Estórias Made In é uma rubrica do Maisfutebol que aborda o percurso de jogadores e treinadores portugueses no estrangeiro. Há um português a jogar em cada canto do mundo. Este é o espaço em que relatamos as suas vivências.

Há um ano, Miguel Ribeiro, Miguelito, tornava-se no herói da Taça de Portugal ao marcar o golo com que o Amarante, do Campeonato de Portugal, eliminou o Marítimo. Um ano depois, o Maisfutebol encontra o «Fellaini de Amarante» a mais de 3 mil quilómetros de casa. Aos 26 anos, depois de 20 no clube da terra, o médio mudou-se para Chipre, onde representa o Olympiakos Nicosia, da segunda divisão. Miguelito conta como está a ser a vida num clima bem mais ameno do que o do Norte de Portugal, mas onde viveu um pequeno incidente diplomático logo nos primeiros tempos.

Com o Amarante na Taça

«Para não ter um peso na consciência». É assim que Miguelito explica o que o levou a deixar o Amarante, onde jogou desde os seis anos, e que garante ser «o clube do coração», para rumar a Chipre. «Surgiu esta oportunidade e decidi aceitar para mais tarde não ter um peso na consciência por a ter desperdiçado».

Depois do feito da Taça, o médio do Amarante teve tempo de antena em todos os jornais e também na televisão. Falou-se muito, mas chegaram propostas? «Deixei as coisas na mão do meu empresário e sei que ele fez de tudo para me conseguir melhor do que o Amarante, mas a verdade é que chegou ao fim de julho, princípio de agosto, e eu não tinha nada. E foi aí que eu lhe disse que queria mesmo sair e que estava aberto a propostas do estrangeiro se fosse essa a hipótese de singrar no futebol. E por isso vim de bom grado para aqui», conta, mas esclarece: «Claro que vim para cá ganhar mais do que estava a ganhar no Amarante, é óbvio».

E nem o facto de ser na segunda divisão o desmotivou. «Costumo comparar o Olympiakos ao Boavista. É um clube que tem dois títulos de primeira divisão, três de segunda divisão, uma Taça de Chipre, uma Supertaça… é um clube com bom palmarés, mas, devido a problemas financeiros, nos últimos anos desceu de divisão e está a tentar voltar aos poucos à divisão que merece que é a primeira. E foi por isso que eu vim. Se fosse para um clube que não tivesse objetivos altos, ficava em Amarante», adianta. «Para já estamos dentro dos objetivos, a três pontos dos lugares de subida, por isso acho que fiz uma boa escolha».

O início não foi fácil. «Eu nunca tinha saído da minha terra antes, só em férias. O primeiro mês posso dizer que foi muito complicado, com saudades da família, da namorada, dos amigos… Vim para um clube que não tinha estrangeiros nenhuns quando eu entrei, eram só gregos ou cipriotas, mas falam a mesma língua. Uma equipa que ainda estava triste por ter visto a subida fugir no último jogo da época passada com um golo sofrido aos 90 minutos».

«Sentia-me um pouco sozinho», confessou. Mas depois melhorou com o reforço do contingente português. «Chegaram o Hélder Castro, o Romeu Torres e o Paulo Pina, que já aqui estava em Chipre, e isso ajudou. Os clubes de segunda divisão aqui só podem ter seis estrangeiros e nós já somos quatro portugueses. Foi sorte. Graças a eles, a minha adaptação foi muito mais fácil».

E ainda melhorou mais quando a namorada também se mudou para Chipre, um mês e meio depois. «Já vivíamos juntos há ano e meio e já tínhamos a nossa vida, a nossa rotina. Quando vim para cá, às vezes chegava a casa e nem tinha vontade de cozinhar, nem de fazer nada. Agora chego e ela já tem a comida pronta, faz-me companhia, dá-me uns miminhos, dá para desabafar. E já fazemos aqui a nossa vida».

Nem tudo foi difícil. «O clima não custou nada a adaptar. Até já estou farto de sol… estamos em novembro e de dia ainda se pode andar de calções e t-shirt. Ainda temos muito calor e acho que só choveu uma vez», conta. «Mas não estou farto», esclarece. «Gosto é de meter nojo aos meus amigos lá de Amarante. Mando-lhes fotografias com o sol que aqui faz. O clima aqui é tropical, é mesmo muito bom. É um país ótimo para se viver».

«Também me adaptei bem à comida, que é muito boa. E a questão da língua não foi difícil. Com o tempo aprendi algumas coisas para o futebol, que fazem falta. No dia-a-dia não é preciso porque toda a gente fala inglês, é como uma segunda língua», explica.

Nicósia

«Uma das coisas que me custaram ao início foi o facto de ter que conduzir com o volante no lado direito, e do lado esquerdo da estrada, e o facto de dividirmos o complexo desportivo com mais cinco equipas, duas delas da mesma divisão que a nossa», lembra.

Mas há situações mais delicadas. «O mais estranho aqui é o facto de estarmos numa ilha e 2/3 da ilha serem cipriotas e 1/3 ser turco. A guerra acabou há 42 anos, mas eles têm um ódio de morte aos turcos», explica, recordando um episódio que aconteceu no início porque até a cidade de Nicósia é dividida.

«Fiquei num hotel perto da fronteira e conheci dois guarda-redes que jogam no PAEEK. Por curiosidade, fomos ao lado turco para conhecer. Num restaurante, o Rui Nibra, que é guarda-redes do PAEEK, tirou uma foto e pôs no Facebook, e logo a seguir um adepto do clube dele veio dizer que ele devia saber mais sobre a história do país e do clube, que era uma afronta para as pessoas do clube ele estar naquele sítio. Ele ficou cheio de medo e a partir daí começámos a investigar melhor a história do país e a perceber o ódio que eles têm aos turcos», conta.

«Os turcos vão para o lado cipriota, mas os cipriotas não vão para o lado turco, porque ao passar a fronteira têm que assinar um papel em que basicamente admitem que estão a pisar solo turco, o que para eles é uma afronta porque a ilha era deles até à invasão».

E já voltou ao outro lado? «Já, já. Vou lá muitas vezes, porque lá come-se bem e barato, e as praias mais bonitas são do outro lado, por isso, quando tenho uma folga, gosto de ir até lá. Mas falar com os meus colegas sobre lá ir, está fora de questão, porque eles não gostam muito».

Olympiakos Nicosia

Desportivamente, Miguelito encontrou em Chipre uma realidade diferente da de cá. «Temos uma massa associativa muito grande. No último jogo no ano passado estavam 7 mil adeptos do Olympiakos no estádio. É um clube mesmo muito grande, mas é um monstro adormecido. As pessoas só vêm ao estádio se a equipa estiver bem. E como temos estado bem, de jogo para jogo, cada vez tem aparecido mais gente».

«Sendo eu estrangeiro, se calhar sinto mais o carinho dos adeptos aqui. À parte dos autógrafos ainda não cheguei, também temos que ir com calma. Mas reconhecem-me quando vou a algum lado – também sou fácil de memorizar -, dizem que gostam de mim, que é este ano que vamos subir. A dimensão é diferente da que tinha em Portugal, sem dúvida. Agora posso dizer que me sinto jogador», conta.

E como o tratam? «Graças ao nome que os jornalistas portugueses me deram, quando cheguei aqui, saiu uma notícia num jornal desportivo a dizer: "o Fellaini português chega a Chipre". E os adeptos chamam-me Fellaini. A alcunha colou mesmo».

O carinho dos adeptos é reflexo do que faz em campo. «Estou contente, as coisas estão a correr-me bem. Para já, fui totalista nos 10 jogos que fizemos. Golos é que ainda não apareceram, mas não têm sido precisos».

«Estou aqui há quatro meses e já mudamos duas vezes de treinador, estamos com o terceiro. O primeiro era temporário porque não tínhamos direção. E eu consegui ganhar a confiança dos três, com sorte e muito trabalho», conta.

«Estou a trabalhar para, se subirmos de divisão, ficar cá para o ano ou, senão, ter outras oportunidades. Foi isso que aprendi também, a trabalhar para mim», explica.

Miguelito

Há um ano disse que gostava de jogar no FC Porto ou ser treinado por Jorge Jesus, ainda acalenta esses sonhos? A resposta surgiu sem hesitações. «Não. Temos que ser realistas. Já tenho 26 anos. Se calhar, se tivesse saído mais cedo, com 20, 21 anos, a trabalhar como estou, se calhar… mas estou a trabalhar para chegar a uma equipa da I Liga».

E se não voltar para Portugal, Miguelito já nem se aborrece muito: «Já estou adaptado, gostava de fazer carreira aqui». Não parece má ideia, numa altura em que nos fala de uma solarenga Nicósia, e a sua Amarante natal está debaixo de chuva intensa.