem. Mas rapidamente percebi que não. Os meus colegas tinham jogado para a Liga Europa e tinham feito oito ou nove jogos para o campeonato. Disse para mim: ‘Eu não estou bem. Tenho de dar ao pedal para atingir a forma deles.’ No primeiro mês/mês e meio foi difícil, mas depois comecei a jogar mais regularmente.

MF – Podemos assumir que o futebol húngaro se assemelha mais ao português do que o búlgaro?
RP – É mais parecido com o português. Aqui é normal o último classificado ganhar pontos aos primeiros classificados. Claro que não acontece sempre, mas é mais normal do que na Bulgária.

MF – Como aconteceu este fim de semana convosco, em que perderam em casa com o último [Diósgyor].
RP – Sim. Estamos numa série de resultados não muito positiva, mas vamos dar a volta a isso. Mas, como dizia, o futebol húngaro é muito mais competitivo do que o búlgaro e um pouco mais parecido com o português. Há muita qualidade e intensidade, o que é ótimo para nós, jogadores.

MF – Disse no início da conversa que só no Benfica teve melhor condições do que no MOL Fehérvár…
RP – Encontrei um ginásio espetacular, campos de treino espetaculares e temos um estádio lindíssimo, onde a relva está sempre em tratamento. Temos um departamento médico muito bom e gente disposta a ajudar-nos em tudo.

MF – É um nível de profissionalismo que não encontrou na Bulgária?
RP – Sem dúvida. Na Bulgária havia muita falta de organização. Era muito difícil ter uma resposta na hora quando precisava de alguma coisa. Normalmente era preciso insistir. No ano em que cheguei ao CSKA, não tínhamos um campo de treinos. O CSKA é o maior clube da Bulgária, mas passou por uma crise muito grande há uns anos e teve de recomeçar do zero. Nos últimos dois anos as condições já eram outras: não as melhores, mas houve uma melhoria.

MF – E também apanhou a fase em que um grupo de dissidentes do CSKA aproveitou para fundar outro CSKA.
RP – Sim. Agora há outro CSKA. É um bocado estranho.

Rúben Pinto homenageado quando chegou ao jogo 100 pelo CSKA Sofia (foto: arquivo pessoal)

MF – Nada a que não estivesse habituado em Portugal.

RP – Sim. É como o Belenenses. Mas isso passa-nos ao lado. Temos é de estar focados em jogar futebol.

MF – Reconheceu que o MOL Fehérvár não está num bom momento em termos de resultados. A equipa está no terceiro lugar, atrás do líder Ferencváros, e do Puskás Akadémia, uma equipa criada recentemente e que está ligada ao primeiro-ministro Viktor Órban. As expectativas eram mais elevadas?
RP – Não vou mentir: estamos aquém das expectativas. Neste momento, o nosso principal objetivo passou a ser a Taça da Hungria. Este tipo de coisas acontece no futebol. Por vezes vemos clubes a passar por isto. Temos, por exemplo, o caso do Benfica, que está a passar por uma fase menos positiva, mas não é por isso que deixa de ser um grande clube ou de ter grandes jogadores Há que dar um reset e voltarmos às vitórias, que era o que vínhamos a fazer até entrarmos nesta fase menos boa. Estamos numa fase em que jogamos de três em três dias, tivemos alguns problemas com jogadores indisponíveis por castigos e lesões. Isso trouxe alguma fadiga acumulada. Não serve de desculpa, mas não é fácil.

MF – E em relação ao primeiro-ministro e à forma como ele segue o futebol?
RP – Segundo sei, ele é um fanático por futebol. Foi jogador e quer que as coisas sejam seguidas com muito rigor em todos os jogos.

MF – E isso tem ajudado a recuperar o futebol húngaro, que viveu os tempos áureos na década de 50 e está agora a recuperar fôlego.
RP – Sim. Vão estar presentes no Europeu, juntamente com Portugal. Por aí vê-se que estão a crescer e o Governo tem dado uma grande ajuda nesse sentido: todos os clubes da primeira liga têm estádios novos.

MF – Fale-nos um pouco da vida em… Szé-kes-fe-hér-vár.

RP – Vivo aqui e estou a 45 minutos de Budapeste, a capital. No início ia lá mais vezes, mas agora não tanto, por causa da pandemia.

MF – Está a gostar de viver na Hungria?
RP – Estou a gostar. Quase toda a gente fala inglês, estou a cinco minutos do centro de estágio e vive-se muito bem aqui.

MF – Em Portugal não se consomem muitas notícias sobre a Hungria, mas as que nos chegam estão recorrentemente relacionadas com acusações de atropelos dos direitos humanos e com o facto de o país ser governado com muita autoridade. No futebol passa-se ao lado disto?
RP – Não vejo notícias daqui, sinceramente. O que sei é pelos meus colegas e pelas pessoas que trabalham no clube e pouco ou nada se fala sobre isso. Mas não sinto nada disso. Não posso dar uma resposta concreta.

MF – Sente-se seguro aí?
RP – Bastante. Pelo menos na minha cidade, não vejo criminalidade.

MF – E comparações com a Bulgária? Já é possível fazer algumas?
RP – Sim. Sinto que as pessoas aqui são mais atenciosas do que na Bulgária. Mais abertas também. Não há diferenças significativas, mas aqui sentimo-nos num país mais europeu do que na Bulgária, mais de leste.

MF – Tem «estórias» caricatas destes anos fora de Portugal?
RP – Posso contar uma na Bulgária, num jogo entre o CSKA e o Lokomotiv Plovdiv [novembro de 2017]. Durante o jogo começámos a ouvir o muro e as grades a estremecerem. Olhamos à volta, os nossos adeptos derrubam o gradeamento e puseram-se na pista de tartan com o jogo a decorrer. E os adeptos do Lokomotiv Plovdiv fizeram o mesmo. Encontraram-se ali a meio e depois começou ali uma salganhada de uns contra os outros. O jogo ainda continuou durante algum tempo, mas depois o árbitro teve de parar. Entretanto, um adepto começou a ir na direção de um colega meu e deu-lhe um calduço. E ele, instintivamente, virou-se e deu-lhe um pontapé. Esse momento passou na televisão. Isto durante um jogo é incrível.

MF – E não pensou onde é que se tinha ido meter?
RP – Não, porque já conhecia a rivalidade entre as equipas. Claro que é algo que nunca deveria acontecer, mas a polícia depois resolveu a situação e o jogo foi retomado uma meia-hora depois.

MF – Dá para perceber que os adeptos são muito fervorosos na Bulgária.
RP – Os do CSKA foram os melhores que apanhei. Tirando os do Benfica, que é outro patamar. Mas a nível de coreografias e de efusividade eram únicos. Num jogo fora, em que a capacidade para os adeptos visitantes estava limitada a 2.500 espectadores, nós conseguíamos pôr 2.500 no estádio e outros 2.500 fora do estádio a cantar.

MF – E é completamente diferente jogar com apoio e sem apoio.
RP – Completamente diferente. E eu aqui, na Hungria, sinto muito a falta dos adeptos. E a equipa também sente. Noto isso também pelo que o Benfica está a passar. Sou benfiquista, não o escondo a ninguém, e sinto que o Benfica precisa muito dos seus adeptos. Porque, em casa ou fora, joga sempre em casa. Não serve de desculpa, mas sou jogador, estou a passar por uma situação parecida e não é fácil: queremos muito que as coisas aconteçam, mas depois há algo que muda tudo. Nos últimos três jogos, começámos a ganhar nos primeiros 30 minutos e da primeira para a segunda parte tudo mudou radicalmente. São coisas que não conseguimos entender.

MF – É aquela energia que se perde e que é parcialmente recuperada com o apoio dos adeptos?
RP – Exatamente. Quando começam a faltar as pilhas ou emocionalmente caímos um pouco, os adeptos dão-nos esse suporte. E eu sinto que isso falta um pouco à nossa equipa. Mas agora não é possível e teremos de dar a volta sozinhos.

MF – Nunca jogou com adeptos nas bancadas esta época?
RP – Fiz dois ou três jogos com adeptos, mais no início da época. Um no nosso estádio e dois fora. Deu para conhecer um pouco a força dos adeptos. E agora, quando fizemos o primeiro jogo após a pausa de inverno, recebemos uma força muito grande da parte deles, que vieram apoiar-nos ao nosso estádio. São adeptos bastante calorosos, mas a pandemia veio estragar a essência do futebol, que são os adeptos. Depois, fechou tudo, como em quase toda a Europa. Tem vindo a ser assim até agora.

MF – Qual é o ponto de situação da pandemia aí na Hungria?
RP – Tem estado bastante constante. Entre mil e 2 mil casos por dia. Esta semana subiu um pouco, até aos 3 mil e tal. Dizem que poderemos estar na iminência de uma terceira vaga, mas nada comparado com o que aconteceu em Portugal, que foi uma explosão.

MF – E há muitas limitações de circulação e comércios fechados?
RP – As fronteiras estão fechadas e só entra no país quem vier para trabalhar ou para fazer escala para outro país. A Hungria segue muito a linha da Áustria, que é aqui ao lado. Os restaurantes também estão todos fechados e o futebol, como disse, é sem adeptos. Um pouco na linha do que acontece no resto da Europa.

MF – E de que forma é que a pandemia é um obstáculo quando se chega a um clube novo? É mais difícil quebrar o gelo e criar uma relação com os colegas por haver também menos contactos fora dos treinos?
RP – É complicado. Normalmente, quando os clubes passam por momentos menos positivos em termos de resultados, criam-se estratégias de união: juntamos o grupo para ir jantar, para ir ao paintball ou para andar de karts. Qualquer coisa que potencie isso. E agora não dá: é tentar o máximo possível no treino e no balneário, porque não podemos estar juntos para criar ‘aquela’ ligação.

DR: MOL Fehérvár

MF – Por quanto tempo assinou pelo MOL Fehérvár?
RP – Por dois anos.

MF – Imagina-se a ficar na Hungria para lá destes dois anos?
RP – Imagino-me, porque sinto que estou num clube com bastantes condições e muito familiar.

MF – Ainda tem 28 anos e por isso tem alguns anos de carreira pela frente. Pensa experimentar outros campeonatos?
RP – Não tenho metas. Quero viver o dia a dia e ir época a época. Nós sonhamos muito quando somos mais novos e eu também tive os meus sonhos, claro. Mas a partir de um determinado momento da carreira, o que queremos é desfrutar do dia a dia, treinar bem e estarmos bem física e emocionalmente. Ninguém sabe o dia de amanhã, ainda mais agora: ninguém previa esta pandemia que mudou o mundo.

MF – Quando é que passou a adoptar esta espécie de filosofia?
RP – Talvez há dois anos. E isso tem-me ajudado. Quando definimos na nossa cabeça uma meta muito grande e não chegamos lá, é difícil lidar com isso. O que vier de bom, abraço; o que vier de mau, meto para o lado. É assim que encaro as coisas. Mas procuro trabalhar sempre em busca de algo melhor. Eu saí de um grande clube e vim para outro grande clube, talvez maior e com melhores condições do que o CSKA, e não coloquei nenhum objetivo. E consegui aqui chegar.

MF – Passou por esse problema de gestão de expectativas quando estava no Benfica? teve uma cláusula de rescisão de 30 milhões de euros, foi associado ao Arsenal e chegou a ser comparado a Rui Costa. Isso afetou-o?
RP – Afetou e não afetou. Já depois disso eu tive uma lesão muito grave. Estive um ano na equipa A [2011/12] e isso aconteceu a seguir, na época em que era suposto eu «explodir». Estive mais de oito meses parado e isso mexeu com as minhas expectativas. Mas sou grato por tudo o que tive! Joguei nas melhores equipas dos países onde estive: no Benfica, no CSKA e agora no Videoton. E isso deixa-me orgulhoso do percurso que tenho feito.

MF – (…)
RP – Se pensei maior? Claro que já pensei! Mas estou feliz com o que tenho e dou graças a Deus por estar onde estou.

MF – Olhando para trás, foi só a lesão ou também o escasso aproveitamento da formação por parte do Benfica há dez anos?
RP – Isso também, claro! Enquanto eu estive lá, formação… bola, zero. E isso era prejudicial para nós. Mas são fases e eu não tive a sorte de apanhar a fase em que o Benfica apostou mais na formação. Talvez hoje pudesse ser diferente, mas sou grato na mesma.

MF – Mas como é que o Rúben e os seus colegas lidavam com o facto de terem de dar tudo sabendo que muito provavelmente isso não seria, ainda assim, suficiente?
RP – Era frustrante, claro! Nós, jovens, quase que trabalhávamos para sair dali para outro sítio que nos desse visibilidade. E hoje olho para casos com os do Bernardo Silva e do João Cancelo e penso: ‘Estes jogadores não jogaram na equipa principal do Benfica. Vou-me remoer por isso?’ Claro que não: eu estava lá dentro e sabia que não havia aproveitamento da formação. E passados uns anos começaram a apostar mais e isso deu bastantes frutos. Mas sinto que eu e outros jogadores fomos muito desaproveitados. O Bernardo [Silva], por exemplo, fez toda a formação no Benfica, mas não podemos dizer que saiu da equipa principal do Benfica, tal como o Cancelo. Neste momento são dois dos melhores jogadores do futebol europeu. Mas não guardo rancor: o Benfica continua a ser o meu clube, continuo a sofrer por ele e vejo todos os jogos, menos quando jogo à mesma hora.

MF – Mas fica alguma mágoa por ter deixado o Benfica sem um jogo feito pela equipa principal?
RP – Aquele sentimento de que poderia ter chegado a outro patamar e jogado mais.

MF – Pegando na deixa de Jorge Jesus quando o Matic deixou o Benfica, e também porque é médio, sente que era preciso nascer dez vezes?
RP – Na altura era preciso, sim. Para o Jorge Jesus era. Não para nós.

MF – O que é que guarda dos tempos em que trabalhou com ele, apesar de não ter tido o aproveitamento desportivo que gostaria?
RP – Trabalhei um ano inteiro com ele. Ele é um ‘doente’ por futebol. Vive-o 24 horas muito intensamente. Apesar de não ter tido oportunidades, aprendi bastante com ele. A conhecer a essência do futebol, a perceber melhor os posicionamentos…

MF – É fácil estar na mesma ‘frequência’ dele?
RP – Não é fácil. Ele está sempre a pensar à frente. Por exemplo, antes do treino de hoje ele já está a pensar no que vai fazer no dia seguinte. Não é fácil acompanhar, mas os jogadores tentam adaptar-se e seguir a linha de pensamento dele.

MF – Em 2014/15 foi emprestado ao Paços de Ferreira na segunda metade da época e estreou-se na Liga com Paulo Fonseca, outro treinador que está agora num patamar elevado.
RP – Tive com ele um grande upgrade na minha carreira. É um treinador espetacular e dez estrelas como pessoa. Posso dizer que com ele tive dos tempos em que mais me diverti a jogar dentro do que eu gosto no futebol. É um treinador muito à frente: eu acordava a pensar que o treino desse dia ia ser top e a dizer o quanto me apetecia ir treinar.

MF – O que é que o diferenciava?
RP – Eram sempre grandes treinos. De grande intensidade, sempre com bola e isso dá outro ânimo ao jogador e à equipa. Mas também tive outro grande treinador, o Hélder Cristóvão, na equipa B do Benfica. Muita gente passa ao lado do nome dele, mas foi ele que treinou a maioria dos jogadores que saíram do Benfica e que estão agora no auge: Bernardo Silva, Lindelof, André Gomes, João Cancelo, Nelson Semedo, Ederson… Foi ele que pegou em alguns destes jogadores que não tiveram oportunidades e muita gente não se lembra disso. Também dava gosto ir para os treinos dele. O que havia de diferente nele e no Paulo Fonseca era sobretudo o trabalho com bola: treinávamos todos os dias com bola. Com o mister Ricardo Sá Pinto [em 2015/16 no Belenenses] também trabalhávamos muito com bola: ele também foi muito importante na minha carreira como jogador. É uma pessoa dez estrelas, por mais que digam que ele é maluco [risos].

MF – Essa época no Belenenses, na qual fez muitos jogos e jogou a Liga Europa, foi das melhores da sua carreira?
RP – Posso dizer que sim! No CSKA também estive a um ponto de ser campeão e fui à Liga Europa. Mas desfrutei muito da meia época no Paços de Ferreira e da época no Belenenses, naquela fase em que estivemos na Liga Europa.

MF – Onde sente que esteve mais perto do seu nível máximo como jogador?
RP – No Belenenses, durante a fase da Liga Europa. Foi uma pena não termos sido constantes e não termos conseguido lutar pelo quinto lugar, mas tínhamos um plantel muito curto para tantas competições. Acabámos por ficar no nono lugar.

Foto de capa: DR MOL Fehérvár